Napê, nossa luta é sobreviver Napê, não vamos nos render Ya temi xoa, aê, êa Ya temi xoa, aê, êa
“Ya Temi Xoa” foi o verso cantado a plenos pulmões por toda a comunidade negra da Acadêmicos do Salgueiro acompanhada de líderes Yanomami durante desfile na Avenida Marquês de Sapucaí, no Rio de Janeiro, em fevereiro deste ano. A frase, que traduzida para português significa “eu ainda estou vivo”, marcou o samba enredo “Hutukara” e agora também dá nome ao documentário que tem estreia online nesta segunda-feira (26/08).
Assista!
O curta de 20 minutos conta como a floresta amazônica se conectou com as favelas do Rio de Janeiro ao unir os Yanomami e o povo negro para fazer história. O filme mostra uma parte do desfile, os bastidores e as ideias que construíram o enredo inspirado na Hutukara - o céu que desabou na cosmologia Yanomami - que garantiu o 4º lugar à Salgueiro, ficando entre as seis campeãs do ano.
Uma parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA) e a Hutukara Associação Yanomami (HAY), com a direção de Thomas Mendel, Ya Temi Xoa teve pré-estreia em Boa Vista, capital de Roraima. O evento recebeu lideranças indígenas e seus parceiros de organizações não governamentais, autoridades de órgãos federais, jornalistas e apoiadores da causa Yanomami.
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As lideranças Davi Kopenawa, Dario Kopenawa e Julio Ye'kwana fizeram falas após a exibição do curta|Valdimarley Braga/Platô Filmes/ISA
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Filme que retrata a união dos Yanomami e da comunidade salgueirense estreou em cinema de Boa Vista|Valdimarley Braga/Platô Filmes/ISA
Em meio a uma tragédia humanitária, escancarada ao mundo em janeiro de 2023, os Yanomami chamaram a atenção da escola de samba. Com uma pesquisa e aprofundamento na obra A Queda do Céu de Davi Kopenawa e Bruce Albert, os responsáveis pelo enredo entenderam que os Yanomami tinham muito mais a mostrar do que uma tragédia.
“Fiquei três ou quatro meses lendo muita sobre a cosmologia do povo yanomami, mas eu digo que o que mais me tocou foi ter o olhar do Davi”, afirma Igor Ricardo, jornalista e enredista da Salgueiro.
Igor conta que um dos esforços para construção do desfile foi justamente o de não colocar o povo Yanomami na posição de “coitados”. O conceito do espetáculo foi construído sob a ótica da exaltação à cosmologia e rica cultura destes indígenas. “A ideia da Hutukara era apresentar o povo Yanomami pela lógica do que eles são verdadeiramente e não pela ótica que a sociedade não indígena costuma ver na televisão, que é a ótica da tragédia. Então, quando pensamos nesse “Hutukara”, foi para mostrar a beleza desse povo, sobre quem é esse Omama, que é o deus da criação dele, sobre Yoasi, que é o deus da morte e destruição”, explica.
A Salgueiro foi a terceira escola a desfilar na primeira noite de apresentações. Além do homenageado Davi Kopenawa, líder e xamã dos Yanomami, outras 13 lideranças Yanomami estiveram presentes no carro “Por um Brasil Cocar”.
Meu Salgueiro é a flecha Pelo povo da floresta Pois a chance que nos resta É um Brasil cocar
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Da esquerda para a direita: o xamã Manoel Yanomami, o xamã e liderança Davi Kopenawa e a liderança Pedrinho Yanomami, no carro alegórico "Por um Brasil Cocar"|Lucas Landau/Hutukara/ISA
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Mc Rebecca representando “Yaroriyma Pë” em frente ao carro alegórico “Hutukara: a nova terra-floresta"|Lucas Landau/Hutukara/ISA
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Ala que representa a pesca, uma das principais atividades do modo de vida dos Yanomami|Lucas Landau/Hutukara/ISA
Para fugir dos estereótipos, a escola pediu a assessoria de Davi Kopenawa na construção das alegorias. O xamã também participou da escolha da canção que emocionou a Salgueiro - recebendo 10 de todos os jurados em seu respectivo requisito. “Neste lugar estão trabalhando em algo muito importante e estão fazendo um bom trabalho para ajudar na nossa luta, ajudar a defender o meu povo, ajudar a defender o nosso direito. Fiquei contente que estão trabalhando e fazendo as coisas para sair bonito e mostrar para toda a cidade”, conta o xamã em trecho do documentário que mostra sua visita à escola de samba durante os preparativos para o desfile.
Hutukara, ê! Sonho e insônia
Grita a Amazônia, antes que desabe
Caço de tacape, danço o ritual
Tenho o sangue que semeia a nação original
Eu aprendi português
A língua do opressor
Pra te provar que meu penar também é sua dor
Falar de amor enquanto a mata chora
É luta sem flecha, da boca pra fora
Floresta e morro se encontram
O real encontro de Davi Kopenawa com o povo do Salgueiro se deu meses antes do desfile na Sapucaí. Davi foi convidado para estar presente na final da escolha do samba, em 13 de outubro de 2023. Eram 23 sambas inscritos falando sobre a Hutukara e nesse dia um deles seria escolhido para ser cantado na avenida.
Ao chegar no Rio de Janeiro, Davi seguiu para o Morro do Salgueiro, no Caxambu, centro cultural que guarda as tradições afro-brasileiras da comunidade. Foi recebido com uma apresentação de Dança de Jongo, onde ao som de tambores, as matriarcas da escola cantaram e dançaram para recepcionar o líder Yanomami. Momentos depois, Davi disse que ficou emocionado ao ver as mulheres dançando e que elas o fizeram se lembrar de suas tias, que são as guardiãs da cultura yanomami.
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Davi Kopenawa visitou o Morro do Salgueiro em outubro de 2023, quando a escola estava prestes a escolher o samba-enredo|Lucas Landau/Hutukara/ISA
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Davi Kopenawa reunido com dançarinas de jongo, que participam de projeto social no morro do Salgueiro para o resgate da dança tradicional que deu origem ao samba, e lideranças do projeto Erveiras e Erveiros do Salgueiro, que fazem o resgate do conhecimento tradicional sobre ervas para usos medicinais e religiosos na comunidade|Lucas Landau/Hutukara/ISA
No morro, Davi conversou com muitas delas e conheceu o trabalho das erveiras, mulheres conhecedoras das plantas que curam e que mantêm um projeto para registro e aprendizado desse conhecimento pelas novas gerações.
Ao descer o morro, Davi disse que já esteve muitas vezes no Rio de Janeiro, que foi levado para pontos turísticos, prédios bonitos e praias, mas que essa tinha sido a primeira vez que ele conheceu o povo que construiu a cidade e que depois foi empurrado para morar no morro, em cima das pedras, onde não é possível plantar.
Noite do desfile
Com diversas referências à cosmologia Yanomami, criticando a falsa “família de bem” e relembrando o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, assassinados em 2022, o samba da Salgueiro mostrou a força, beleza e resistência do povo da maior Terra Indígena do Brasil na primeira noite do Carnaval do Rio de Janeiro.
Antes da sua bandeira, meu vermelho deu o tom
Somos parte de quem parte, feito Bruno e Dom
Kopenawas pela terra, nessa guerra sem um cesso
Não queremos sua ordem, nem o seu progresso
“A Salgueiro vai emocionar na avenida e mostrar a importância que é a gente cuidar da nossa terra e dos povos originários”. afirmou a rainha de bateria da Salgueiro, Viviane Araújo, minutos antes do desfile.
Para embalar a escola de samba e a arquibancada, a Salgueiro levou elementos do conhecimento milenar dos Yanomami e contou a história da Hutukara, que na cosmologia Yanomami representa o céu que desabou os levando para o plano em que vivem hoje.
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Ritmistas da Acadêmicos do Salgueiro mostram tamborim com a mensagem “Fora Garimpo”, na Marquês de Sapucaí|Thomas Mendel/Hutukara/ISA
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Ala das baianas representando “Thuëyoma, a mãe Yanomami” no desfile da Salgueiro em fevereiro|Lucas Landau/Hutukara/ISA
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Comissão de frente “Ya Nomaim! Ya temo xoa! (Eu não morro! Ainda estou vivo)”, que representava os espíritos “xapiri” no desfile|Lucas Landau/Hutukara/ISA
“Os Yanomami trouxeram uma parte cultural que nós não tínhamos conhecimento. Eles são bem enfáticos ao dizer ‘Ya Temi Xoa’ porque querem dizer que estão vivos, que a floresta está viva e acho que chegou a hora do Brasil entender esse povo que está aqui antes da colonização e que ainda têm força para dizer ‘estamos vivos’”, disse Silvania de Sant’anna, integrante da torcida oficial Amigos do Salgueiro.
A identidade dos Yanomami chegou à avenida com uma preparação que começou antes mesmo do desfile. Os indígenas escolheram usar suas pinturas tradicionais, além de acessórios feitos com sementes, penas e pequenas lascas de flechas.
“A nossa história vive da mata, da selva, das frutas. Para nós, isso não é só um momento de tristeza, mas também temos alegria e precisamos ser valorizados”, disse Carlinha Santos, que além de professora é presidente da Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK).
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Em pé, da esquerda para a direita: Julião, presidente da associação Parawana; João Figueiredo, presidente da AYRCA; Pedrinho, xamã Watoriki; Otavio Ironasiteri, presidente da Kurikama; Geraldo Yanomami; Ehuana Yanomami; xamã Manoel Yanomami; Carlinha Lins Yanomami; Davi Kopenawa Yanomami; Morzaniel Yanomami; Eliane Clara Opoxina. Agachados, da esquerda para a direita: Gilvania Borari; Joseca Yanomami; Júlio Ye'kwana e Dário Kopenawa Yanomami|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
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Ehuana Yaira Yanomami pinta Eliane Clara Opoxina na concentração para o desfile|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
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Lideranças da Terra Indígena Yanomami se preparam antes de desfilar pela escola de samba Salgueiro|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
Em 21 de janeiro de 2023, menos de um mês após assumir o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitou Boa Vista e chamou a atenção do mundo para os altos números de casos de malária e desnutrição entre os Yanomami. Um dia antes, uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) foi instaurada.
Em março de 2023, durante as comemorações de seus 70 anos, a Salgueiro anunciou “Hutukara” como o tema do seu desfile em 2024, mais uma vez chamando a atenção para a grave situação dos Yanomami.
“É muito importante e tudo foi muito lindo. É muito importante que a Salgueiro tenha encontrado o nome do povo Yanomami, mesmo que tenha demorado, porque assim nós também encontramos o povo negro que também foram sofredores”, resumiu Kopenawa sobre a conexão entre a floresta amazônica e as favelas do Rio de Janeiro na parceria entre a Salgueiro e a Hutukara Associação Yanomami (HAY).
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Quadra da Salgueiro explode em comemoração após conquista do quarto lugar no Carnaval 2024 do Rio de Janeiro|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
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Davi Kopenawa e Dario Kopenawa celebram quarta colocação da Acadêmicos do Salgueiro|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
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Integrantes da escola cantam o samba-enredo que recebeu nota 10 dos jurados do carnaval carioca|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Prêmio Vladimir Herzog anuncia premiados especiais de 2024
Flávia Oliveira, Gizele Martins e Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro receberão o Prêmio Especial Vladimir Herzog 2024 em cerimônia solene no dia 29 de outubro, em São Paulo
A comissão organizadora do Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos definiu o protocolo de homenagens e premiações especiais de sua 46ª edição. Para o Prêmio Especial foram indicados Flávia Oliveira, Gizele Martins e a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro.
As escolhas se basearam nas contribuições relevantes para o cenário atual do jornalismo brasileiro, que caminha no reconhecimento da diversidade, inclusão, pluralidade de vozes e de causas, e de partilha do protagonismo na defesa do direito à informação e na democratização do acesso à comunicação.
Conheça os indicados
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Flávia Oliveira é colunista do jornal “O Globo” e comentarista da “GloboNews” e da “Rádio CBN”.
Desde 2019 atua no podcast “Angu de Grilo” com sua filha, a também jornalista Isabela Reis.
Foi premiada com o Esso (2001) na categoria Melhor Contribuição à Imprensa pela série de reportagens "Retratos do Rio".
Em 2003, recebeu o Prêmio Elizabeth Neuffer da Associação dos Correspondentes da ONU pela série de reportagens sobre desenvolvimento humano junto com Luciana Rodrigues.
No mesmo ano, recebeu da Federação Internacional de Jornalistas (FIJ) o Prêmio Jornalismo para Tolerância por seu trabalho no suplemento “A Cor do Brasil”, no jornal “O Globo”.
Em 2023, foi condecorada pelo governo brasileiro com o grau Oficial da Ordem de Rio Branco.
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Gizele Martins é jornalista, comunicadora comunitária e pesquisadora. Mestre em Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas (UERJ). Doutoranda em Comunicação (ECO/UFRJ).
Autora do livro “Militarização e censura – a luta por liberdade de expressão na Favela da Maré” (2019), articuladora da Rede de Proteção de Jornalistas e Comunicadoras/es e desde 2020 atua na Frente de Mobilização da Maré.
Integra a Coalizão de Mídias Periféricas, Faveladas, Quilombolas e Indígenas - formada em 2023 por 11 organizações de mídia.
A articulação prevê a incidência política local e nacional, troca de saberes e produções coletivas.
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A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro é um coletivo de mídia popular formado por aproximadamente 30 comunicadores das etnias Baré, Baniwa, Desana, Tariana, Tuyuka, Piratapuia, Tukano, Wanano, Hup’dah, Yanomami e Yeba Masã.
Criada em 2017, produz notícias semanais para distribuir para as 750 comunidades indígenas das terras demarcadas do Baixo ao Alto Rio Negro, nos municípios de Barcelos, Santa Isabel do Rio Negro e São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas.
A Rede Wayuri está vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), fundada em 1987 para defender os direitos territoriais e culturais dos 23 povos do rio Negro.
Calendário da 46ª edição
Neste ano, o Prêmio Herzog recebeu 601 inscrições, das quais 222 em texto; 144 em vídeo; 60 em áudio; 56 em multimídia; 51 em fotografia, 50 em arte e 18 em livro-reportagem. Um grupo de 49 convidados integra o júri responsável por selecionar os finalistas de uma das sete categorias de premiação.
No dia 10 de outubro, a partir das 14h, a comissão organizadora volta a se reunir, desta vez para definir os vencedores. A exemplo do que acontece nos últimos doze anos, a escolha será realizada em sessão pública, com transmissão ao vivo pelo YouTube. A cerimônia de premiação acontecerá no dia 29 de outubro, das 20h às 21h30, no Tucarena, em São Paulo, antecedida da 13ª Roda de Conversa com os Ganhadores, das 14h às 17h, também no Tucarena.
Comissão organizadora
Ano passado, na histórica edição de 45 anos, a premiação passou a ser organizada pelo Instituto Prêmio Vladimir Herzog, associação civil de direito privado, sem fins lucrativos ou político-partidários, fundada em novembro de 2022, em São Paulo.
A entidade reúne 17 instituições da sociedade civil, além da família Herzog: Associação Brasileira de Imprensa (ABI); Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI); Artigo 19; Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo; Conectas Direitos Humanos; Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP); Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ); Geledés; Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Nacional); Instituto Vladimir Herzog, Instituto Socioambiental (ISA); Ordem dos Advogados do Brasil – Secção São Paulo; Ouvidoria da Polícia do Estado de São Paulo; Coletivo Periferia em Movimento; Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo; Sociedade Brasileira dos Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e União Brasileira de Escritores (UBE).
Desde a sua primeira edição, concedida em 1979, o prêmio celebra a vida e obra do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura civil-militar no dia 25 de outubro de 1975 nas dependências do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna), em São Paulo.
Serviço
46º Prêmio Jornalístico Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos
Divulgação dos vencedores: 10 de outubro, em sessão pública, com transmissão ao vivo pelo canal no YouTube do Prêmio.
Roda de Conversa com os ganhadores: 29 de outubro, terça-feira, às 14h
Solenidade de premiação: 29 de outubro, terça-feira, às 20h
Local: TUCARENA - Teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP) | Rua Bartira, 347 - Perdizes (entrada lateral da Rua Monte Alegre).
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
‘Ya Temi Xoa': filme sobre tributo aos Yanomami no Carnaval tem pré-estreia em cinema de Boa Vista
Primeira exibição será para lideranças indígenas e seus parceiros no dia 16 de agosto
Da esquerda para a direita: a liderança Pedrinho Yanomami, o xamã e liderança Davi Kopenawa, a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e o xamã Manoel Yanomami, no desfile das campeãs|Lucas Landau/Hutukara/ISA
O filme Ya Temi Xoa, que registrou a trajetória dos Yanomami no Carnaval de 2024, terá sua pré-estreia em uma sala de cinema nesta sexta-feira (16/08), em Boa Vista (RR). A exibição ocorrerá na Playarte Cinemas do Roraima Garden Shopping, localizado no bairro Paraviana, zona leste da capital.
A primeira exibição acontece para lideranças indígenas Yanomami e parceiros de organizações não governamentais, autoridades de órgãos do governo federal, jornalistas e membros da sociedade civil.
Outros 77 ingressos serão distribuídos para estudantes da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Universidade Estadual de Roraima (UERR) e do Instituto Federal de Roraima (IFRR). Os interessados devem preencher o formulário e aguardar o envio do ingresso no e-mail.
Além do desfile da comunidade da Acadêmicos do Salgueiro em 11 de fevereiro, o filme, que tem 25 minutos de duração, mostra os bastidores dessa história, como uma visita do xamã Davi Kopenawa à quadra da escola e os preparativos finais dos Yanomami para desfilar na Avenida Marquês de Sapucaí.
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Davi Kopenawa, xamã Yanomami, durante a apuração dos desfiles das escolas de samba no Carnaval 2024|Tayná Uráz/Hutukara/ISA
Uma parceria entre a Hutukara Associação Yanomami e o Instituto Socioambiental (ISA), o filme tem a direção assinada por Thomas Mendel e produção de Ariel Gajardo, Carolina Fasolo, Evilene Paixão, Fabrício Araújo, Marina Terra e Roberto Almeida. A narrativa é centrada no encontro de lutas entre a comunidade negra das favelas do Rio de Janeiro e os Yanomami, que vivem na maior Terra Indígena do Brasil, localizada na Floresta Amazônica.
Sobre o desfile
O enredo “Hutukara”, que garantiu o 4º lugar e colocou a Salgueiro entre as seis campeãs do Carnaval do Rio de Janeiro em 2024, exalta a cosmologia e cultura dos Yanomami. Entre as referências para construção do espetáculo está o livro A Queda do Céu - Palavras de um Xamã, escrito por Davi Kopenawa em parceria com o antropólogo francês Bruce Albert.
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Ritmista do Acadêmicos do Salgueiro segura tamborim com a frase “Fora Garimpo”, em referência às invasões na Terra Indígena Yanomami|Thomas Mendel/Hutukara /ISA
Kopenawa também votou o samba enredo da escola - que recebeu 10 de todos os jurados - e auxiliou os carnavalescos na escolha das alegorias a fim de evitar que os Yanomami fossem retratados de forma genérica.
Dos bastidores à apuração do resultado, o filme compila toda a história de união de lutas da comunidade Salgueiro e dos indígenas Yanomami. Após o lançamento em Boa Vista, o filme deve ganhar uma estreia nacional, sendo disponibilizado online.
A Aliança em Defesa dos Territórios, composta pelos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku, realizou, no dia 10 de julho, um evento paralelo na sede da ONU em Genebra sobre os impactos do garimpo ilegal de ouro na Amazônia brasileira.
O objetivo foi promover um diálogo entre as lideranças presentes – Julio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana (Seedume) e Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu –, órgãos da ONU, o governo brasileiro e a sociedade civil.
A mesa, que foi co-organizada pela Rede de Cooperação Amazônica (RCA) com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto Iepé, Rainforest Foundation Norway e Instituto Raça e Igualdade, integrou a programação oficial de eventos paralelos da 17ª sessão do Mecanismo de Peritos sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP) da ONU.
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Da esquerda à direita: Luis Donisete, secretário executivo da RCA, Todd Howland, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), Julio Ye'kwana, presidente da Seedume, Marina Vieira, assessora da aliança, Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu, Anexa Alfred Cunningham, do EMRIP e Manoela Pessoa De Miranda, do Secretariado da Convenção de Minamata|Isis Alves
O evento fez parte de uma ampla agenda de incidência política da Aliança em Genebra para provocar o governo brasileiro a agir de forma mais efetiva no combate ao garimpo ilegal do ouro no país. Nos dias 8 e 9 de julho, as duas lideranças presentes em Genebra discursaram na plenária principal do EMRIP.
“É importante a gente falar na ONU para que conheçam internacionalmente a nossa luta”, ressaltou Julio Ye’kwana. Ao longo da semana, as lideranças reiteraram que, apesar de o governo federal ter mudado, a correlação de forças no poder, principalmente no Legislativo, ainda os desfavorece e impede que as ações de proteção aos seus territórios avance.
Em suas falas, os dois representantes da Aliança ressaltaram o papel dos povos indígenas na proteção da natureza e na mitigação das mudanças climáticas: “Nós protegemos a floresta, nós protegemos o mundo. E fazemos isso para continuarmos vivendo”, sublinhou Julio Ye’kwana.
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Julio Ye'kwana discursa na plenária principal do EMRIP da ONU, em Genebra|Marina Vieira
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Doto Takak Ire pediu o fim do garimpo em Terras Indígenas na plenária principal do EMRIP|Luis Donisete Grupioni
“Hoje sofremos com o garimpo e com a contaminação dos nossos rios, dos nossos peixes. O ouro é sagrado, ele tem que ficar no subsolo, não é para retirar de lá. Queremos continuar a beleza que temos em nossas florestas. Que os espíritos da floresta continuem protegendo a nossa vida e os povos indígenas protegendo as florestas, como sempre fizemos”, continuou o presidente da SEDUUME.
“Não somos nós, povos indígenas, que estamos desmatando: são os próprios brancos que estão querendo acabar com o mundo”, acrescentou Doto Takak Ire, presidente do Instituto Kabu.
Assista às falas completas das lideranças em Genebra:
Também compuseram a mesa palestrantes engajados com os direitos dos povos indígenas dentro do sistema das Nações Unidas. Todd Howland, representante do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), abriu o evento fazendo referência à crítica situação em Minamata, no Japão.
Na década de 1950, resíduos industriais com alta concentração de mercúrio foram despejados na baía de Minamata, no Japão, contaminando mais de 50 mil pessoas, das quais ao menos duas mil desenvolveram o que veio a ser conhecida como a doença de Minamata. A Fiocruz demonstrou que crianças dos povos Munduruku e Yanomami já apresentam sintomas dessa doença em pesquisas realizadas em 2020 e 2024, respectivamente.
A doença de Minamata causa danos neurológicos e pode ter, entre seus sintomas, descoordenação e fraqueza musculares, paralisia, perda da audição e da fala. Em casos mais graves, pode levar à malformação fetal e à morte.
No garimpo, o mercúrio é usado para separar o ouro de outros materiais. Os resíduos da substância são incorporados na cadeia alimentar local e acabam contaminando quem se alimenta dos peixes, por exemplo, em especial comunidades indígenas e ribeirinhas.
Em 2023, 148 países – incluindo o Brasil – assinaram a Convenção de Minamata sobre o Mercúrio da ONU, assumindo obrigações para reduzir o efeito negativo do uso do mercúrio na biodiversidade e na saúde dos povos indígenas. Howland chamou atenção para o fato de que empresas e compradores de ouro estão impondo violações aos direitos humanos dos povos indígenas e propôs a eliminação total do uso de mercúrio, a garantia do direito à consulta prévia dos povos indígenas, o acesso à informação, incluindo dados sobre contaminação, e a proteção do direito à saúde das populações afetadas. “A saúde e a proteção da vida são uma obrigação de todos”, lembrou.
Manoela Pessoa, do Secretariado da Convenção de Minamata, afirmou que o mercúrio é um produto barato e fácil de se comprar, inclusive pode ser encontrado na internet. No Brasil, sua comercialização é regulada, mas continua sendo contrabandeado em larga escala. Para Pessoa, é urgente a retirada dos garimpeiros das Terras Indígenas, o monitoramento contínuo das pessoas contaminadas o combate ao comércio ilegal do mercúrio e do ouro.
Por fim, Luis Donisete Grupioni, secretário-executivo da RCA e do Instituto Iepé, afirmou que o garimpo ilegal de ouro na Amazônia é hoje uma atividade permeada por uma rede de ilícitos: “O garimpo está intimamente associado ao tráfico de mercúrio, drogas e armas; é uma atividade complexa, que envolve infraestrutura de equipamentos, recursos financeiros e associação criminosa de empresas suspeitas de fraude na compra e venda de ouro”.
Grupioni lembrou que o avanço da atividade sobre as Terras Indígenas também ameaça os últimos povos indígenas em isolamento voluntário na Amazônia.
Recomendações ao governo brasileiro
Todas as falas convergiram ao menos em quatro recomendações urgentes ao governo brasileiro:
- Desintrusão completa e permanente de todos os territórios indígenas invadidos;
- Monitoramento e tratamento das pessoas contaminadas por mercúrio;
- Regulamentação da cadeia do ouro no Brasil, com a criação de mecanismos de rastreabilidade da origem;
- Controle do uso do mercúrio.
A Aliança reuniu-se ao longo da semana com diferentes mecanismos e procedimentos da ONU, entre eles, a responsável pelo Brasil no ACNUDH e as assessorias dos Relatores Especiais sobre Discriminação Racial e sobre Empresas e Direitos Humanos, com o objetivo de informar sobre as violações aos direitos humanos causadas pelo garimpo ilegal na Amazônia.
A denúncia de Julio Ye'kwana, na plenária principal da sessão do EMRIP, no dia 9 de julho, chamou atenção da vice-presidente do EMRIP, a norte-americana Dalee Sambo Dorough, e do relator especial sobre Direitos dos Povos Indígenas, Francisco Calí Tzay,que convocaram o governo brasileiro a agir imediatamente na situação da Terra Indígena Yanomami.
A perita do EMRIP pela América Latina, Anexa Brendalee Cunningham, que também compôs a mesa do evento paralelo com a Aliança no dia 10 de julho, afirmou que os povos indígenas estão numa luta constante por seu direito à terra no Brasil e em outros países do mundo. E que é importante que haja um diálogo com o governo para encaminhar soluções para os problemas dos direitos coletivos dos povos indígenas em seus territórios, como a questão da invasão do garimpo.
Ela sugeriu que as lideranças indígenas solicitem uma visita do Mecanismo de Peritos em Direitos Indígenas do Conselho de Direitos Humanos da ONU ao Brasil. Desta forma, o Mecanismo pode elaborar um estudo detalhado sobre as violações dos direitos dos povos indígenas no país e cobrar respostas do governo.
Convidada, a Missão Permanente do Brasil junto à ONU não compareceu ao evento paralelo da aliança. “Foi uma pena que os representantes do Itamaraty em Genebra não tenham comparecido ao evento, embora tenham sido convidados. Encontraremos outras formas de levar essas recomendações ao governo brasileiro, e vamos insistir na importância do diálogo com a sociedade civil”, comentou Luis Donisete Grupioni.
* Luis Donisete Grupioni e Marina Vieira
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“Quero que vocês, brancos, escutem minhas palavras e defendam nossa floresta”
Autores Darysa Yanomami e Mozarildo Yanomami leram cartas para não indígenas no lançamento de 'Diários Yanomami' n' A Feira do Livro de SP
A viagem da Terra Indígena Yanomami até A Feira do Livro, em São Paulo, percorreu mais de três mil quilômetros. Enquanto faziam a longa jornada da terra-floresta Yanomami à "selva de pedra" paulista, Darysa Yanomami e Mozarildo Yanomami escreveram cartas para o público do auditório Armando Nogueira, em mesa que aconteceu no dia 5 de julho.
Os dois, que formam parte do grupo de cinco autores indígenas de Diários Yanomami: Testemunhos da destruição da floresta (ISA, 2024), tiveram a missão de lançar o livro – e fazer ecoar as urgentes palavras do povo Yanomami – em um dos maiores eventos literários do país. Em suas mensagens, um desejo comum: que os povos da floresta e da cidade se unam para lutar contra o garimpo na maior Terra Indígena do Brasil.
“Se todos vocês todos se juntarem a nós, unidos, conseguiremos afastar os garimpeiros e resolver os outros problemas da Terra Indígena Yanomami”, convocou Mozarildo em sua carta. "Eu quero (...) que vocês, brancos, escutem minhas palavras e defendam nossa floresta", pediu Darysa.
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Mozarildo Yanomami e Darysa Yanomami (ao centro), com Fabrício Araújo (esq), do ISA, e Corrado Dalmonego, organizador da obra|Júlio César Almeida/ISA
Durante a viagem e no palco d’A Feira do Livro, os Yanomami estiveram com Corrado Dalmonego, padre missionário da Consolata e do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), um dos organizadores do livro e o responsável pela tradução.
“Agora, vocês não indígenas podem ler as nossas palavras”
Darysa foi a primeira a ler sua carta, escrita à mão em um caderno de anotações. Assim como no livro, a primeira versão do texto, na página ímpar, estava escrita em Yanomami e a página seguinte, traduzida para o português. A pesquisadora optou por ler em português.
“Agora, vocês não indígenas podem ler as nossas palavras. Isso é bom para mim. Ao lerem essas palavras, vocês também irão pensar direito. Vocês vão conhecer o sofrimento de nós Yanomami e quero que também vocês defendam nossa floresta”, diz trecho.
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Darysa Yanomami, n'A Feira do Livro: "Ao lerem essas palavras (...) Vocês vão conhecer o sofrimento de nós, Yanomami"|Júlio César Almeida/ISA
Cada capítulo do livro foi escrito por um pesquisador Yanomami. Darysa é responsável pelo terceiro capítulo, com cinco episódios ao todo. Ela entrevistou mulheres Yanomami de diversas regiões e também hospedadas na Casa de Saúde Indígena em Boa Vista (Casai) e transcreveu as conversas na íntegra.
Para Dalmonego, “o bonito deste livro é ser coletivo e colaborativo. Além de suas vozes, os autores trazem a de parentes, de lideranças e as vozes da floresta que está morrendo”, disse.
O capítulo de abertura é literalmente um diário escrito por Mozarildo Yanomami. Durante a mesa, o mediador Fabrício Araújo, jornalista do Instituto Socioambiental (ISA), leu o início do capítulo descrevendo que aquele trecho em específico o havia fisgado para a leitura completa do livro:
“Os garimpeiros pensam, ‘será que os Yanomami não têm sentimentos?’, e dizem: ‘nós, garimpeiros, não temos medo de vocês, Yanomami’. Fico angustiado porque eles semeiam o medo entre nós, por isso, advirto vocês.”
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“Os garimpeiros pensam, ‘será que os Yanomami não têm sentimentos?’", pergunta Mozarildo Yanomami em trecho do livro|Júlio César Almeida/ISA
Alfredo Himotona é o autor do segundo capítulo, que traz entrevistas com outros Yanomami. Josimar Palimitheli também apresenta o formato de diários no quarto capítulo, enquanto Márcio Hesina, que escreveu a última parte do livro, apresenta notas de uma pesquisa sobre o emagrecimento de crianças.
Na manhã do dia seguinte, os Yanomami e Corrado Dalmonego retornaram à feira para prestigiar uma mesa que contou com a participação da antropóloga e escritora Hanna Limulja, amiga de longa data que escreveu O desejo dos outros – Uma etnografia dos sonhos yanomami, livro sobre os sonhos na cosmologia Yanomami.
À tarde, seguiram para o Museu A CASA do Objeto Brasileiro, que até 25 de agosto recebe a exposição ISA 30 anos: por um Brasil socioambiental. Com lotação máxima, eles assistiram ao filmeEscute: A Terra Foi Rasgada, que aborda o problema do garimpo em Terras Indígenas de três povos – Kayapó, Yanomami e Munduruku – e cuja exibição gratuita contou com falas de Enio Yanomami, responsável pelo setor de saúde da Hutukara Associação Yanomami (HAY), e da diretora Cassandra Mello.
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Casa cheia para assistir a 'Escute: A terra foi rasgada' e ao bate-papo com Enio Yanomami no Museu A CASA do Objeto Brasileiro|Adriana Miranda/ISA
No domingo, foi a vez de conhecer o Museu das Culturas Indígenas (MCI) e os parentes do povo Guarani, na Terra Indígena Jaraguá. Em uma visita guiada por Karai Djekupe (Thiago Guarani) à Tekoa Yvy Porã-Jaraguá, eles puderam aprender sobre a história de uma das menores Terra Indígena do Brasil e as atividades que os indígenas desenvolvem, como a criação de abelhas, oficinas de armadilhas para crianças e rituais sagrados. Depois disso, ainda tiveram fôlego para subir o Pico do Jaraguá – o ponto mais alto de São Paulo – em uma trilha de cerca de 40 minutos.
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Darysa e Mozarildo Yanomami posam em frente a mural com pinturas Yanomami, no Museu de Culturas Indígenas de São Paulo|Daniel Jabra
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Mozarildo Yanomami observa a cidade do topo do Pico do Jaraguá|Daniel Jabra
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Darysa Yanomami caminha até o final da trilha até o Pico do Jaraguá|Daniel Jabra
No dia seguinte, retornaram na longa viagem até a terra-floresta Yanomami, enquanto suas palavras seguiam ecoando pela cidade de concreto. “Eu não escrevi à toa. Todos vocês, brancos, que vivem em diversos lugares, e que agora estão aqui nesta Feira do Livro de São Paulo, olhem este livro! Depois que vocês lerem este nosso livro, vocês irão pensar direito! Vocês vão nos defender dos garimpeiros que provocam todo este sofrimento”, convocou Mozarildo Yanomami em sua carta aos não indígenas.
A produção editorial é assinada por Estêvão Senra, geógrafo do ISA, que também faz parte dos times de organização e edição junto a Alcida Ramos e Corrado Dalmonego. A tradução de Yanomae para Português foi feita por Dalmonego conjuntamente com os pesquisadores.
A publicação tem apoio do Fundo das Nações Unidas para a criança e adolescente (UNICEF), da Rainforest Foundation Norway e do Centro de Documentação Indígena (Missionários da Consolata). Também contribuem com apoio financeiro o Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO) da União Europeia.
Certo, eu fiz minha pesquisa porque nós Yanomami queremos viver bem e com saúde.
Depois de fazer esta pesquisa e de de fazer conhecer o que escrevemos quero que também outros Yanomami fiquem esclarecidos.
Mas eu quero também que vocês brancos escutem minhas palavras e defendam nossa Floresta, por isso fiz esta pesquisa.
Nós Yanomami não queremos sofrer. Nós queremos viver em uma Floresta bonita por isso quero fazer ouvir minhas palavras.
Eu escrevi minha pesquisa, depois de escrever no caderno, eu digitei no computador, e depois o Corrado fez a tradução.
Em minha pesquisa, eu perguntei para as mulheres Yanomami. Elas escutam que os garimpeiros devastam nossa Floresta, elas veem que nossos filhos sofrem desnutrição e dizem com força que não querem que os garimpeiros se aproximem. Quando os garimpeiros
ficam perto, a floresta fica poluída, suja , os peixes
acabam, as crianças emagrecem, é assim que as pessoas ficam.
Para mim foi bom fazer pesquisa, por isso fico contente com este trabalho.
Agora, nossa pesquisa se tornou um livro, é visível, por isso estou satisfeita.
Agora, vocês não indígenas podem ler as nossas palavras. Isso é bom para mim.
Neste livro tem o pensamento de nós mulheres Yanomami: como nós verdadeiramente pensamos.
Ao lerem essas palavras, vocês também irão pensar direito.
Vocês vão conhecer o sofrimento de nós Yanomami e quero que também vocês defendam nossa floresta.
Certo, é assim que eu queria falar para vocês em São Paulo, eu mesma que fiz esta pesquisa.
Carta de Mozarildo Yanomami aos não indígenas
Eu sou pesquisador yanomami e trabalhei junto com os meus parceiros do Instituto Socioambiental, da Diocese de Roraima e da Hutukara Associação Yanomami. Nós fizemos a pesquisa chamada Urihi Temi (para nós significa Floresta Viva) e escrevemos sobre a destruição que o garimpo ilegal está provocando na nossa terra yanomami.
Começamos a trabalhar nesta pesquisa em 2021, mas eu já tinha conhecimento do que acontecia antes. Eu morei em duas regiões da terra Yanomami: morei mesmo onde os garimpeiros trabalham faz muito tempo, e também em outro local onde destruíram só um pouco e foram embora. Eu vi tudo isso com meus olhos.
Estas organizações nos ajudaram a fazer a pesquisa, por isso, agora, vocês podem ver o nosso trabalho que virou um livro.
Se eu tivesse trabalhado sozinho, pouca gente teria como ler minhas palavras. O Instituto Socioambiental, a Diocese de Roraima e a Hutukara nos apoiaram. Por isso, agora vocês podem ler este livro e podem conhecer o que os garimpeiros provocam onde nós moramos, na nossa Terra Yanomami. As palavras escritas neste livro mostram a destruição provocada pelo garimpo, por isso, vocês escutem estas palavras!
Eu não escrevi à toa. Todos vocês brancos, que vivem em diversos lugares, e que agora estão aqui nesta Feira do Livro de São Paulo, olhem este livro! Depois que vocês lerem este nosso livro, vocês irão pensar direito! Vocês vão nos defender dos garimpeiros que provocam todo este sofrimento.
Eu sei que vocês de longe, vocês que moram aqui em São Paulo, já nos defenderam. Eu sei que vocês já conhecem o sofrimento que os garimpeiros causam aos Yanomami. Eu sei que vocês sabem que a floresta está sendo destruída. Alguns de vocês querem aprender com o livro que nós escrevemos.
Depois que vocês terão lido este livro eu ficaria feliz que pudessem fazer pressão sobre os deputados, os senadores e os outros políticos que tomam as decisões no Brasil.
Eu sei... tem gente, entre os brancos, que pensa que os garimpeiros podem ficar na terra yanomami. Tem pessoas que pensam assim. Aqui no Brasil, moramos nós indígenas, os Yanomami e os indígenas de outros povos, e também vocês não indígenas, mas alguns dos brasileiros têm ódio de nós Yanomami e não nos protegem da agressão dos garimpeiros.
Assim, eu penso que com a nossa pesquisa, todos podem ouvir nossas palavras e nos proteger. Por isso eu fico feliz que nosso livro seja conhecido.
Eu penso também que se vocês todos se juntarem a nós, unidos, conseguiremos afastar os garimpeiros e resolver os outros problemas da terra Yanomami. É também por isso que eu fiz esta pesquisa. Falo isso para vocês. Pensem isso, depois de ler nossas palavras
Eu quero também falar minhas palavras para os brancos de longe: os de outras terras que falam línguas diferentes, mas que nos defendem. Fiquem de olho no que acontece! O que escrevemos é tudo verdade! Escutem nossas palavras! Nós, aqui, não estamos vivendo nada bem.
O nosso pensamento não está sossegado. Nós estamos muito preocupados! Não vivemos mais no silêncio e na tranquilidade da floresta. É por isso que eu quero divulgar nossas palavras.
Assim, penso que talvez nossa floresta poderá se tornar, de novo, bonita. Eu espero que vocês, lendo nossas palavras, possam pensar direito.
Todos vocês brancos já sabem que os garimpeiros estão nos destruindo. Vocês sabem o sofrimento do meu povo, sabem que estão destruindo a floresta, os rios, os peixes e o barulho de seus maquinários está espantando os animais.
Isso deixa com raiva! Por isso fiz esta pesquisa que virou livro.
É isso que eu queria dizer aqui, para vocês, em São Paulo.
Estamos lançando este livro. Diários da Floresta.
Vocês em português, dizem que é um “livro” e nós yanomami chamamos isso de “papel sipë” “pele de papel”.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Lideranças indígenas denunciam garimpo ilegal em Genebra
Representantes de aliança dos povos Kayapó, Yanomami e Munduruku irão falar na 17ª sessão do Mecanismo de Especialistas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (EMRIP)
Doto Takak Ire, liderança Kayapó da Terra Indígena Menkragnoti e presidente do Instituto Kabu e Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME), da Terra Indígena Yanomami, irão discursar na plenária principal nas manhãs dos dias 8 e 9 de julho, durante as discussões dos Itens 3 e 5 da programação, respectivamente.
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Doto Takak Ire, liderança da Terra Indígena Menkragnoti|Fred Mauro/Terra Floresta Filmes/ISA
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Julio Ye'kwana, liderança da Terra Indígena Yanomami|Adriana Duarte/ISA
No dia 10 de julho, às 15h local, acontece o evento paralelo “Povos Indígenas contra o garimpo de ouro na Amazônia brasileira”, organizado pela Aliança em Defesa dos Territórios e a Rede de Cooperação Amazônica (RCA), com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto Iepé, Rainforest Foundation Norway e Instituto Raça e Igualdade.
A abertura será feita por Todd Howland, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) e contará com a participação das lideranças Kayapó e Ye’kwana, de Manoela Pessoa De Miranda, do Secretariado da Convenção de Minamata e de Anexa Alfred Cunningham, do EMRIP.
Em 2023, a exploração ilegal de ouro em Terras Indígenas na Amazônia brasileira resultou no desmatamento diário de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Nas terras dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami se concentram 95% dos garimpos ilegais, totalizando 26,7 mil hectares destruídos até meados de 2024.
Suíça e Canadá são os principais importadores de ouro do Brasil. Em 2022, lideranças indígenas pediram que refinarias suíças se comprometessem a não comprar ouro de Terras Indígenas, porém, a falta de mecanismos de rastreamento eficientes prejudicam a fiscalização.
Apesar da mudança de governo no Brasil, a conjuntura política ainda é desfavorável devido ao avanço de pautas anti-indígenas no Congresso Nacional. Enquanto isso, a vida e a saúde dos indígenas seguem em risco, afetadas por invasões garimpeiras – muitas vezes ligadas ao narcotráfico e facções criminosas –, que resultam em violência, disseminação de doenças, contaminação dos rios e prejuízo às atividades de subsistência.
Pesquisas em comunidades Yanomami e Munduruku mostram altos índices de contaminação por mercúrio, indicando risco de mal de Minamata – doença neurológica causada pela intoxicação por mercúrio severa. Em 2023, foi decretada crise sanitária na TI Yanomami, mas os casos de malária e desnutrição infantil continuam alarmantes, exigindo ações estruturantes para a saúde indígena.
Recomendações ao governo brasileiro
Em Genebra, as lideranças Kayapó e Ye’kwana irão solicitar que os Relatores Especiais e outros Procedimentos Especiais da ONU se comprometam com a defesa dos direitos dos povos indígenas e façam recomendações ao governo brasileiro.
Concluir em caráter emergencial a desintrusão da TI Yanomami e implementar a desintrusão das TIs Munduruku e Kayapó;
Apresentar planos de proteção territorial permanentes para todos os territórios, que incluam: (i) implementação e/ou recuperação de bases de proteção territorial; (ii) controle efetivo do espaço aéreo; (iii) monitoramento remoto regular do desmatamento dentro das Terras Indígenas, com resposta rápida dos órgãos de comando e controle diante de novos alertas; (iv) formação de agentes indígenas para contribuir com a proteção territorial; (v) promoção de patrulhas regulares nas zonas sob pressão; (vi) garantia da segurança das lideranças e organizações indígenas ameaçadas por garimpeiros.
Garantir a expansão das pesquisas sobre contaminação mercurial nas pessoas e nos peixes que consumimos; a célere elaboração de um plano de acompanhamento e tratamento das pessoas contaminadas; e de um plano de descontaminação dos rios;
Desenvolver e implementar mecanismos para aprimorar a transparência e o controle da cadeia produtiva do ouro, tanto dentro do território nacional quanto nos destinos das exportações;
Controlar a comercialização ilegal do mercúrio, sobretudo nas fronteiras do país;
Controlar a comercialização de máquinas utilizadas no garimpo, como retroescavadeiras, e exigir que os fabricantes rastreiem o seu uso;
Concluir a demarcação da TI Sawre Muybu, do Povo Munduruku. Todos os processos de demarcação no Brasil foram severamente impactados pela Lei 14.701/2023. É urgente que o Supremo Tribunal Federal julgue a inconstitucionalidade desta lei; e
Garantir que não haja mineração em Terras Indígenas no Brasil, nem qualquer outro tipo de exploração que afete a salvaguarda dos biomas que nós povos indígenas sempre fizemos. Não queremos substituir o garimpo pela mineração, mas sim o garimpo pela floresta saudável.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Assembleia elege primeiro presidente Baniwa da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro
FOIRN será conduzida por Dário Baniwa e Janete Desana, eleita primeira vice-presidente mulher. Gestão de Marivelton Baré teve como desafios a pandemia e o governo Bolsonaro, mas saiu fortalecida
A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), que atua na Bacia do Rio Negro, tem novo diretor-presidente. Os povos do Rio Negro elegeram durante a XVII Assembleia Geral Ordinária Eletiva, em São Gabriel da Cachoeira (AM), na sexta-feira (28/06), Dário Casimiro, do povo Baniwa. É a primeira vez que um representante do povo Baniwa estará à frente da federação. O atual diretor-presidente é Marivelton Barroso, povo Baré, que esteve no cargo por dois mandatos.
Janete Alves, do povo Desana, é a nova vice-presidente, sendo a primeira mulher a assumir o cargo. A diretoria é composta ainda por Carlos Nery, do povo Piratapuya, Hélio Lopes, do povo Tukano e Edson Cordeiro, do povo Baré.
A nova composição, que será empossada em agosto, assume a FOIRN em um momento de crescimento e fortalecimento da federação e do movimento indígena – no cenário regional e nacional.
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Marivelton Baré (centro) ladeado pelo novo presidente da FOIRN, Dário Baniwa, e a nova vice-presidente, Janete Desana|Ana Amélia Hamdan/ISA
Além disso, as pautas indígenas vêm ganhando atenção no mundo todo, em grande parte devido à emergência climática. Isso porque os modos de vida dos povos originários representam uma alternativa à crise, porém, são também os mais ameaçados pelas mudanças climáticas.
Em depoimento logo após a eleição, Dário Baniwa agradeceu aos delegados e falou sobre a luta por direitos territoriais. “Em nome do povo Baniwa e Koripako, eu quero agradecer às lideranças que me antecederam e, em especial, ao nosso amigo Isaías Fontes, in memoriam. E quero agradecer a todos os povos indígenas do Rio Negro. Contem comigo: estamos juntos em prol dos direitos territoriais para o nosso bem viver. Na história de lutas e conquistas dos povos do Rio Negro, especificamente os Baniwa chegam pela primeira vez à presidência da FOIRN”, declarou.
Isaías Fontes, do povo Baniwa, foi diretor da FOIRN entre 2016 e 2020 e havia sido reconduzido para o segundo mandato quando faleceu, em fevereiro de 2021, após contrair Covid-19.
“Vamos fazer uma gestão com os cinco diretores. Precisamos de uma gestão democrática, dialógica. Estou aberto às orientações das lideranças mais antigas. E digo aos nossos parceiros: a FOIRN estará de braços abertos para o diálogo, para acordos de cooperação técnica e que possam trazer apoios em prol de nossos direitos”, disse Dário Baniwa.
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Votação parcial dos candidatos à direção da FOIRN. Dário Baniwa foi eleito novo diretor-presidente da federação indígena |Ana Amélia Hamdan/ISA
Janete Alves também agradeceu aos povos do Rio Negro e falou da representatividade de jovens e mulheres. “Quero agradecer pelo voto de confiança. Agradeço em especial à minha coordenadoria [Coordenadoria das Organizações Indígenas do Distrito de Iauaretê] COIDI e a todas as delegações que votaram em mim. Eu venho lutando pela conquista de espaço para as questões de gênero e juventude. E a gente mostra como movimento indígena que temos dado essa oportunidade para mulheres e jovens. Para mim é um marco histórico eleger uma vice-presidente. Para mim é uma honra”, comemorou.
Em uma fala emocionada, o atual diretor-presidente, Marivelton Baré, agradeceu aos povos do Rio Negro, parabenizou os eleitos e falou dos desafios a serem enfrentados.
“Foi a nossa luta incansável e conjunta que nos trouxe até aqui. O movimento é o controle social: a gente luta e conquista. Para a gente, é um sonho fortalecer a FOIRN. Peço aos parceiros, financiadores e lideranças que mantenham o compromisso conosco. Movimento indígena é luta, é direito coletivo. Nós vamos ter que defender o processo de demarcação de terra e temos o desafio de segurança na fronteira, do monitoramento, da proteção territorial, dos direitos humanos”, elencou.
A assembleia aconteceu no auditório do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) e contou com 150 delegados – 30 de cada uma das cinco coordenadorias da federação – um modelo democrático reconhecido nacionalmente. O encontro multiétnico reuniu indígenas dos povos Baniwa, Koripako, Desano, Baré, Tukano, Tuyuka, Piratapuya, Tariano, Wanano, Yanomami, Dâw, Hupä´h, entre outros.
Liderança histórica do Rio Negro, Maximiliano Correa Menezes, do povo Tukano, afirmou que um dos grandes desafios da FOIRN é crescer sem perder o contato com as bases, ou seja, com quem está no território indígena. “É necessário termos presença constante dos diretores nas bases. Estar em Brasília e Manaus é importante, mas não podemos descuidar dos nossos projetos de sustentabilidade no território”, recordou. Ele acompanhou o surgimento da FOIRN – que completou 37 anos em 2024 – e fez parte da diretoria por 12 anos.
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Maximiliano Correa Menezes, do povo Tukano, trouxe reflexões sobre o movimento indígena para a assembleia da FOIRN|Ana Amélia Hamdan/ISA
A FOIRN conta atualmente com 74 funcionários e cerca de 330 colaboradores, entre comunicadores, articuladores, agentes ambientais e outros, e 92 associações. Durante a atual gestão, a federação triplicou o número de funcionários e passou a ter novos parceiros.
“Este crescimento teve como base projetos que ampliam e aprofundam os eixos de ação em que a Federação atua e que foram acordados com sua base a partir da elaboração de 10 PGTAs (Planos de Gestão Territorial e Ambiental) publicados. Foi possível fortalecer as instâncias de governança, aumentando o número de conselheiros, de participantes nas assembleias e ampliar seus departamentos que agora contam com articuladores regionais nas áreas de educação, jovens, comunicadores e mulheres indígenas”, analisou o antropólogo do Instituto Socioambiental (ISA), Renato Martelli.
Dário Baniwa e Janete Desana foram reeleitos como diretores de referência das coordenadorias regionais Nadzoeri e Coidi, respectivamente. Carlos Nery fica à frente da Caimbrn, antes ocupada pelo diretor-presidente Marivelton Barroso, povo Baré. Hélio substitui Nildo Fontes, Tukano, que atuava como vice-presidente e diretor de referência da Diawi´i. Edson Gomes, povo Baré, fica no lugar de Adão Francisco, povo Baré, da Caibarnx.
A FOIRN atua numa das regiões mais preservadas da Amazônia, em área de abrangência dos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, na Bacia do Rio Negro, no Amazonas. São 23 povos indígenas que convivem ancestralmente num território de aproximadamente 13 milhões de hectares com 12 Terras Indígenas reconhecidas e outras em processo de identificação pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Desde as roças tradicionais até os rituais de proteção, o Alto e Médio Rio Negro resguardam um modo de vida indígena diverso, com um sistema político e de trocas que resiste milenarmente.
Mas a região sofre com a deficiência de políticas públicas referentes às mais diversas áreas, como saúde, educação, meio ambiente e segurança pública. Ainda assim, junto com os parceiros, a FOIRN vem constantemente propondo projetos que levam em conta a realidade local e a cultura ancestral indígena, atuando em áreas como etnoeducação, economia da sociobiodiversidade, proteção territorial e medidas de mitigação às mudanças climáticas.
Entre os problemas enfrentados estão as pressões crescentes do narcotráfico, garimpo, turismo ilegal, além de violência de gênero. Os impactos das mudanças climáticas também estão sendo sentidos, com a região passando por dois anos de cheias extremas e, em 2023/2024, pela seca histórica.
Alianças e parcerias
A assembleia da FOIRN aconteceu entre os dias 25 e 28 de junho. Foram debatidos temas como o crescimento da federação, fortalecimento de sua atuação como controle social e das associações de base para a sustentabilidade de projetos da sociobioeconomia e, ainda, transição geracional dentro do movimento indígena e a incidência para as políticas públicas de longo prazo de forma a implantar os PGTAs.
A aliança com instituições governamentais e não governamentais é uma das marcas de atuação da FOIRN e continua sendo apontada como uma forma de fortalecimento dos povos indígenas.
Vários parceiros estiveram presentes na reunião. A coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do ISA, Natália Pimenta, apresentou o planejamento estratégico do ISA e projetos em desenvolvimento no território, orientados a fortalecer os espaços de transparência com os parceiros.
“O ISA trabalha com a defesa dos direitos sociais das comunidades tradicionais. Esse trabalho só faz sentido em diálogo com as organizações que estão no território e são detentoras dos conhecimentos de suas regiões. Temos olhado, junto com a FOIRN, para a necessidade de uma formação intercultural para as equipes técnicas da federação, as associações e lideranças. Essa formação deve ser continuada, considerando que há novas lideranças jovens chegando e há preocupação com a transição geracional”, sublinhou.
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Natália Pimenta, coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro do ISA, apresentou o planejamento estratégico da instituição|Ana Amélia Hamdan/ISA
A coordenadora da Funai - Coordenação Regional Rio Negro – CR-RN, Maria do Rosário Piloto, Dadá Baniwa, falou da importância das parcerias para o enfrentamento aos desafios da região do Rio Negro e fortalecimento dos povos indígenas, citando o Acordo de Cooperação Técnica (ACT) assinado entre Funai, FOIRN e ISA.
Chefe do ICMBio em São Gabriel da Cachoeira, Daniel Assis falou sobre a atuação conjunta com a FOIRN e o ISA nas TIs em sobreposição com o Parque Nacional Pico da Neblina.
Para Mariazinha Baré, da Apiam, a FOIRN é uma escola para outras organizações. “Com seus 37 anos, dentro de um processo de luta, a FOIRN tem sede própria e faz sua própria gestão administrativa e financeira. Esse foi um sonho dos que antecederam as atuais lideranças. É necessário também pensar em como manter a qualificação de pessoal em diálogo constante com o movimento indígena para uma formação técnica, mas também crítica e política. A formação deve qualificar futuras lideranças para que possam ser propostivas”, ponderou.
Toya Machinery, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), indica que a FOIRN vem se consolidando como referência na Amazônia e se torna exemplo para outras regiões. “Vimos a transformação e o fortalecimento da FOIRN, com um modelo político e administrativo que fortalece as ações no território. A gente vê que só demarcar não faz que o território fique nas mãos dos povos, é necessário termos atuações diversas. A FOIRN se consolida como exemplo na Amazônia. Com apoio de parceiros como [Operação Amazônia Nativa] Opan, Conselho Indigenista Missionário [Cimi] e ISA, temos conquistas na Amazônia: são 110 milhões de hectares de Terra Indígena na Amazônia Brasileira. Queremos fortalecer essa atuação e as organizações em outras regiões também”.
Pela primeira vez, o encontro foi transmitido ao vivo pelas redes sociais da FOIRN, com atuação do Departamento de Comunicação (Decom) e Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro. O cineasta indígena Kamikia Kisedje participou da cobertura. Segundo a coordenadora do Decom, Gicely Ambrosio, a transmissão foi acompanhada de vários lugares do território indígena, como Querari, São Joaquim, Iauaretê e Maturacá.
Fortalecimento da Foirn
Marivelton Baré ocupou dois mandatos como diretor-presidente da FOIRN (2016-2020 e 2020-2024). Antes de assumir a presidência, foi diretor de referência para a sua região. Ele esteve à frente da federação durante o governo Bolsonaro – declaradamente anti-indígena – e a crise sanitária da Covid-19.
Marivelton assumiu a coordenação do Comitê de Combate e Enfrentamento à Covid-19 em São Gabriel da Cachoeira, tendo papel essencial na articulação de parcerias para garantir estrutura mínima de atendimento aos povos indígenas. O enfrentamento à pandemia na região também foi marcado pelo fortalecimento dos conhecimentos da medicina indígena.
Em São Gabriel da Cachoeira, um marco do fortalecimento da FOIRN foi a inauguração de uma segunda sede, em fevereiro. Ainda durante a gestão de Marivelton Barroso e a diretoria de Nildo Fontes, Janete Desana, Dário Baniwa e Adão Francisco, foi aprovado o Protocolo de Consulta dos Povos do Rio Negro, importante instrumento de proteção e garantia dos direitos.
Outro ponto importante foi o fortalecimento da economia da sociobiodiversidade: a Casa Wariró ampliou negócios e vem construindo parcerias com as artesãs e artesãos dos Rio Negro para levar adiante o artesanato e a cultura do Rio Negro, gerando renda e protegendo a cultura. Há ainda a estruturação dos projetos de turismo de base comunitária, como o Yaripo, no Território Yanomami, e Serras Guerreiras de Tapuruquara.
Na área de comunicação, a FOIRN fortaleceu o Departamento de Comunicação (Decom) e ampliou conexões, com a instalação de aproximadamente 330 antenas Starlink no território.
A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas inaugurou a rádio web e mantém três programas de rádio semanais, além de atuação nas redes sociais. O coletivo de comunicação indígena recebeu dois prêmios em reconhecimento à sua atuação: do Repórteres sem Fronteiras e World Justice Project, em Haia, na Holanda.
Em relação às pesquisas interculturais, houve a ampliação da rede de Agentes Indígenas de Manejo Ambiental (AIMAs), que observam o ambiente nas comunidades da Amazônia, fazendo anotações em diários e tablets. Para fortalecimento das associações e defesa do território, foram contratados advogados indígenas.
O Departamento de Mulheres Indígenas (DMIRN) e o Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas (DAJIRN) passaram a contar com o coordenador e com articuladores nas bases, de forma a ampliar a representatividade. Atualmente, o coordenador do DAJIRN é Elson Kene, povo Baniwa, e do DMIRN é Cleocimara Reis, povo Piratapuya.
“Como mulheres, ainda temos desafios para encontrar espaços e desenvolver projetos. Mas o DMIRN é um exemplo para mulheres de outras regiões e daqui também. Isso nos fortalece”, disse Cleocimara Reis.
Luciane Lima, povo Tariano, está à frente do Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade. Ela ressalta que nos últimos anos a Wariró recuperou a confiança dos artesãos por meio de articulações e encontros regionais nas comunidades indígenas. O Departamento de Educação Indígena é coordenado por Melvino Fontes, povo Baniwa. Hildete Araújo está à frente do Departamento de Patrimônio Cultural e Pesquisa Intercultural.
Na abertura da Assembleia da FOIRN, o diretor eleito Edson Gomes, do povo Baré, trouxe uma reflexão sobre as mudanças na região. “Vocês estão chegando das mais diversas calhas dos rios: Içana, Xié, Baixo Rrio Negro, Alto Rio Negro. Vieram de voadeira, barco, expresso. Alguns vieram de avião. Antigamente não existia isso. Nossos avós remavam dias para chegar ao local. As pessoas que iniciaram essa discussão que damos continuidade hoje, remavam. Por que estou dizendo isso? Este é o momento de a gente refletir em que ponto estamos. E o que queremos conseguir ainda.”
Conheça a nova diretoria da FOIRN:
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Nadzoeri (Organização Baniwa e Koripako)
Diretor de referência: Dário Emílio Casimiro, povo Baniwa
Dário Baniwa, de 38 anos, nascido na comunidade de Nazaré, é do clã Waliperi-Dakenaii dos Baniwa. Formado em educação indígena e mestre em antropologia social pela UFAM, atua como professor e assessor pedagógico. Após concluir o mestrado, voltou a São Gabriel da Cachoeira e assumiu a coordenação do departamento de educação da FOIRN. Em 2021, foi eleito diretor de referência da Nadzoeri e reeleito em 2024. Em 28 de junho, tornou-se o primeiro de seu povo a ser eleito diretor-presidente da FOIRN. Fala Baniwa e Nheengatu.
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COIDI (Coordenadoria das Associações Indígenas de Iauaretê)
Diretora de referência: Janete Figueiredo Alves, povo Desana
Janete Alves, nascida em Caruru Cachoeira, mudou-se para Iauaretê para acessar a educação. Lá, integrou a Pastoral da Igreja Católica e a Associação das Mulheres Indígenas (Amidi). Em 2017, foi eleita coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da FOIRN, atuando na linha de frente contra a Covid-19. Em 2021 e 2024, foi eleita diretora de referência da Coidi. Em 28 de junho, tornou-se vice-presidente da FOIRN. Janete, de 37 anos, fala Tukano e Desano.
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Diawi´i (Coordenadoria das Organizações Indígenas do Tiquié, Uaupés e Afluentes)
Hélio Gessem Monteiro Lopes, povo Tukano
Nascido na comunidade de Colina do Rio Tiquié e criado em Taracuá, Hélio Lopes, de 30 anos, é o mais jovem diretor da FOIRN. Interrompeu o curso de técnico em administração para servir na Aeronáutica. Voluntário no movimento indígena, apoiou a Associação das Mulheres Indígenas da Região de Taracuá (AMIRT). Em 2022, participou do Acampamento Terra Livre, fortalecendo a luta indígena em meio a um contexto político adverso. Em 2024, foi eleito diretor de referência da região da Diawii. Hélio é do grupo Tukano Oákahapea e fala Tukano.
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CAIMBRN (Coordenadoria das Associações Indígenas do Médio e Baixo Rio Negro)
Carlos Alberto Teixeira Neri, povo Piratapuya
Carlinhos Neri, 51 anos, de Santa Isabel do Rio Negro (AM), formou-se técnico em agropecuária pelo IFAM. Engajou-se no movimento indígena após ser convidado pelo irmão para uma assembleia da ACIMRN. Atuou na proteção territorial e desenvolvimento de projetos culturais e socioeconômicos. Integrante do projeto que tornou o Sistema Agrícola do Rio Negro patrimônio cultural pelo Iphan, foi eleito diretor de referência para CAIMBRN em 2024. Fala Tukano e Nheengatu.
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CAIBARNX (Coordenadoria das Associações Indígenas do Balaio, Alto Rio Negro e Xié)
Edson Cordeiro Gomes, povo Baré
Edson Gomes, de 40 anos, filho de professores, sempre viveu na região do Alto Rio Negro. Participou da Pastoral da Juventude e atuou como professor. Envolveu-se no movimento indígena, trabalhando no Departamento de Educação e no Departamento de Negócios da Sociobiodiversidade da FOIRN. Em 2023, participou da tradução da Constituição para Nheengatu. Este ano, foi eleito diretor da CAIBARNX. É falante de Nheengatu e fundador da Academia de Língua Nheengatu.
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‘Diários Yanomami’ ganha lançamento na Floresta no Centro em SP
Livro escrito por autores Yanomami registra os impactos da invasão garimpeira na maior Terra Indígena do Brasil durante o governo Bolsonaro
Compre a sua edição de Diários Yanomami: Testemunhos da Destruição da Floresta, na loja online do ISA.
O geógrafo do Instituto Socioambiental (ISA), Estêvão Benfica Senra, estará presente explicando o processo de pesquisa desenvolvido pelos cinco autores Yanomami do livro.
“No período Bolsonaro com a desestruturação da presença do Estado no território, abandono de escolas, postos de saúde e outras estruturas, tinha-se uma situação muito angustiante: pessoas que haviam passado por processos formativos duradouros ficaram sem poder exercer suas funções, e sem perspectiva de trabalho”, explicou Senra.
Diante deste cenário, a pesquisa surgiu como uma forma de continuar apoiando esses indígenas além de ser uma forma de se produzir informações qualificadas sobre o território, com o objetivo de entender as mudanças que as comunidades experimentavam, com a explosão da invasão garimpeira.
Os autores do livro Diários Yanomami são Mozarildo Yanomami, Darysa Yanomami, Josimar Palimitheli Yanomami, Alfredo Himotona Yanomama e Marcio Hesina.
Os diários apresentam a percepção dos cinco autores e de seu povo sobre os impactos do garimpo na Terra Indígena Yanomami entre 2019 e 2022, período em que o Jair Bolsonaro (PL) ocupava o cargo de presidente do Brasil. A gestão foi marcada por políticas que estimularam a invasão garimpeira no território.
A publicação conta com relatos em formato de diários, registro de depoimentos e também entrevistas feitas pelos indígenas. O livro é bilíngue e sempre apresenta a primeira versão do texto em Yanomae com a tradução para português na página seguinte.
Lançamento em Boa Vista
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Da direita para a esquerda: Mozarildo Yanomami, Davi Kopenawa e Darysa Yanomami, tirando foto com o público no evento de lançamento do livro Diários Yanomami em Boa Vista (RR)|Rafael Oliveira/Mega Filmes/Hutukara/ISA
O primeiro acesso do público ao Diários Yanomami ocorreu em 24 de maio. O lançamento ocorreu no Centro Amazônico de Fronteira, o maior auditório da Universidade Federal de Roraima (UFFR) durante o evento Reahu na UFRR.
Na ocasião, os autores Darysa Yanomami e Mozarildo Yanomami estiveram acompanhados pelo xamã Davi Kopenawa, que também lançou o seu livro O Espírito da Floresta.
A publicação tem apoio do Fundo das Nações Unidas para a criança e adolescente (UNICEF), da Rainforest Foundation Norway e do Centro de Documentação Indígena (Missionários da Consolata). Também contribuem com apoio financeiro o Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária da União Europeia (ECHO) da União Europeia.
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Hidrelétrica Bem Querer seria uma das menos eficientes do país, aponta estudo
Análise consta em publicação do Fórum de Energias Renováveis de Roraima, que avalia riscos e incertezas do projeto
Membros da fundação colegiada do Fórum. Da esquerda para a direita: Rosilene Maia, Ciro Campos e Conceição Escobar 📷 Fabrício Ribeiro/Fórum de Energias Renováveis de Roraima
O Fórum de Energias Renováveis de Roraima lançou uma publicação que analisa os riscos e incertezas na construção da Hidrelétrica Bem Querer, com destaque para o diagnóstico de que o projeto seria um dos menos eficientes no país.
O livro, disponível em formato e-book, também aponta outras alternativas para o futuro energético de Roraima, baseadas em empreendimentos mais diversificados e de menor porte, utilizando as potencialidades locais e adotando o modelo de negócios usado no 1º leilão de energia de Roraima, realizado em 2021.
Em 2007, a Empresa de Pesquisa Energética iniciou os estudos de inventário da Bacia do Rio Branco. Publicado em 2011, o documento foi aprovado no mesmo ano pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e no ano seguinte, inicia-se os estudos de viabilidade técnica.
As principais preocupações que foram trazidas pela sociedade durante os vários eventos realizados pelo Fórum de Energias foram reunidas no livro. Veja algumas delas:
- Grande área alagada, atingindo florestas, áreas urbanas e rurais, fazendas e terras indígenas;
- Alto risco hidrológico com geração de energia baixa ou nula durante o período seco.
- Elevação do lençol freático, com consequente aumento do alagamento durante as cheias, sobretudo em Boa Vista;
- Perdas econômicas na área alagada, impactando na agropecuária, estradas, turismo, pesca, lazer, etc;
- Perda das corredeiras do Bem e Querer e de 130 km de praias no rio Branco.
- Elevada emissão de gás metano pelo reservatório da usina.
- Piora nos indicadores de saúde, segurança, educação, custo de vida e outros, principalmente em Caracaraí;
- Bloqueio do rio Branco para a passagem de peixes e embarcações;
- Retenção dos sedimentos no reservatório, reduzindo os nutrientes e alterando a qualidade da água rio abaixo;
De acordo com Ciro Campos, um dos coordenadores do Fórum de Energias, o estudo mostra que a hidrelétrica seria mais importante para Manaus do que para Roraima. Está previsto no projeto que a linha seria usada para transmitir a Manaus parte da energia gerada.
“Está faltando energia em Manaus e recentemente até compraram 700 M de usinas térmicas a gás. Bem Querer seria importante para enviar energia para Manaus e equilibrar a tensão do Linhão que está chegando, durante a cheia do Rio Branco”, diz o pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA).
“Nosso estado teria que conviver com impactos irreversíveis e de larga escala, em troca de uma quantidade de energia que poderia ser obtida de outras formas, gerando menos impactos e mais empregos em Roraima”, complementa.
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Jovens de Roraima apresentam protesto contra usina durante lançamento do E-book|Fabrício Ribeiro/Fórum de Energias Renováveis de Roraima
O projeto formaria um lago com 130 km de comprimento e 519 km² de área com barragem construída sob o Rio Branco, o maior rio de Roraima. Tanto o tamanho, quanto a localização do projeto causam inquietação na sociedade local,
Conforme o estudo, a ideia da Usina Hidrelétrica Bem Querer começou ser materializada em 2007 e, apesar das alterações sofridas ao longo do processo, como a redução da potência de 708 para 650 MW, os riscos e incertezas do projeto permanecem, como os riscos relacionados ao tamanho do alagamento e à elevação do lençol freático.
Também há incerteza quanto à capacidade de geração da usina durante o período de estiagem. A potência mínima da usina durante o pico da estiagem não é informada mas, pela sua características de operação, é possível que neste momento a produção fique baixa ou nula.
De acordo com Rosilene Maia, integrante da coordenação colegiada, “o esforço em analisar a questão energética sob as diversas óticas sempre foi o método adotado pelo Fórum, e há consenso entre nós de que o projeto UHE Bem Querer não se mostra sustentável, embora se trate de produção de energia a partir de fonte renovável, tema central das nossas propostas”.
A publicação é uma realização do Fórum de Energias Renováveis de Roraima, que reúne diversos setores e organizações da sociedade local, entre elas o Instituto Socioambiental (ISA). O evento aconteceu no auditório do Instituto Euvaldo Lodi (IEL) em Boa Vista.
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Sistema de alertas mostra que 70% das denúncias da Terra Indígena Yanomami são de invasões
Alimentada pelos próprios indígenas, ferramenta de proteção territorial foi desenvolvida pela Hutukara Associação Yanomami, UNICEF e ISA
Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara, discursa em eventos sobre a primeira fase do sistema de alertas do UNICEF, ISA e Hutukara - UNICEF/BRZ/Lais Muniz
Sete em cada 10 denúncias recebidas de um sistema de alertas no Território Indígena Yanomami (TIY) são referentes a atividades praticadas por não indígenas no território, incluindo garimpeiros. Os dados são de um novo sistema de alertas apoiado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e implementado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e a Hutukara Associação Yanomami (HAY). O sistema abrange, em sua primeira fase, 19 regiões do território e recebeu 70 denúncias desde a sua implementação, entre março de 2023 e abril de 2024.
Os alertas gerados sobre atividades no território incluem temas como invasão e ameaças. Outros 18% dos alertas são relacionados a questões ambientais, como incêndios e água contaminada, e 12% sobre saúde, como casos de desnutrição e surtos de malária.
Para o vice-presidente da Hutukara e líder Yanomami, Dário Kopenawa, o projeto - que encerrou sua primeira fase no mês passado com um evento em Boa Vista, Roraima - apoia comunidades Yanomami e ajuda a denunciar invasões, situações de saúde e a gerir o território.
“Ainda estamos sofrendo, os garimpeiros continuam em nossas terras e continuam passando com seus aviões na cabeça do nosso povo, incomodando o nascimento das nossas crianças com o barulho de motores. Mas com o sistema de alertas temos a oportunidade de comunicar às autoridades sobre o que acontece dentro de território”, declarou Dário.
“Mais da metade dos mais de 30 mil yanomamis no território são crianças e jovens. O sistema de alertas, alimentado pelos próprios yanomami, vem como parte do processo de autonomia e controle do território, servindo como ferramenta para alertar o poder público e conscientizar a população sobre o que acontece na maior terra indígena do Brasil”, disse a coordenadora técnica para Assuntos Indígenas do UNICEF, Léia Vale.
A Casa de Governo, que centraliza a coordenação de 31 órgãos federais atuantes na TI Yanomami e no Estado de Roraima, esteve presente no evento do encerramento da primeira fase de implementação do sistema de alertas. “Hoje o nosso grande objetivo é combater o garimpo em terras indígenas, mas também fora do território. Essas informações que chegam por meio dos alertas são importantes para organizar o nosso trabalho”, explicou o diretor da Casa de Governo, Nilton Tubino.
Além da Casa de Governo, estiveram presentes no evento de fechamento da primeira fase, no dia 24 de maio, órgãos como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Defensoria Pública da União (DPU), Ministério Público Federal, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI), a Universidade Federal de Roraima (UFRR) e organizações indígenas como a Associação Wanassedume Ye'kwana (SEDUUME) e URIHI Associação Yanomami.
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Sistema de alertas apresenta informações em língua indígena|Evilene Paixão/Hutukara Yanomami
Sistema de alertas
As denúncias e queixas vindas do Território Indígena Yanomami e que antes eram feitas por cartas, visitas presenciais ou mensagens de radiofonia, ganham um novo formato com o atual sistema de alertas. O sistema funciona como uma central onde as próprias comunidades, por meio de um aplicativo de celular, emitem notificações sobre riscos sanitários e ambientais de maneira ordenada.
“Com o projeto, temos um fluxo mais organizado para receber informações do território e com isso, temos melhor acompanhamento da situação e mais qualidade de informações. O sistema de alerta é uma oportunidade de organizar e ter dados com qualidade para acompanhamento mais fino e melhor resposta do poder público”, explica Estêvão Benfica Senra, geógrafo do ISA.
O aplicativo disponibiliza formulários onde a população pode anexar fotos, vídeos, áudios e até mesmo pontos de localização com coordenadas geográficas para relatar o alerta a ser gerado. Após qualificados e validados, os alertas são colocados no painel para que autoridades e instituições parceiras possam ter ciência de qualquer anormalidade que ameace o território. Os registros podem ser feitos offline e a ferramenta disponibiliza as opções nos idiomas yanomami, ye'kwana, sanoma e português.
O projeto do sistema de alertas conta com financiamento da União Europeia, através do Departamento de Proteção Civil e Ajuda Humanitária (ECHO, na sigla em inglês), e tem o objetivo de aumentar a resiliência e fortalecer a autonomia das comunidades com a integração de um sistema que respeite o contexto e o conhecimento das comunidades indígenas.
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