Sociedade civil lança plataforma de pressão contra 'PL da Devastação'
Objetivo da campanha é lotar a caixa de e-mail dos senadores. Projeto pode causar aumento do desmatamento e do risco de desastres socioambientais. como os da Braskem (AL), de Mariana e Brumadinho (MG)
Brasília, 6/3/2024 -Redes e organizações da sociedade civil, entre elas o Observatório do Clima (OC), o Nossas e o ISA, lançam, nesta quarta (6/3), uma plataforma na internet para pressionar o Congresso a rejeitar o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que prevê uma Lei Geral do Licenciamento Ambiental no país, e aprovar uma proposta equilibrada do ponto de vista socioambiental.
O site www.pldadevastacao.org oferece um dispositivo para envio de e-mails contra o projeto aos parlamentares. Para participar da mobilização, basta registrar e-mail, nome e sobrenome. O site ainda lista os impactos negativos da aprovação do PL e os seus principais retrocessos.
O PL 2.159 pode ser votado a qualquer momento nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e Agricultura (CRA) do Senado. Se for aprovado, segue ao plenário e, caso seja alterado, volta para a Câmara. O PL é apoiado pela bancada ruralista e pelo lobby de grandes empresas, representadas pela Confederação Nacional da Indústria (CNI).
“O PL 2.159 vai provocar o descontrole geral de empreendimentos geradores de impactos ambientais, como o desmatamento e a poluição. É a maior ameaça atual contra o meio ambiente, a saúde e a segurança da população no país. Precisamos nos unir para evitar esse retrocesso histórico”, diz Mauricio Guetta, consultor jurídico do ISA.
"O projeto da Lei Geral do Licenciamento Ambiental é um dos principais em debate no Senado. A votação pode confirmar, em grande parte, o texto da Câmara. Corremos o risco de aprovar a mãe de todas as boiadas, uma flexibilização absurda e a implosão do licenciamento ambiental no país", alerta Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do OC.
"O PL 2159 é um verdadeiro ataque ao meio ambiente e à saúde pública. Ao flexibilizar a lei para que empreendimentos operem sem controle ou fiscalização adequada, coloca em risco não apenas os ecossistemas, mas também a vida e o bem-estar de milhões de brasileiros. É inadmissível que interesses econômicos prevaleçam sobre a segurança e a saúde da população" afirma Lucas Louback, gestor de advocacy do NOSSAS.
Para a sociedade civil, pesquisadores e procuradores da República, o PL é o pior e mais radical já discutido no Congresso sobre o assunto e, na prática, acaba com as normas atuais do licenciamento, tornando-o uma exceção. Se aprovado, obras com grandes impactos e riscos obteriam uma licença automática pelo mero preenchimento de um formulário na internet, sem qualquer análise prévia. Empreendimentos poderiam ficar isentos de responsabilização por seus impactos socioambientais e das medidas preventivas de seus danos, entre outros retrocessos.
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Comissão do Senado aprova projeto de lei sobre adaptação climática
Projeto prevê diretrizes gerais para planos nacional, estaduais e municipais, além de fontes de financiamento. Pressão ruralista deve continuar durante tramitação
Errata:informamos inicialmente que, com as alterações promovidas no parecer do PL 4.129/2021, o agronegócio não seria mais obrigado a ter um “plano próprio” de adaptação climática. Na verdade, as mudanças desvinculam os planos de adaptação do setor à execução do “Plano ABC” de economia de baixo carbono na produção rural.
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Uma das autoras do PL 4.129, deputada Tábata Amaral (PSB-SP), e o relator da proposta da CMA do Senado, Alessandro Vieira (MDB-SE) | Edílson Rodrigues / Agência Senado
Nesta quarta (28), a Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado aprovou, por votação simbólica, uma proposta que estabelece diretrizes e critérios gerais nacionais para a formulação e implementação dos planos nacional, estaduais e municipais de adaptação às mudanças climáticas. O PL 4.129/2021 segue agora para o plenário e, se for aprovado, volta à Câmara.
O relator, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), havia previsto que os planos de adaptação da agropecuária deveriam estar vinculados necessariamente à implementação do plano para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (Plano ABC). Criado em 2011, ele visa estimular práticas e tecnologias para redução das emissões de gases de efeito estufa no setor.
Vieira acabou acatando parcialmente uma emenda do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) e alterou esse ponto. Segundo a nova redação, os planos de adaptação para a produção rural deverão basear-se apenas no estímulo à “pesquisa, desenvolvimento e inovação ou na implementação de práticas, processos e tecnologias ambientalmente adequadas e economicamente sustentáveis”.
Os incentivos previstos no texto alterado promoveriam uma “transição voluntária” permitindo que os produtores se “adaptem gradualmente, minimizando riscos e maximizando a eficiência operacional”, segundo a justificativa da emenda. Marinho ainda tentou inserir vantagens adicionais para o setor, por meio de um mecanismo de pagamento por serviços ambientais (PSA), mas o relator não acatou a ideia.
“É mais importante você contar com a adesão do setor. Mecanismos para ter essa adesão são menos importantes na minha opinião”, justificou Vieira, em entrevista à reportagem do ISA após a sessão.
"A proposta inicial do relator era mais ambiciosa, indicando a obrigação da implementação do Plano ABC, considerando a urgência que os efeitos climáticos extremos ganharam. O que se viu no final foi a modificação desse dispositivo, prevendo estímulos para o setor, sob justificativa de garantia de uma transição 'suave e eficaz' em direção a um modelo menos emissor de gases de efeito estufa”, explica Ciro Brito, assessor do ISA.
Pressões
São esperadas novas pressões e possíveis alterações no texto. No final da sessão da CMA, o senador Jayme Campos (União-MT) avisou que vai apresentar um requerimento para que a Comissão de Agricultura (CRA) analise a proposta antes dela ir ao plenário. A correlação de forças no colegiado é amplamente favorável aos ruralistas.
O tema da adaptação das mudanças climáticas ganhou mais visibilidade em 2023, o ano mais quente já registrado, por causa da grande quantidade de eventos climáticos extremos em todo o mundo. O Brasil alcançou o recorde de 1.161 eventos em 1.038 municípios monitorados, o maior número já verificado pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), desde 2019, quando os registros começaram.
A série de secas, enchentes e tempestades foi causada pelo aquecimento das águas da região equatorial do Pacífico, o El Ñino. O fenômeno tem causas naturais, mas, segundo os cientistas, está sendo potencializado pelas mudanças climáticas.
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Sessão da Comissão de Meio Ambiente do Senado | Edilson Rodrigues / Agência Senado
Texto aprimorado
A avaliação de organizações da sociedade civil é de que as alterações promovidas por Vieira aprimoraram o texto original, de autoria dos deputados Tábata Amaral (PSB-SP), Nilto Tatto (PT-SP), Joenia Wapichana (REDE-RR), Alessandro Molon (PSB-RJ), Camilo Capiberibe (PSB-AP) e Talíria Petrone (PSOL-RJ).
A redação saída da CMA do Senado determina que os planos de adaptação municipais e estaduais priorizem áreas, setores e populações mais vulneráveis, incluindo aí critérios de “etnia, raça, gênero e condição de deficiência”. As ações desses planos deverão ser monitoradas e avaliadas e eles deverão ser revistos a cada quatro anos. Além disso, o PL estabelece mecanismos de monitoramento da agenda de adaptação climática nos três níveis federativos.
A articuladora da Rede por Adaptação Antirracista, Mariana Belmont, considera que a aprovação do projeto é um avanço. “Precisamos urgentemente de políticas públicas que contenham medidas efetivas de adaptação para responder aos efeitos dos eventos climáticos extremos sobre a vida das populações das cidades, da floresta e do campo”, aponta. "Estamos vivendo no Brasil desigualdades sociais e territoriais decorrentes dos impactos e efeitos do aquecimento do planeta e quem mais sofre é a população negra e periférica nas cidades”, comenta. “O racismo ambiental acontece nos territórios negros das cidades, nos territórios quilombolas e indígenas do país”, continua.
Outro item da proposta considerado positivo é a garantia de participação da sociedade civil na coordenação e gestão dos planos de adaptação nas várias esferas de governo.
"A sociedade civil foi expressamente incorporada tanto à coordenação quanto à governança dos planos de adaptação. Inicialmente essa participação estava restrita ao arranjo institucional do plano nacional e por meio de uma única instância. Agora, a participação se espraia para os âmbitos estaduais e municipais e não se restringe a um único fórum", completa Brito.
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O ano de 2023 e o início de 2024 registraram um volume enorme de eventos climáticos extremos em todo o Brasil. Enchente em Brasiléia (AC), em fevereiro de 2024 | Marcos Vicentti / Secom - Acre
Financiamento
O PL também permite que a cooperação internacional e o Fundo Nacional de Mudança Climática (FNMC) financiem a elaboração e implantação dos planos municipais e estaduais.
Vieira avaliou que esse é um “primeiro passo” para conseguir mais recursos para a adaptação climática. “A partir do monitoramento, você vai ter clareza se [os recursos] são suficientes ou se precisam ser suplementados. Você não começa uma construção pelo telhado. Vai começando do alicerce, vamos identificando as demandas, vamos crescendo o orçamento”, completou.
A gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário, Juliana Baladelli Ribeiro, considera que, como uma proposta de lei de diretrizes gerais, o PL não vai resolver a questão do financiamento da adaptação climática, mas abre caminho para programas e políticas destinadas a esse fim.
“Para a questão do financiamento, é muito importante ter um plano de adaptação. Isso quer dizer que você está olhando para o risco climático, que você terá um financiamento mais seguro”, analisa. “Por exemplo, o Banco Mundial só vai colocar recursos onde houver gestão do risco climático. Essa já é uma premissa do Banco Mundial. Os financiadores já estão começando a olhar para isso”, explica.
Quais os principais pontos do PL 4.129?
Áreas e populações prioritárias. Os planos de adaptação nacional, municipais e estaduais deverão priorizar áreas e populações mais vulneráveis, conforme critérios de "etnia, raça, gênero e condição de deficiência”. Esses critérios deverão levar em conta a “identificação, quantificação e reporte contínuo das vulnerabilidades e ameaças climáticas”.
Apoio aos municípios. Priorização dos municípios mais vulneráveis e a possibilidade de criação de “consórcios intermunicipais”.
Participação social. Garantia de participação social na coordenação e gestão dos planos nas várias esferas de governo.
Financiamento. Possibilidade de acesso ao Fundo Nacional de Mudança Climática (FNMC) e à cooperação internacional para o financiamento da elaboração e das ações dos planos.
“Soluções baseadas na natureza”. Adoção de “soluções baseadas na natureza”, a exemplo da restauração florestal e da criação de áreas protegidas urbanas, como parte das estratégias de adaptação, considerando os benefícios adicionais e sinergias com as ações de mitigação.
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Câmara aprova ‘PL do Mercado de Carbono’ em sua última sessão do ano
Para algumas organizações da sociedade civil, proposta pode comprometer esforços do país no combate às mudanças climáticas. Projeto segue agora para o Senado
O relator do projeto de lei, Aliel Machado (PV-PR) | Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Texto atualizado às 18:30 de 22/12/2023
Na última sessão do ano, o plenário da Câmara dos Deputados aprovou, tarde da noite desta quinta (21), por 299 votos a 103 e uma abstenção, o texto principal do projeto de lei (PL) 2.148/2015, que prevê a implantação de um mercado de créditos de carbono formal no país (saiba mais no quadro ao final da reportagem).
Algumas organizações da sociedade civil e especialistas criticaram a redação final, que, em sua avaliação, pode colocar em risco parte dos esforços do país de combate às mudanças climáticas (leia mais abaixo). Junto com parlamentares de diferentes partidos, também condenaram o fato de o projeto ter sido pautado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), no apagar das luzes do ano legislativo.
O parecer definitivo foi conhecido minutos antes da votação, sem que houvesse tempo suficiente para debate. Nas últimas semanas, e mesmo ainda ao longo do dia, sucessivos relatórios, com novas mudanças, circularam entre os parlamentares. A base governista votou em peso a favor da proposta, com exceção da federação PSOL-Rede (veja os votos dos deputados e a orientação das bancadas).
O projeto segue agora para apreciação dos senadores. Se for alterado, pode ser revisto pelos deputados. O mesmo tema já havia sido analisado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, com a aprovação do PL 412/2022, em outubro. Teoricamente, essa Casa daria a palavra final sobre o assunto, mas, na mesma votação de ontem, o projeto foi rejeitado e substituído pelo PL 2.148, numa manobra que visa dar à Câmara essa prerrogativa.
Por meio de um acordo entre os partidos, foram retirados os destaques (trechos do texto que poderiam ser emendados), com exceção de um deles, do PSOL, que pretendia incluir o agronegócio entre os setores econômicos que serão regulados pela nova lei e que acabou rejeitado. O relator, deputado Aliel Machado (PV-PR), teria se comprometido a avaliar mais uma vez algumas sugestões de alteração na volta do projeto à Câmara.
O PL 2.148 faz parte do “pacote verde” que Lira vinha tentando aprovar, para apresentar como trunfo político na COP-28, a Conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada no início do mês, em Dubai, nos Emirados Árabes. Ele não teve sucesso no caso do “PL do Carbono”, mas seguiu pressionando por sua aprovação.
O que são os créditos de carbono?
A comercialização de créditos de carbono permite que empresas, instituições ou pessoas compensem as emissões de gases de efeito estufa, resultantes de empreendimentos e atividades econômicas, pela aquisição de créditos gerados por projetos de redução dessas emissões ou da captura de carbono da atmosfera. Uma iniciativa para restringir os poluentes de uma indústria, o reflorestamento ou a conservação de uma área com vegetação nativa são exemplos desse tipo de projeto.
A principal fonte de emissões de gases de efeito estufa do Brasil, com cerca de metade do total, é o desmatamento. Por outro lado, a grande extensão da floresta amazônica no país torna-o um grande candidato a iniciativas e políticas de geração de créditos de carbono florestal. A criação de um mercado regulado de carbono no país está prevista desde 2009, quando foi criada a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), mas o assunto não foi regulado até hoje.
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Plenário da Câmara durante votação do 'PL do Mercado de Carbono' | Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados
Comunidades indígenas e tradicionais
Desde o início da discussão do tema no Congresso, uma das maiores preocupações recaiu sobre os direitos de populações indígenas e tradicionais. Principalmente na Amazônia, elas vêm sendo assediadas por empresas para a implantação de projetos de créditos de carbono florestal, para comercialização no chamado “mercado voluntário”, que já existe há vários anos e independe de normas nacionais. Algumas das iniciativas mostraram-se pouco transparentes, duvidosas ou mesmo fraudes.
O PL prevê, de forma genérica, que os direitos dessas populações precisam ser garantidos, respeitadas salvaguardas socioambientais e o seu consentimento para iniciativas de geração de créditos de carbono em seus territórios, obtido via consulta prévia, livre e informada.
A versão aprovada pelo Senado, em outubro, previa que órgãos gestores de áreas protegidas dessem autorização para a implantação dos projetos de carbono. No caso das Unidades de Conservação (UCs), eles também precisariam estar previstos nos planos de manejo. Segundo uma nota técnica do ISA, as exigências iriam burocratizar a implementação das iniciativas e, ao mesmo tempo, restringir o poder de decisão e a autonomia dessas comunidades.
Machado acabou acatando algumas propostas para resolver o problema ao longo das últimas semanas. Pouco antes da votação, disse que aceitou todas as sugestões do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e que, por meio de uma emenda do PT, estendeu a ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e assentados as garantias e salvaguardas que já tinha assegurado às populações originárias. Não foi aceita, no entanto, a sugestão da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) de que o direito ao veto dessas comunidades fosse possível em qualquer etapa de desenvolvimento dos projetos de créditos de carbono.
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Área com projeto de geração de crédito de carbono em fazenda em Santa Cruz do Xingu (MT) | Ricardo Abad / ISA
Críticas e pontos de atenção
Para o assessor do ISA Ciro Brito, outro ponto de atenção sobre o texto aprovado é a previsão de que União garanta a titularidade sobre os créditos em terras federais “desde que não haja sobreposição com área de propriedade ou usufruto de terceiros”. Tratando-se de áreas que tenham sido desapropriadas, mas que ainda não tenham sido devidamente indenizadas, o Poder Público está autorizado a realizar projetos e destinar os recursos destes projetos para o pagamento das indenizações.
“Esse projeto de lei faz uma confusão entre direito público e o privado ao introduzir uma nova forma de pagamento de indenização para ocupantes legítimos de áreas públicas a partir da regulação do mercado de carbono. Hoje, a regra é que esse pagamento seja feito em dinheiro e, havendo diferenças entre os valores de avaliação inicial e final da terra, que seja feito mediante precatório, segundo decisão recente do STF”, explica Brito.
Parte dos ambientalistas e dos pesquisadores já havia criticado o texto que saiu do Senado por, sob pressão da bancada ruralista, ter excluído o agronegócio da lista de segmentos econômicos que serão regulados pela nova lei. O setor é responsável por cerca de 75% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil, considerando o desmatamento mais as atividades agropecuárias propriamente ditas.
Machado manteve a proposta sob o argumento de que não haveria hoje metodologias adequadas para medir as emissões dessas atividades. “Entendo que logo, logo sendo aperfeiçoado esse sistema [de métricas], será um caminho natural a entrada do agronegócio, dentro do sistema regulado no nosso país”, defendeu.
Mas o deputado foi além e incluiu em seu relatório a possibilidade de que produtores rurais se beneficiem de mecanismos de mercado para conservar, por exemplo, Reservas Legais e Áreas de Preservação Permanente de suas propriedades. “Eles já são obrigados a fazer isso pelo Código Florestal. Na prática, poderão ser pagos simplesmente por cumprir a lei”, alerta Ciro Brito.
REDD+
Outro problema apontado na redação final é a multiplicação e a confusão de definições e modelos de projetos e políticas de Redução de Emissões por Desmatamento Evitado e Conservação (REDD+). O relatório aprovado na Câmara prevê iniciativas privadas, estatais, de mercado e de não mercado.
Em seu site, o Observatório do Clima (OC) classificou a proposta como uma “barafunda jurídica” e afirmou que ela abre brecha para uma dupla contagem de créditos de carbono florestal, ou seja, a possibilidade de “uma mesma floresta ser contada duas vezes no esforço de mitigação” das mudanças climáticas. Na avaliação da rede, isso pode colocar em risco a credibilidade do REDD+ e das medições das emissões no país, comprometendo a atração de recursos para o futuro mercado de créditos de carbono e o financiamento da conservação em geral.
“Caso o PL seja aprovado como lei, cada fazendeiro do Brasil poderá, mediante uma carta, tirar sua propriedade da contabilidade nacional (que é única e federal) e gerar créditos a partir dela para o mercado – mesmo que a propriedade tenha desmatamento ilegal. Além de diluir o esforço nacional de redução de emissões de desmatamento, a proposta inunda o mercado com créditos de floresta que não têm adicionalidade – já que manter reserva legal e APP é obrigação –, nem integridade ambiental, nem credibilidade”, alertou o OC.
Como será o mercado de carbono, segundo o PL 2.148?
O mercado regulado de carbono busca induzir a descarbonização da economia e funciona por meio do mecanismo apelidado em inglês de “cap and trade”, ou seja, a limitação das emissões (“cap”) e o comércio de permissões de emissão gerados por quem reduzi-la além do limite estabelecido pela lei (“trade”).
O PL cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE), que terá um órgão gestor, um órgão deliberativo e um comitê consultivo permanente. Outra problema apontado pelos ambientalistas é a ausência de participação da sociedade civil nesse órgão gestor.
Poderão participar do SBCE dois tipos de atores: empresas que emitirem mais de 10 mil toneladas de CO2 equivalente (tCO2e) por ano deverão reportar suas emissões obrigatoriamente, mas não terão meta de redução. Já emissores de mais de 25 mil tCO2e anuais na atmosfera serão obrigados a reduzir suas emissões.
Ainda segundo o PL, o Plano Nacional de Alocação vai definir as Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs), que são a quantidade de CO2 equivalente a que cada operador do mercado terá direito. Elas podem ser compradas por aqueles que não atingirem suas metas de emissão.
Além das CBEs, há um outro ativo comercializável: o Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (CRVE). Ele será gerado quando houver redução nas emissões e também poderá ser comercializado para que países cumpram suas metas no tratado internacional sobre mudanças climáticas, o Acordo de Paris, ou seja, em transações internacionais. Cada cota ou CRVE representa 1 tonelada de CO2 equivalente.
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Projeto que flexibiliza licenciamento da BR-319 é aprovado pela Câmara
Proposta coloca em risco uma das regiões mais preservadas e de maior biodiversidade da Amazônia. Recursos do Fundo Amazônia poderão ser utilizados para financiar a obra
A Câmara dos Deputados aprovou um Projeto de Lei (PL) que coloca em risco uma das regiões mais preservadas e de maior biodiversidade da floresta amazônica ao flexibilizar o licenciamento ambiental do reasfaltamento da rodovia BR-319, que corta o bioma e conecta Manaus (AM) a Porto Velho (RO). O PL permite ainda o uso de recursos do Fundo Amazônia para financiar a obra. O texto será enviado ao Senado.
A proposta, que classifica o empreendimento como "infraestrutura crítica, indispensável à segurança nacional", foi aprovada nesta terça-feira (19), com 311 votos a favor e 103 contra. A votação gerou indignação entre a sociedade civil e especialistas, que veem o projeto como um ataque direto à preservação do bioma e aos direitos das populações indígenas e tradicionais.
“É evidente e comprovado que a abertura de rodovia é um vetor para o desmatamento e a grilagem. Centenas de estudos indicam isso, é preciso ter cautela”, afirma Alexandre Gaio, da Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa). “Não temos mais tempo para permitir que um empreendimento seja feito sem as devidas medidas compensatórias e mitigadoras”, completa.
Em nota, a Abrampa declarou que o projeto, ao propor a repavimentação da rodovia sem o devido licenciamento ambiental, pode agravar eventos climáticos extremos na região amazônica, intensificando o desmatamento, as queimadas e, em consequência, as emissões de gases de efeito estufa.
“Não faz sentido uma lei para uma obra específica. Isso fere a divisão de poderes entre Legislativo e Executivo”, alerta Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima (OC). “É uma lei esvaziada, de uso político. Não deveria ser essa a opção do legislador nacional. As leis têm que ter conteúdo normativo”, avalia.
“É inapropriado que a decisão sobre determinado projeto seja exclusivamente política, sem nenhum critério técnico e objetivo”, critica Luís Henrique Sanches, professor da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Associação Internacional de Avaliação de Impactos.
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Vista aérea do trecho sem asfalto da BR 319, entre Humaitá e Realidade (AM) | Alberto César Araújo / Amazônia Real
Licenciamento fracionado
O PL nº 4.994/2023 determina que a liberação e o licenciamento ambiental para obras "de pequeno e médio potencial poluidor" relacionadas à rodovia "deverão ser realizados por meio de procedimentos simplificados ou por adesão e compromisso, inclusive os serviços acessórios ou necessários à realização das obras da rodovia". Ao compartimentar e fracionar o licenciamento ambiental, o projeto desconsidera o impacto global do empreendimento. A licença por “adesão e compromisso” é feita de forma automática, por meio do preenchimento de documentos via internet, sem nenhuma análise prévia dos órgãos ambientais.
“É importante que sejam avaliados os impactos diretos, indiretos e cumulativos, inclusive das obras derivadas da obra principal, que não são apenas ‘serviços acessórios’”, alerta Sanches. Para ele, a proposta é contrária às recomendações internacionais de avaliação de impactos para empreendimentos desse porte e tem potencial de impactos significativos.
“Haverá, certamente, lesão a direitos”, avalia Alexandre Gaio, da Abrampa. “Ao fazer a obra sem o licenciamento completo, sem o devido debate sobre todos os impactos, estamos abrindo espaço para graves lesões aos direitos fundamentais e ao meio ambiente. Não me parece adequado, justo, legal e constitucional, se buscar atalhos para agilizar o licenciamento e colocar em risco outros direitos constitucionais”.
Em nota técnica, o ISA e o Observatório do Clima consideram que o projeto pode ser alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade, já que o licenciamento simplificado para atividades de médio impacto ambiental viola a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto.
“Além de poder gerar danos significativos ao meio ambiente e à população do entorno, o PL é contraproducente para aqueles que querem ver a obra implantada rapidamente”, pondera Mauricio Guetta, assessor jurídico do ISA. “As inconstitucionalidades do PL são flagrantes e sua aprovação resultará em judicialização desnecessária e insegurança jurídica e financeira. Não faz sentido sob nenhum ângulo”.
Fundo Amazônia
Além da flexibilização do licenciamento, o projeto autoriza o uso de doações recebidas pela União, incluindo recursos do Fundo Amazônia, para a repavimentação da rodovia. Esse ponto é visto por alguns especialistas como um desvio de finalidade desses recursos, que originalmente são destinados ao combate ao desmatamento na Amazônia.
“Esse é um problema de injuridicidade. Temos acordos com os doadores que regem a aplicação desses recursos e as diretrizes concretas para sua aplicação são fixadas pelo Comitê Orientador do Fundo Amazônia”, explica Araújo.
Dispensa de licenciamento
Originalmente, o projeto continha um dispositivo que dispensava o empreendimento como um todo do licenciamento ambiental. Depois de acordo com o governo, o relator do PL, deputado Capitão Alberto Neto (PL-AM), aceitou exclui-lo.
Para o deputado Nilto Tatto (PT-SP), no entanto, a mudança não reverteu a inconstitucionalidade da proposta. “Fracionar processo de licenciamento também é inconstitucional. O PL trabalha com conceitos ultrapassados, não tem nenhuma estrada que pode ser enquadrada no quesito segurança nacional. Os recursos do Fundo Amazônia também têm regras próprias de destinação. O projeto é inócuo, feito para os deputados da Amazônia fazerem política”, afirma Tatto.
“Apesar da negociação para retirada desse dispositivo, o texto foi aprovado com autorização para processo de licenciamento ambiental simplificado e fracionado, o que não garante a aplicação de mecanismos de monitoramento, mitigação e compensação. É um retrocesso, uma afronta à legislação vigente e à defesa do meio ambiente”, pontua a deputada federal Talíria Petrone (PSOL-RJ).
Obra impacta Terras Indígenas
Construída nos anos 1968 a 1976, rasgando a floresta amazônica entre Manaus e Porto Velho, a BR-319tem cerca de 885 km de extensão e foi planejada na época do chamado “milagre econômico brasileiro” da Ditadura Militar, com o objetivo de ser um eixo de colonização, tornando possível fazer uma viagem de carro entre as duas capitais em cerca de 12 horas. A manutenção da rodovia foi abandonada em 1988 e retomada anos depois.
A estrada vem sendo reconstruída de forma irregular, sem licenciamento ambiental para as obras, como exige a legislação. Os impactos chegaram a vários povos indígenas da região, inclusive na aldeia São Francisco, na Terra Indígena Apurinã do Igarapé Tauá-Mirim, no município de Tapauá, na parte sul do Amazonas, a área do estado mais impactada por desmatamento, grilagem e queimadas.
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Catástrofe amazônica
O sócio fundador do ISA Márcio Santilli avalia os impactos da maior seca em anos na Amazônia e suas relações com as mudanças climáticas e cobra políticas eficazes para mitigar a situação
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Mal haviam cessado os efeitos do “La Niña” e o seu reverso, o “El Niño”, começou a operar, invertendo uma situação de seca do norte da Argentina ao Rio Grande do Sul para a de tempestades e enchentes, enquanto que, na Amazônia e no Nordeste, as enchentes deram lugar a uma estiagem de intensidade histórica.
São fenômenos naturais, decorrentes, respectivamente, do resfriamento e aquecimento excessivo da temperatura das águas do Pacífico Equatorial, que se repetem em intervalos de quatro a sete anos. Foi no contexto de um “El Niño” que ocorreu, em 2010, a maior seca registrada na Região Norte do país. No entanto, os cientistas apontam que, em 2023, os seus efeitos estão sendo agravados pelo aquecimento anormal simultâneo das águas do Atlântico Equatorial, que inibe a formação das chuvas que avançariam pela Amazônia.
A temperatura média dos oceanos nunca esteve tão alta. Setembro foi o mês mais quente da história. Nas últimas semanas, o recorde de temperatura em Manaus (AM) foi batido três vezes. O efeito estufa, causado pelo excessivo acúmulo de gases poluentes na atmosfera, está agravando os impactos dos fenômenos climáticos naturais.
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Seca no Rio Amazonas, nas proximidades de Manaus (AM), setembro de 2023 | Cadu Gomes / VPR
Falta tudo
Com o agravamento da estiagem, rios caudalosos estão se reduzindo à condição de córregos, secando lagos, dificultando a navegação e isolando cidades e comunidades. O estado de emergência foi decretado em 42 municípios amazonenses. Centenas de milhares de pessoas estão sendo afetadas. Falta comida e água potável, doentes estão desassistidos, crianças impedidas de chegar às escolas.
Milhões de peixes estão morrendo praticamente cozidos. As águas do Lago de Tefé (AM) chegaram aos 40 graus, matando 125 botos. Agora, ele secou e já é possível atravessá-lo a pé ou de moto até a cidade vizinha de Alvarães. Comunidades foram destruídas pelo fenômeno das “terras caídas”, desbarrancamento às margens dos rios provocado por erosões. Outras transferem suas casas, com os próprios braços, para locais mais seguros.
Se a situação não se reverter nas próximas semanas, ficará comprometido o escoamento da produção industrial da Zona Franca de Manaus, o que deve afetar os estoques de eletroeletrônicos para as vendas de natal em outras cidades do país.
Porém, os cientistas preveem que a influência deste “El Niño” vai se estender até meados de 2024, determinando um menor volume no próximo período de chuvas, até a próxima estiagem. Assim, é improvável que a natureza recomponha-se em menos de dois anos, prolongando o sofrimento da população. Por exemplo, como ficarão as milhares de pessoas que vivem da pesca e já estão sendo duramente afetadas?
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Aquecimento das águas do Pacífico Equatorial durante ‘El Niño’, 3/10/2023 | NOAA / EUA
Falta de visão
Os dirigentes políticos dos estados mais afetados pela seca constatam os seus efeitos imediatos e são instados pela população a reagir. Não dispondo de qualquer estratégia para enfrentar a crise climática, tentam responsabilizar o governo federal, usando como mote as condições intrafegáveis da BR-319, que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM).
O foco dessa manipulação é o Ministério do Meio Ambiente, que condiciona a inclusão da pavimentação da rodovia no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), que define as prioridades de investimentos em infraestrutura, a medidas de controle do desmatamento e de apoio ao desenvolvimento regional sustentável. Mas a estrada está deteriorada há muitos anos e as obras, em trechos já licenciados, estão paradas devido à má gestão de recursos orçamentários.
Além disso, o óbvio: mesmo que as obras fossem imediatamente retomadas, a sua conclusão exigiria mais tempo do que a duração prevista para o atual “El Niño”. Significa que, independentemente do seu mérito, a discussão sobre a BR-319 não cabe na definição de medidas emergenciais para enfrentar a estiagem em curso.
A dissimulação talvez permita aos dirigentes regionais enganar o seu público por mais algum tempo. Mas é uma atitude que passa ao largo dos problemas, das suas causas, do seu enfrentamento, enquanto os seus autores passam recibo de ignorantes e alienados. O negacionismo de conveniência sofre com o impacto da estiagem.
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Senado confronta STF e Constituição e aprova ‘marco temporal’ das demarcações
No mesmo dia em que o tribunal concluiu a análise do assunto, senadores aprovam projeto considerado inconstitucional. Liderança do governo promete veto de Lula
O relator do PL 2.903 no plenário e na CCJ, Marcos Rogério, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na sessão que aprovou a proposta | Waldemir Barreto / Agência Senado
Por 43 votos a 21, o plenário do Senado aprovou, na noite desta quarta (27), o texto principal do Projeto de Lei (PL) 2.903/2023, a maior ameaça aos direitos indígenas desde a Redemocratização (veja como votaram os senadores). As duas emendas que amenizariam a proposta foram rejeitadas e ela segue agora à sanção presidencial.
Entre outros retrocessos, segundo a redação final, os povos originários só teriam direito às terras que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, o chamado “marco temporal”.
Nesta quarta, enquanto a Corte concluía a análise do caso, fixando teses complementares sobre a demarcação de Terras Indígenas (TIs), os senadores iniciavam a análise do PL 2.903 no plenário (saiba mais abaixo).
A votação do projeto converteu-se em mais um capítulo na novela de tensões e conflitos entre os três Poderes, e uma represália de ruralistas e oposição contra o STF e o governo. Após o resultado parcial do julgamento do "marco temporal" na semana passada, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) passou a ameaçar obstruir as votações, principalmente na Câmara. Também articulou o apoio de outras bancadas, como as de armamentistas e evangélicos, contra a decisão do Supremo.
Nas últimas semanas, uma verdadeira blitz conservadora foi articulada no Congresso, sob a alegação de que a Corte estaria usurpando a competência dos parlamentares de decidir sobre alguns temas, como a descriminalização do aborto e do porte de drogas. O "marco temporal" acabou sendo adotado como mais uma das bandeiras da ofensiva contra o tribunal. Os oposicionistas tentam agora articular uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permita o Congresso rever decisões do órgão máximo do Judiciário.
“Não aceitaremos qualquer interferência na prerrogativa legislativa do Congresso Nacional. Tomaremos as devidas medidas para restabelecer o equilíbrio entre os Poderes”, diz nota assinada pelo FPA e mais 17 frentes parlamentares. Entre os partidos, só o PL e o Novo assinaram o documento.
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Placar da orientação de bancadas na votação do PL 2.903 | Waldemir Barreto / Agência Senado
Governo e Pacheco cedem às pressões
Tanto o governo quanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), acabaram cedendo às pressões para votar o PL 2.903 a toque de caixa. Ele foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) horas antes, pela manhã, por 16 votos contra 10, junto com um requerimento de urgência para apreciação no plenário. O PL havia sido aprovado na Comissão de Agricultura (CRA), no mês passado, e no plenário da Câmara, em maio.
Pacheco descumpriu promessas feitas a lideranças indígenas de que o projeto teria uma tramitação em ritmo moderado, que permitisse o aprofundamento do debate sobre o assunto.
O relator da proposta na CCJ e no plenário, Marcos Rogério (PL-RO), agradeceu o empenho de Pacheco. “Esse tema só está sendo votado neste momento porque vossa excelência o chamou para si. Eu sei das dificuldades regimentais inerentes ao processo, mas sei do esforço que vossa excelência fez para que votássemos no dia de hoje essa matéria”, disse.
Ecoando o discurso de retaliação ao STF e reconhecendo, em parte, os problemas do projeto, Marcos Rogério repetiu que o Senado tem o direito de tomar a decisão política de aprová-lo e que o presidente da República poderia vetá-lo.
“De nossa parte não há nenhum tipo de sentimento revanchista em relação à Suprema Corte do nosso país”, afirmou Pacheco. Ele reconheceu que o projeto tem muitos pontos que são “objeto de dúvida”. “Eventualmente, num caso de veto, será então debatido pelos colegas senadores se isso é realmente importante estar ou não no ordenamento jurídico”, completou.
O governo fez pouco esforço para barrar a votação, temendo perder outras, como a do projeto do programa apelidado de “Desenrola”, que prevê renegociar as dívidas de milhões de devedores.
No plenário, orientaram favoravelmente ao projeto o PL, União, Podemos, Republicanos, PP, PSDB, Novo, Minoria e Oposição. Já o MDB, PT e Governo orientaram voto contrário. A Maioria, PSB, PDT, PSD e a Bancada Feminina liberaram os parlamentares para votar como quisessem.
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Indígenas protestam contra 'marco temporal' na Esplanada dos Ministérios, em Brasília | Tiago Miotto / Cimi
Acordo
A informação que circulou é que o governo teria costurado um acordo para que o presidente Luís Inácio Lula da Silva vete parte do projeto e para que o veto seja mantido. O líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), disse que Lula irá vetar o texto aprovado.
Se isso não acontecer e alguém provocar o STF a se pronunciar sobre ele por meio de uma ação, a decisão tomada nesta quarta pela Corte será a base a ser usada na análise.
"O Senado quer perpetuar o genocídio indígena. Esse projeto de lei legaliza crimes que ameaçam as vidas indígenas e afetam a crise climática. O PL é inconstitucional e o Supremo já anulou o ‘marco temporal’, mas o projeto tem muitos outros retrocessos aos direitos indígenas”, criticou Kleber Karipuna, coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Além do “marco temporal”, o PL 2.903 permite a exploração dos recursos naturais e a instalação de empreendimentos predatórios nas TIs, a desconstituição de “reservas indígenas” e a possibilidade de contatos forçados com indígenas isolados, especialmente vulneráveis a doenças e conflitos. Em nota técnica, o ISA apontou a inconstitucionalidade da proposta ponto a ponto.
"O Senado vai na contramão da Constituição ao legislar em favor de tese declarada inconstitucional pelo STF. Infelizmente, a bancada ruralista não se conforma com um dos principais papéis das Supremas Cortes nas democracias: a defesa dos direitos fundamentais das minorias”, afirma a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
“Infelizmente, o governo cede ministérios e verbas de emendas parlamentares, mas fica sem votos. Dessa forma, promessas fundamentais feitas pelo presidente Lula, como a continuidade das demarcações e a proteção dos direitos e das Terras Indígenas, serão descumpridas", completa.
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Indígenas comemoram derrubada do 'marco temporal' pelo STF na Praça dos Três Poderes, em Brasília | Ana Paula Sabino / Funai
Fim do julgamento
Na conclusão do julgamento no STF, nesta quarta, os ministros fixaram outras teses complementares sobre a demarcação de TIs que surgiram na análise do caso (leia mais no quadro ao final da reportagem).
A principal novidade, até agora não prevista na legislação, é a possibilidade de pagamento de indenização da terra para produtores rurais que tiverem de ser removidos de suas propriedades. Hoje, segundo a Constituição, a indenização deve ser feita apenas pelas benfeitorias.
Segundo a decisão, haverá direito à indenização quando houver ocupação de boa-fé e o proprietário tiver um título expedido pelo Estado, no caso em que for comprovado que os indígenas não estavam no território e não havia disputa judicial ou conflito em campo em 5 de outubro de 1988, o chamado "renitente esbulho". Não caberá indenização para as áreas já “pacificadas”, ou seja, no caso de TIs já "reconhecidas e declaradas", exceto em casos já judicializados.
O receio do movimento indígena e da sociedade civil é que uma indenização “prévia” dificulte ainda mais o acesso das comunidades aos seus direitos e territórios.
"A indenização prévia relativa à terra nua pode tornar o acesso das comunidades indígenas às suas terras ainda mais demorado do que já é", reforça Moreno Saraiva Martins, coordenador do Programa Povos Indígenas no Brasil (PIB) do ISA. Ele lembra que, no caso de algumas demarcações, o território continua indisponível para os indígenas por mais de 20 anos. “De acordo com a decisão do STF, no caso de comunidades que estejam fora de seu território tradicional, há um grande risco de que elas tenham o direito de reocupá-lo só após o Estado definir o valor da indenização e realizar o depósito para ocupante", conclui.
Além disso, segundo a decisão do STF, o governo poderá assentar uma comunidade indígena em outra área que não a de ocupação tradicional, por meio da desapropriação de terras para constituição de “reservas”, no caso de “absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação”. Nesses casos, as comunidades indígenas seriam ouvidas, mas não teriam o direito de vetar a decisão.
Ampliação de áreas
Ainda de acordo com a decisão do STF, qualquer ampliação de TI só poderá ocorrer em até cinco anos após a “demarcação anterior” e desde que comprovado “grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites”. A regra não abrange ações judiciais ou pedidos de revisão de limites já registrados na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Uma proposta feita pelo ministro Dias Toffoli que causou bastante polêmica e acabou sendo retirada do debate por ele próprio, no último momento, após o intervalo da sessão desta quarta, foi a de determinar que o Congresso regulamentasse, em até um ano, o dispositivo da Constituição que prevê a possibilidade de exploração mineral e a construção de hidrelétricas nas Terras Indígenas.
Antes do debate dos dez pontos da tese final da decisão, os ministros decidiram se adotariam a tese mais sintética, elaborada pelo relator, Edson Fachin, ou a mais extensa, proposta por Toffoli com base em seu próprio voto, no de Fachin, dos ministros Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin.
Derrotada por 6 votos contra 5, a proposta mais concisa apenas afirmava que o direito territorial indígena independe de qualquer “marco temporal” ou da comprovação de disputa judicial ou conflito em campo pela terra.
Tese final do STF
(transcrito da transmissão do julgamento e sujeito a revisão com base no texto que será publicado oficialmente)
1- A demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena.
2 - A posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos indígenas, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar e das necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo os seus usos, costumes e tradições, nos termos do parágrafo primeiro do Artigo 231 do texto constitucional.
3 - A proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 5 de outubro de 1988 ou da configuração do renitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente, à data da promulgação da Constituição.
4 - Existindo ocupação tradicional indígena ou renitente esbulho contemporâneo à promulgação da Constituição Federal, aplica-se o regime indenizatório relativo às benfeitorias úteis e necessárias previsto no Parágrafo 6º do Artigo 231 da Constituição Federal de 1988.
5 - Ausente a ocupação tradicional indígena, ao tempo da promulgação da Constituição Federal, ou renitente esbulho na data da promulgação da Constituição Federal, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos, os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, relativos a justo título ou posse de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, assistindo ao particular o direito à justa e prévia indenização das benfeitorias necessárias e úteis pela União, e quando inviável o reassentamento dos particulares caberá a eles indenização pela União com direito de regresso em face do ente federativo que titulou a área correspondente ao valor da terra nua paga em dinheiro ou em título da dívida agrária, se for do interesse do beneficiário, e processada em autos apartados do procedimento de demarcação, com pagamento imediato da parte incontroversa, garantido direito de retenção até o pagamento do valor incontroverso, permitida autocomposição e o regime do Artigo 37, parágrafo 6° da Constituição.
6 - Descabe indenização em casos já pacificados, decorrentes de Terras Indígenas já reconhecidas e declaradas em procedimento demarcatório, ressalvados os casos judicializados em andamento.
7 - É dever da União efetivar o procedimento demarcatório das Terras Indígenas, sendo admitida a formação de áreas reservadas somente diante da absoluta impossibilidade de concretização da ordem constitucional de demarcação, devendo ser ouvida em todo caso a comunidade indígena, buscando-se se necessário a autocomposição entre os respectivos entes federativos para a identificação das terras necessárias à formação das áreas reservadas, tendo sempre em vista a busca do interesse público e a paz social, bem como a proporcional compensação às comunidades indígenas, Artigo 16.4 da Convenção 169 da OIT.
8 - O procedimento de redimensionamento de Terra Indígena não é vedado, em caso de descumprimento dos elementos contidos no Artigo 231 da Constituição da República, por meio de instauração de procedimento demarcatório, até o prazo de cinco anos da demarcação anterior, sendo necessário comprovar grave e insanável erro na condução do procedimento administrativo ou na definição dos limites da Terra Indígena, ressalvadas as ações judiciais em curso e os pedidos de revisão já instaurados até a data de conclusão deste julgamento.
9 - O laudo antropológico, realizado por meio do Decreto 1.775/1996, é um dos elementos fundamentais para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com os seus usos, costumes e tradições e observado o devido processo administrativo.
10 - As terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos indígenas o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nela existentes.
11 - As terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.
12 - A ocupação tradicional das terras indígenas é compatível com a tutela constitucional do meio ambiente, sendo assegurado o exercício das atividades tradicionais dos povos indígenas.
13 - Os povos indígenas possuem capacidade civil e postulatória, sendo partes legítimas nos processos em que discutir seus interesses sem prejuízo nos termos da lei, da legitimidade concorrente da Funai e da intervenção do Ministério Público como fiscal da lei.
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STF enterra tese do ‘marco temporal’ das demarcações de Terras Indígenas
Ministros formam maioria contra a tese ruralista anti-indígena. Discussão sobre indenização por terra de proprietários de “boa-fé” continua na próxima semana
Indígenas comemoram emocionados final do julgamento do lado de fora do STF | Ana Paula Sabino / Funai
Com o eco da alegria, do grito e do choro emocionados dos mais de 600 indígenas que acompanhavam o julgamento na Praça dos Três Poderes, o Supremo Tribunal Federal (STF), rejeitou, nesta quinta-feira (21/09), a tese do “marco temporal” da demarcação das Terras Indígenas.
A interpretação ruralista buscava estabelecer a data de 5 de outubro de 1988 como limite para o reconhecimento da ocupação tradicional indígena no país.
"Passa um filme na mente da gente. Quantas lideranças lutaram por isso, né?", afirmou Setembrino Canlem, cacique geral dos Xokleng de Santa Catarina. Uma área Xokleng, a Terra Indígena Ibirama-La Klãnõ, foi alvo da ação julgada agora pelo STF, o Recurso Extraordinário (RE) 1017365. "Os nossos antepassados que lutaram e que hoje não estão mais aqui, então, essa vitória é deles também", comemorou.
Foram nove votos contra o marco temporal: dos ministros Edson Fachin, relator do caso, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Os ministros André Mendonça e Nunes Marques proferiram votos favoráveis.
"A superação do marco temporal pelo STF é uma vitória histórica dos povos indígenas", considera Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. "O Supremo Tribunal Federal afirma sua grandeza ao bem tutelar os direitos fundamentais das minorias. A decisão de hoje fortalece a democracia e põe fim a uma das mais sórdidas tentativas de inviabilizar os direitos indígenas desde a redemocratização do país", comenta.
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Indígenas acompanham julgamento no plenário do STF | Felipe Sampaio / SCO / STF
A discussão tramita na Suprema Corte desde 2019, quando foi reconhecida a repercussão geral do caso sobre a interpretação do artigo 231 da Constituição, que prevê os direitos territoriais indígenas.
O tribunal deve discutir, na próxima semana, as teses propostas pelos ministros sobre a ação, que abordam temas como a indenização pela terra nua aos proprietários com terras adquiridas de boa-fé e sobrepostas a territórios indígenas e também a proposição do ministro Dias Toffoli, que poderá determinar ao Congresso o prazo de 12 meses para legislar sobre a regulamentação do parágrafo 3º do artigo 231 da Constituição, que prevê a possibilidade de mineração e construção de usinas hidrelétricas nas Terras Indígenas, o que hoje é proibido.
"Não é o momento de se decidir [sobre esse assunto] no âmbito do recurso extraordinário", avaliou Maurício Terena, coordenador jurídico da Apib. "Além disso, muito nos preocupa a atual configuração do Congresso, que não é favorável a nós, povos indígenas. A gente espera que essa tese não esteja dentro do acórdão e que de fato os ministros fiquem adstritos à legalidade e ao voto do ministro Fachin, ao objeto da ação", concluiu.
Para Joenia Wapichana, presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a derrubada do “marco temporal” é fundamental para dar continuidade aos procedimentos demarcatórios. "Sabemos que tem outros desafios a serem superados, dependendo das teses que serão votadas. Há a preocupação sobre a questão da indenização prévia e temas que extrapolam o objetivo do caso de repercussão, como a mineração. Então, uma luta por dia, uma luta por vez. Hoje é o dia de comemorar o ponto final no marco temporal", destacou, após o final da sessão do STF.
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Indígenas comemoram o final do julgamento no STF na Praça dos Três Poderes | Carlos Moura / SCO / STF
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Governo anuncia pacote ambiental e homologa duas Terras Indígenas
Lula oficializa o equivalente a três cidades de São Paulo em áreas protegidas na Amazônia, mas Terras Indígenas já prontas para conclusão de demarcação chegam a 66
Para celebrar o Dia da Amazônia, nesta terça-feira (5), o governo federal lançou um pacote de ações ambientais, incluindo a regularização de cinco áreas protegidas e a ampliação de outras duas, totalizando mais de 454,4 mil hectares sob proteção federal na região, extensão equivalente a três vezes a cidade de São Paulo (saiba mais no quadro abaixo).
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou os decretos de homologação (a última etapa do processo de demarcação) da Terra Indígena (TI) Rio Gregório, de 187 mil hectares, dos povos Katukina e Yawanawá, no município de Tarauacá (AC), e da TI Acapuri de Cima, com 19 mil hectares, do povo Kokama, em Fonte Boa (AM). As duas TIs abrangem uma população de cerca de mil pessoas (leia mais no quadro ao final da reportagem).
Também foram destinados quase 20 mil hectares para a regularização da TI Valparaíso (AM) e outros 2,5 mil hectares para a TI Kanela do Araguaia (MT). Um hectare mede, mais ou menos, um campo de futebol.
Apesar disso, Lula continua sem cumprir integralmente a promessa de homologar 14 TIs já prontas para isso, listadas ainda durante a transição do governo. Mais longe ainda está de cumprir a outra promessa, feita em abril, quando homologou seis territórios, de acabar com as pendências dos procedimentos demarcatórios até o fim de seu mandato (saiba mais logo abaixo).
Na cerimônia no Palácio do Planalto, nesta terça, como já havia feito em abril, Lula reconheceu que é preciso acelerar a tramitação dos processos e voltou a prometer que irá fazê-lo. “Vocês sabem que o governo tem de fazer mais e vocês sabem que nós vamos fazer mais”, afirmou.
“Temos um grande passivo de demarcação de terras indígenas e titulação de quilombos nas gavetas do poder público, mas o anúncio de hoje é para comemorar”, afirma a assessora do ISA, Adriana Ramos.
“Ao celebrar o dia da Amazônia com um conjunto de medidas que inclui a oficialização de áreas protegidas e ações de regularização fundiária, o governo dá mais concretude ao que o presidente Lula vem destacando como compromisso de seu governo”, conclui.
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Fonte: ICMBio
UCs federais
Também foram assinados os decretos de criação da Floresta Nacional (Flona) do Parima, com 109,4 mil hectares, e de ampliação da Estação Ecológica de Maracá, em 50,7 mil hectares, que alcança agora 154,2 mil hectares, ambas em Roraima. Junto com a Flona de Roraima (instituída em 1989), as duas áreas formam agora um escudo que pode proteger contra invasões a fronteira leste da TI Yanomami, que ainda enfrenta uma crise humanitária sem precedentes (veja os mapas acima e mais abaixo).
O presidente anunciou ainda a ampliação do Parque Nacional do Viruá, também em Roraima, em 66 mil hectares ‒ a Unidade de Conservação (UC) soma agora mais de 281 mil hectares. A proteção das novas áreas no estado faz parte de um acordo realizado, em 2009, para a transferência de terras federais para o governo roraimense.
A Flona do Parima é a segunda UC criada por Lula: em junho, ele oficializou o Parque Nacional da Serra do Teixeira (PB), com 61,1 mil hectares. Antes dele, a última UC federal havia sido formalizada em 2018. Somando as outras TIs e UCs oficializadas até agora, a terceira gestão de Lula alcança a marca de mais de 1,1 milhão de hectares protegidos ou o equivalente a quase duas vezes a extensão do Distrito Federal.
Pacote ambiental do Dia da Amazônia
‒ Homologação da TI Rio Gregório (AC), de 187 mil hectares, e da TI Acapuri de Cima (AM), com 19 mil hectares ‒ Destinação de 19,9 mil hectares para a regularização da TI Valparaíso (AM) e de 2,4 mil hectares para a TI Kanela do Araguaia (MT) ‒ Criação da Floresta Nacional do Parima (RR), com 109,4 mil hectares ‒ Ampliação do Parque Nacional do Viruá (RR) em 66 mil hectares ‒ Ampliação da Estação Ecológica de Maracá (RR) em 50,7 mil hectares ‒ Programa União com Municípios, com promessa de R$ 600 milhões, até 2025, para prefeituras que reduzirem o desmatamento ‒ Programa Florestal Viva, com promessa de R$ 500 milhões não reembolsáveis do BNDES e iniciativa privada para restauração florestal, em até três anos ‒ 1º edital do programa Floresta Viva, com R$ 26,7 milhões em recursos não reembolsáveis para apoio a até nove projetos de restauração florestal e fortalecimento de cadeias produtivas associadas na Bacia do Xingu ‒ Retomada do funcionamento da Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais, sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) ‒ Repasse de terras de seis UCs federais em Roraima, somando 3,6 milhões de hectares, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) para o ICMBio (uma das últimas etapas da regularização fundiária das UCs) ‒ Entrega de 534 títulos para agricultores familiares de São Gabriel da Cachoeira (AM) ‒ Declaração de interesse da Funai em 3,81 milhões de hectares para reconhecimento de TIs na Amazônia ‒ Declaração de interesse do MMA em 3,75 milhões de hectares para futura criação de UCs e concessão florestal
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Presidente Lula oficializa áreas protegidas no Palácio do Planalto ao lado de ministros: Marina Silva, do Meio Ambiente (E), Sonia Guajajara, dos Povos Indígenas (D), entre outros | Ricardo Stuckert / PR
Promessa de R$ 1,1 bilhão
Outro anúncio feito pelo governo foi o de um novo programa que pretende incentivar os municípios da Amazônia a reduzir suas taxas de desmatamento e degradação florestal. O governo promete liberar, até 2025, R$ 600 milhões do Fundo Amazônia, gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Os municípios que mais reduzirem o desmatamento vão ter acesso a um maior volume de recursos para investir em ações de regularização fundiária e regularização ambiental, restauração agroflorestal, atividades produtivas sustentáveis”, explicou o secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Lima, em entrevista ao ISA, ao final da cerimônia no Planalto.
De acordo com ele, a ideia é comprometer, além das prefeituras, também deputados, senadores e vereadores com o programa, inclusive com emendas parlamentares destinadas ao combate ao desmatamento e que servirão como contrapartida aos recursos do BNDES. Lima informa ainda que o ministério pretende acelerar a redução das taxas de destruição da floresta nesses municípios, até a realização da Conferência sobre Mudanças Climáticas (COP-30), em Belém, em 2025, como uma vitrine para a captação de mais recursos internacionais para esse fim.
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Fonte: ICMBio
Ainda na cerimônia no Planalto, a diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, informou que o banco está lançando um edital de R$ 26 milhões para o reflorestamento de 1,5 mil hectares em TIs, UCs e áreas de agricultura familiar na Bacia do Rio Xingu. A medida faz parte do programa Floresta Viva, que pretende captar e ofertar R$ 500 milhões em recursos não reembolsáveis, em até três anos, para atividades de restauração florestal e o fortalecimento de cadeias produtivas a elas associadas. De acordo com Campelo, metade do montante será oferecido pelo banco e a outra metade pela iniciativa privada.
Como fez em relação às demarcações, Lula também prometeu ampliar as ações de combate ao desmatamento. “Nós vamos provar que aqueles que acham que têm de derrubar uma árvores para ganhar dinheiro são muito mais ignorantes do que espertos. Porque ele pode ganhar muito mais dinheiro com a floresta em pé”, disse.
O presidente voltou a dizer que pretende formar um grupo composto pelos países amazônicos, mais a Indonésia e o Congo, com um posicionamento único nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas, para pressionar as nações desenvolvidas a cumprirem a promessa de ofertar US$ 100 bilhões ao ano para conservar as florestas tropicais.
Como vem fazendo recentemente, o presidente, no entanto, acenou aos governadores da Amazônia, quase todos mais ou menos alinhados a bolsonaristas e ruralistas, e voltou a destacar a necessidade de promover o desenvolvimento econômico da região. “O povo da Amazônia tem pressa de conquistar oportunidades, de ter apoio para empreender e produzir. O povo da Amazônia tem pressa de viver em uma economia dinâmica para encontrar mais e melhores empregos”, apontou.
Desafios para as demarcações
Considerando processos já abertos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o país tem hoje 740 TIs. Com as homologações desta terça, passa a contar com 500 TIs com seu processo de demarcação finalizado. Ainda restam, no entanto, 66 TIs declaradas que seguem aguardando pela assinatura do decreto de homologação.
Além disso, ainda há 46 TIs com seus relatórios de identificação já publicados pela Funai e 128 ainda em processo de estudo para produção do relatório de identificação de suas áreas. Ao todo ainda são 240 Terras Indígenas com processo não concluído e, para elas, o futuro ainda é incerto (entenda o processo de demarcação).
Entre as 66 terras declaradas, o tempo médio de espera até a finalização do processo, com a homologação pelo Presidente da República, é de 12 anos. Em alguns casos, como o da TI Acapuri de Cima, homologada nesta terça, a demora chegou a mais de duas décadas: o Ministério da Justiça reconheceu os estudos para sua delimitação e declarou a área em 2000.
“Hoje, 66 áreas já passaram por todas essas etapas do longo processo de demarcação, com investimento de tempo e recursos públicos, e aguardam um ato de confirmação do presidente, com sinais ainda muito tímidos de avanço. Não há mais nada a ser feito nesses processos. Eles já estão prontos. A única explicação para a demora em finalizá-los são as pressões de setores que trabalham para mudar o processo de demarcação”, defende Moreno Saraiva Martins, coordenador do programa Povos Indígenas no Brasil (PIB) do ISA.
Lula precisará acelerar os processos de demarcação e ir além do que foi feito em todos os seus mandatos para cumprir a promessa feita em abril. Para se ter uma ideia, em seu último governo (2007-20100, ele homologou 21 áreas, totalizando 7,7 milhões de hectares, em uma média de pouco mais de cinco homologações por ano. Na primeira gestão (2003-2006), por outro lado, foram homologadas 66 terras, totalizando 11 milhões de hectares e uma média de 16,5 homologações ao ano.
Para cumprir a promessa e acabar com as pendências de 240 TIs que já tem seus processos iniciados, o presidente precisaria homologar 60 áreas por ano, ou cinco por mês, em seus quatro anos de mandato. Atualmente, a média está abaixo de uma homologação ao mês.
Conheça as duas Terras Indígenas homologadas
Rio Gregório (AC)
A TI Rio Gregório é parte do território tradicional dos Yawanawá, povo de língua Pano que vive no município de Tarauacá (AC). Essa é única área destinada a esse povo, e chegou a ter uma parte de sua extensão delimitada em 1984, sendo a primeira demarcação feita no Acre. A homologação realizada, em 1991, deixou de fora partes significativas do território original. Por essa razão, uma nova área foi delimitada, em 2006, e declarada em 2007. A TI possui quase um quarto de sua área sobreposta à Floresta Estadual Rio Liberdade, UC de uso sustentável. Há ainda uma pequena sobreposição, menor que 1%, com a Reserva Extrativista Riozinho da Liberdade. Atualmente, cerca de 600 pessoas vivem na TI.
Acapuri de Cima (AM)
Terra do povo Kokama, localizada no Amazonas, possui mais de 19 mil hectares e aguarda a homologação há mais de 23 anos. Apesar da ocupação tradicional registrada por ao menos 116 anos, teve seu processo de reconhecimento oficial iniciado só em 1997, com seus limites identificados em 1999, com a aprovação do relatório de delimitação pela Funai. O Grupo Técnico que fez o levantamento fundiário e cartorial só encontrou dois imóveis sobrepostos à TI, em 1998: um terreno do Ministério da Educação, adquirido para a construção de uma escola, e um segundo imóvel de posse de um antigo patriarca de uma das famílias kokama residente na área. Sua população hoje é de aproximadamente 500 pessoas. A TI foi declarada pelo Ministro da Justiça em 2000.
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Marco Temporal pode ser aprovado por Comissão de Agricultura do Senado
PL 2.903/2023 tem inúmeros retrocessos; análise do ISA aponta para inconstitucionalidade da proposta que ameaça povos indígenas e seus territórios
A votação pela Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado do Projeto de Lei do Marco Temporal (PL nº 2903/2023); numerado na Câmara como 490/2007, prevista para quarta-feira (16/08), foi adiada para a próxima semana. Se aprovado, o texto segue para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Aprovado pela Câmara dos Deputados no fim de maio, a proposta impõe uma série de retrocessos aos direitos indígenas. Além de estabelecer a tese do marco temporal, inviabilizando novas demarcações, o projeto viabiliza a exploração predatória dos recursos naturais nas Terras Indígenas (TIs); permite a instalação de empreendimentos com grandes impactos socioambientais nessas áreas; viola o direito à consulta prévia; e prevê a possibilidade de promover contatos forçados com indígenas isolados.
Em nota técnica divulgada hoje, o ISA aponta para a inconstitucionalidade da proposta e sugere sua rejeição pela comissão.
“A alteração promovida pelo PL é inconstitucional porque altera, por intermédio de Lei ordinária federal, texto expresso da Constituição", afirma a nota. De acordo com o documento, enviado à relatora na CRA, Soraya Thronicke (Podemos-MT), além de inviabilizar acordos internacionais e investimentos para o país, o PL pode “aumentar o desmatamento, as invasões de terras e a violência contra os indígenas, ante a expectativa de anulação dos processos de demarcação”.
Além disso, destaca o documento, o Congresso Nacional não promoveu consulta livre, prévia e informada sobre a medida legislativa, contrariando tratados internacionais ratificados pelo Brasil, como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). “Trata-se do direito fundamental dos povos indígenas de serem consultados pelo Estado todas as vezes que medidas administrativas ou legislativas possam afetá-los diretamente”, pontua a nota.
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No Acampamento Terra Livre de 2023, povos indígenas protestaram contra o marco temporal|Joédson Alves|Agência Brasil
Marco temporal
A tese do marco temporal determina que só teriam direito à terra os povos indígenas que estivessem em sua posse na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), desconsiderando o histórico de expulsões, remoções forçadas e violências cometidas contra essas populações, principalmente durante a Ditadura Militar.
O PL permite ainda que os interessados contestem as demarcações em todas as fases do procedimento. De acordo com a nota do ISA, “a possibilidade é inédita, visto que em todo e qualquer processo administrativo há regras, momentos e prazos para a contestação dos interessados”. "Permitir que o processo não tenha limite no prazo para a contestação tem como finalidade tumultuar e inviabilizar o término das demarcações", destaca Juliana de Paula Batista, advogada do ISA.
Hoje, a contestação pode ser feita por qualquer pessoa, desde a abertura do processo até 90 dias após a publicação do relatório de identificação elaborado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Depois, o processo segue para a declaração de limites do território pelo Ministério da Justiça. Há demarcações que arrastam-se por 20 ou 30 anos.
Indígenas isolados
O PL 2903 ameaça os povos indígenas que vivem em isolamento ao inaugurar uma política de contato forçado na hipótese de “ação estatal de utilidade pública”. Segundo a proposta, a competência para os contatos forçados seria de “agentes estatais”, intermediados por “empresas públicas ou privadas”, o que poderia incluir, inclusive, missões religiosas.
Desde o final dos anos 1980, a Funai estabeleceu que os grupos sem contato oficial com o Estado devem ter a opção de fazê-lo, no momento e na forma que acharem conveniente. Em contrapartida, o governo deve proteger seus territórios de invasores e da degradação ambiental.
Essas populações são extremamente vulneráveis a contatos imprevistos e conflitos, por não terem a mesma memória imunológica a doenças contagiosas comuns entre os não indígenas, como a gripe. Além disso, em geral, vivem em regiões remotas e de difícil acesso, o que pode inviabilizar atendimento médico emergencial. No passado, contatos forçados dizimaram grande parte de grupos inteiros em curto espaço de tempo. A possibilidade de encerramento da política de não contato preocupa organizações indígenas e da sociedade civil, que afirmam que essa é uma violação aos direitos dos isolados e um grande risco a suas vidas.
Reservas Indígenas
O PL abre caminho para que a administração federal anule parcial ou integralmente terras indígenas “Reservadas”, caso julgue que os indígenas perderam os seus traços culturais.
A “Reserva Indígena” é um tipo de TI estabelecida para assegurar a sobrevivência física e cultural de um povo indígena, mas onde não foi reconhecida, necessariamente, a ocupação tradicional conforme os conhecimentos técnicos antropológicos atuais. Isso acontece porque grande parte dessas áreas foi oficializada com base no Estatuto do Índio, de 1973. Portanto, muitas delas têm décadas de existência.
De acordo com o ISA, há hoje no país 66 áreas classificadas como áreas indígenas reservadas, com população de quase 70 mil pessoas.
“A retirada de terras por perda de traços culturais, além de ser arbitrária, confere ao Estado a prerrogativa de dizer quem é ou não indígena. Essa prerrogativa é dos próprios povos, que têm o direito fundamental de se autoidentificarem de maneira coletiva como distintos do restante da sociedade nacional. Além disso, a possibilidade poderá atualizar práticas como o integracionismo e o assimilacionismo cultural forçado, hoje vedadas pela Constituição e por tratados e declarações internacionais que estabelecem limites mínimos de dignidade e respeito para os povos indígenas”, afirma Batista.
Principais problemas do PL nº 2903
- Aplica que o “marco temporal” é um critério a ser observado a todas as demarcações de TIs, inviabilizando um procedimento já demorado;
- Estabelece que a demarcação seja contestada em todas as fases do processo administrativo, o que poderá inviabilizar sua finalização e causar tumulto processual;
- Autoriza a plantação de transgênicos em TIs, o que hoje é proibido e poderá gerar a contaminação de sementes e espécies crioulas e nativas, comprometendo a biodiversidade, o patrimônio genético e a segurança alimentar dos povos indígenas;
- Permite a retomada de "Reservas Indígenas" pela União a partir de critérios subjetivos;
- Permite a implantação nas TIs de “equipamentos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços públicos, especialmente os de saúde e educação” independentemente de consulta aos povos indígenas afetados;
- Põe fim à política de “não contato” com indígenas isolados. De acordo com o PL, o contato poderia ser feito com a finalidade de “intermediar ação estatal de interesse público”, por empresas públicas ou privadas, inclusive associações de missionários;
- Nas sobreposições entre territórios indígenas e Unidades de Conservação, o órgão ambiental responsável terá a prerrogativa de definir a gestão da área.
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Casa Civil bloqueia homologações de Terras Indígenas
O sócio fundador do ISA Márcio Santilli critica a demora do governo em esvaziar a gaveta deixada por Bolsonaro no Planalto com homologações de Terras Indígenas
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
Quarta-feira passada (9/8) foi o Dia Internacional dos Povos Indígenas e, também, o dia seguinte da “Cúpula da Amazônia”, que reuniu, em Belém, os chefes dos países da América do Sul que formam a Amazônia. Havia grande expectativa, no movimento indígena, na sociedade civil e no próprio governo, de que o presidente Lula assinasse os decretos de homologação de oito Terras Indígenas (TIs), já demarcadas fisicamente, cujos processos estavam engavetados desde o governo Bolsonaro.
A Constituição determina que a União demarque e proteja as TIs, o que foi descumprido pela gestão anterior. Lula prometeu retomar e concluir todos os processos demarcatórios pendentes. Quando assumiu, encontrou 14 deles apenas na gaveta do Palácio do Planalto. Seis foram homologados em abril, quando se disse, em relação aos outros oito, que ainda havia ajustes formais necessários e que a edição dos respectivos decretos ocorreria mais à frente.
Com as pendências resolvidas e o reenvio dos processos do Ministério da Justiça para a Casa Civil, esperava-se a publicação dos decretos o quanto antes. Nas últimas semanas, circulou a informação de que apenas duas homologações seriam anunciadas, por não haverem, nesses casos, manifestações em contrário. Afinal, nenhum decreto foi editado e o governo alegou que a coincidência da data com o final da cúpula tornava impróprios os anúncios.
Na verdade, imprópria é a vacilação da Casa Civil diante de manifestações extemporâneas contrárias a esses decretos. O receio é que ela signifique ignorância sobre o processo administrativo de demarcação. Por outro lado, põe em dúvida a vontade política do governo e o compromisso do presidente Lula para resolver, de uma vez por todas, as pendências ainda existentes sobre cerca de um terço das TIs com processos abertos na Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Diferente do que muitos pensam, não é o decreto de homologação que define os limites de uma TI. Ele é a penúltima etapa de um processo com várias fases e que começa com a criação, pela Funai, de um grupo de trabalho para elaborar o estudo de identificação. Cabe ao presidente do órgão indigenista aprová-lo ou não. Há prazos para a manifestação e contestações de interessados. Depois disso, o Ministério da Justiça aprova ou não os limites ou pode pedir novas diligências à Funai. Se aprovados esses limites, o órgão indigenista procede à sua demarcação física e digitalização. Só depois é realizada a homologação por meio de um decreto presidencial. Após esse passo, ocorre o registro da área no cartório de imóveis da comarca correspondente e na Secretaria de Patrimônio da União (SPU).
Vale lembrar que essas oito terras, assim como as outras seis que foram homologadas em abril, tiveram os seus limites definidos, há muitos anos, por portarias ministeriais. Além disso, recursos públicos significativos já foram investidos nos trabalhos de demarcação física e não há pendências administrativas ou decisões judiciais que impeçam as suas homologações.
Também vale lembrar que estamos discutindo, ainda, a gaveta de Jair Bolsonaro, o presidente mais anti-indígena de nossa história recente, e que há outras 240 áreas com processos abertos na Funai e tramitando em alguma instância do governo à espera de conclusão. Se o governo enrosca-se logo nas pendências herdadas de Bolsonaro, o que se pode esperar do processo como um todo?
O Planalto deveria saber que a definição de limites dessas terras antecedeu as demarcações. Outra pergunta impõe-se: vai sentar em cima dos processos ou devolvê-los à Funai a esta altura, prolongando conflitos e postergando soluções?
O presidente Lula precisa dar um jeito na situação, pois há comunidades envolvidas e tensões locais. A indefinição da Casa Civil afeta o discurso do presidente e pode até provocar uma crise de governo. É melhor desenroscar.
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