A Bacia do Rio Negro se estende pelos estados do Amazonas e de Roraima, no Brasil, e também avança pelos territórios vizinhos da Colômbia, Venezuela e Guiana. Na sua porção no Amazonas, a bacia é uma das regiões mais preservadas de todo o bioma amazônico, com biodiversidade incalculável. Por outro lado, a parte da bacia localizada em Roraima vem sofrendo grande degradação ambiental causada pelo garimpo ilegal de ouro, desmatamento e roubo de terra, ou "grilagem de terra".
Aproximadamente 68% da Bacia do Rio Negro no Brasil está formalmente protegida por um conjunto de unidades de conservação e terras indígenas legalmente reconhecidas. A diversidade cultural da região é enorme: ali vivem 45 povos indígenas e estão localizados dois patrimônios culturais do Brasil – a Cachoeira de Iauaretê e o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro – além do ponto mais alto do Brasil, o Pico da Neblina, lugar sagrado do povo Yanomami.
No Rio Negro, o ISA mantém trabalho de longo prazo e parceria institucional - que nos enche de orgulho - com associações indígenas e suas lideranças, entre elas a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), a Hutukara Associação Yanomami (HAY) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR).
Mantemos escritório e equipe na cidade de São Gabriel da Cachoeira (AM), considerado o município mais indígena do Brasil, localizado no Alto Rio Negro. De São Gabriel, também descemos com as águas do Negro para apoiar comunidades e associações indígenas dos municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, ambos no Amazonas. Em 2009, o ISA incorporou a organização Comissão Pró-Yanomami (CCPY), sua equipe e legado, abrindo escritório em Boa Vista (RR) e passando a atuar diretamente com o povo Yanomami e outros povos de Roraima.
Atualmente, o ISA atua na Bacia do Rio Negro com a promoção de processos formativos, articulando parcerias para a proteção dos territórios indígenas, valorização da diversidade socioambiental, segurança alimentar das comunidades, desenvolvimento de cadeias de valor da economia da floresta para geração de renda e produção de pesquisas interculturais que dêem visibilidade aos conhecimentos tradicionais e modos de vida das populações que, há muitos anos, mantém as florestas da região preservadas.
image_map
order
1
Galeria Pessoas
Galeria Imagem
ID Type
rio-negro
Youtube tag
#RioNegro
Minidoc 'Cura' registra como indígenas do Rio Negro combateram a pandemia
Filme relata as estratégias de enfrentamento à Covid-19 dos povos que vivem no Alto Rio Negro (AM), na Amazônia
“Neste mundo que vivemos, dentro da nossa terra, existem pessoas que benzem para o bem e para o mal.
Eles se chamam benzedores e kumuã (pajés) na nossa cultura.
Nossos sábios já preveem no destino das pessoas, quem ocupa o papel dos benzedores e pajés.
Assim, ao longo de suas vidas, eles são preparados para atuar e usar essa sabedoria.
Nossos avôs, nossos ancestrais, transmitiram a sabedoria para esses conhecedores.
E assim eles guardam com eles esses benzimentos que foram repassados pelos mais velhos.
Assim nós estamos vivendo nessa terra.
E enquanto estamos com vida nesse plano, a nossa morada é aqui com essa cultura.”
Nildo Fontes, povo Tukano
A narrativa acima – falada na língua Tukano, uma das línguas indígenas dos povos do Alto Rio Negro (AM), na Amazônia, e traduzida para o português – abre o minidocumentário Cura, que trata das práticas e estratégias utilizadas pelos indígenas no enfrentamento à Covid-19.
Dirigido pelo documentarista Christian Braga e pela jornalista Juliana Radler, analista de políticas socioambientais do Instituto Socioambiental (ISA), o filme foi lançado em fevereiro deste ano em São Gabriel da Cachoeira – onde foi filmado.
Em São Paulo, o lançamento será nesta sexta-feira (05/04), na loja Floresta no Centro, do ISA, e em 19 de Abril, Dia dos Povos Indígenas, em parceria com a Escola de Saúde Pública da USP. O filme traz narrativas e vivências de indígenas que atravessaram a pandemia e se fortaleceram mesmo enfrentando a precariedade das respostas oficiais.
Rituais, benzimentos, chás com plantas dos quintais e da floresta, sem dispensar a medicina não indígena e seus recursos, fizeram parte de um conjunto de práticas que, segundo os próprios indígenas e profissionais que trabalham junto a esses povos, salvaram vidas.
Além de ser um importante registro sobre o cenário pandêmico em uma das regiões mais preservadas da Amazônia e em áreas remotas da floresta, o documentário traz a reflexão sobre a necessidade do reconhecimento oficial da medicina indígena.
E propõe, inclusive, os meios para isso, com a criação de unidades que possam unir saberes. Também trata do efeito da exploração predatória do ambiente sobre a saúde do planeta.
As filmagens aconteceram no final de 2020, quando a primeira onda da Covid-19 arrefeceu na região, e tiveram início na comunidade Serra de Mucura, no Rio Tiquié, na Bacia do Rio Negro.
Quem nos conta a maior parte da história é a liderança indígena Nildo Fontes, do povo Tukano, vice-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). A narrativa é complementada pelo antropólogo e assessor do ISA, Dagoberto Azevedo, do povo Tukano, falecido em 2023 e homenageado no documentário.
O filme contou com o conselho editorial formado pelo antropólogo do ISA, Aloisio Cabalzar, Dagoberto Azevedo, Nildo Fontes e Juliana Radler e foi realizado em parceria pelo ISA e Foirn.
Assista ao filme!
Ficha técnica
Direção: Christian Braga e Juliana Radler
Roteiro: Christian Braga
Produção: Juliana Radler
Assistentes de produção: Paulo Desana e Mauro Pedrosa Tukano
Fotografia: Christian Braga
Assistente de fotografia: Paulo Desana
Imagens de apoio: Greenpeace Brasil
Montagem: Fred Siewerdt e Christian Braga
Finalização: Christian Braga
Animação: Brunno Lobato
Entrevistas: Juliana Radler
Tradução/transcrição: Akira Oettinger
Conselho editorial: Aloisio Cabalzar, Dagoberto Azevedo Tukano, Juliana Radler e Nildo Fontes Tukano
Tradução (Tukano-Português) – Dagoberto Azevedo Tukano
Narração de Nildo Damião - defumação no Serra de Mucura no encontro de conhecedores
Serviço
Lançamento Especial Memoráveis
Loja Floresta no Centro (ISA)
Data: 05/04, às 19h
Endereço: Av. São Luiz, 187 - Galeria Metrópole - Centro Histórico de São Paulo / SP
*Roda de conversa com a socióloga e liderança Elizângela Costa, povo Baré, e com o antropólogo Aloisio Cabalzar.
Faculdade de Saúde Pública da USP
Data: 19/04 - Dia dos Povos Indígenas, às 16h
Endereço: Anfiteatro Paula Souza - Rua Dr. Arnaldo, 715 - São Paulo / SP
*Roda de conversa com a antropóloga e liderança Francy Baniwa e com a socióloga e liderança Elizângela Costa, povo Baré.
Imagem pajé Pajé Jairo Villegas, ao lado de Damião Amaral, em ritual de proteção contra a Covid-19 durante o encontro de conhecedores|Ana Amélia Hamdan/ISA
Solidariedade e plantas do quintal e da floresta estão nas receitas de chás da conhecedora Jacinta Sampaio, do povo Tukano
Ipadu, pó usado nos rituais do Alto Rio Negro|Ana Amélia Hamdan/ISA
Insumos chegam ao aeroporto de São Gabriel da Cachoeira, transportados pelo Greenpeace|Marcos Amend/Greenpeace
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Megaincêndios em florestas de Roraima podem causar desastre ambiental
Áreas afetadas por incêndios tornam-se menos úmidas e nascentes devem produzir menos água que chegaria aos rios nos próximos anos
Focos de incêndio na Terra Indígena Serra da Lua, em Roraima, em imagens feitas em fevereiro de 2024 |Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Áreas de florestas e serras em Roraima estão sendo afetadas por megaincêndios - fogo de grandes proporções, com larga quilometragem e com impactos econômicos, ambientais e sociais, incluindo a saúde pública. A situação pode ser considerada um desastre ambiental em andamento e suas consequências podem alterar ecossistemas no estado com florestas úmidas tornando-se cada vez mais secas e prejudicando até a sobrevivência da fauna.
Conforme Haron Xaud, doutor em sensoriamento remoto e pesquisador na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e professor da Pós-graduação em Recursos Naturais da UFRR, à medida que as áreas são repetidamente afetadas por incêndios, elas se degradam e podem afetar até mesmo nascentes de água de Roraima.
Xaud explica que os serviços ambientais ficam cada vez mais negativamente impactados: biodiversidade, proteção do solo, geração de água etc. “As serras de Roraima, principalmente as de cobertura vegetal florestal, têm muitas nascentes de água que dependem da vegetação estar saudável e conservada. Se você tem uma intensa mudança degenerativa na vegetação, para uma mesma quantidade de chuva que caia, você vai ter mudanças na capacidade de captação, infiltração, velocidade de passagem da água pelas bacias hidrográficas afetadas”.
Conforme o especialista, a consequência esperada é que o estado sofra com crises hídricas mais intensas em períodos mais curtos, com extremos mais intensos tanto para épocas de cheias, quanto para épocas de secas.
“A degradação contínua da cobertura vegetal, principalmente em relevos mais inclinados, tende a aumentar ainda a erosão dos solos mobilizando sedimentos para os rios tributários e para os grandes rios de Roraima, o que potencializará também estes períodos de cheias e de estiagem, e o resultado de médio e longo prazos vai ser percebido nos diversos rios, inclusive no rio Branco”, resume.
Imagem
Secas severas geram impacto direto no nível do Rio Branco, principal rio abastecedor de água do Estado de Roraima|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Roraima enfrenta uma severa estiagem, intensificada pelo El Niño, e o Rio Branco, seu principal abastecedor de água potável, chegou ao nível negativo de -0,39m, se aproximando do ponto mais baixo de sua história. Conforme a Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (Caer), a situação compromete em 30% o abastecimento da capital, Boa Vista, enquanto em Mucajaí o comprometimento do serviço já chega a 70%.
Em sua pesquisa de doutorado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Xaud analisou 50 parcelas em áreas de floresta em Roraima. De 1997 a 2010, ele monitorou a quantidade de incêndios e como eles modificavam áreas monitoradas, considerando cinco cenários: florestas não atingidas por fogo, atingidas uma vez com baixo impacto, atingidas uma vez com alto impacto, atingidas duas vezes e atingidas três vezes. Leia o trabalho aqui.
“Existe uma progressão da degradação quanto maior for a recorrência. Observei o aumento de determinadas espécies de plantas que ocorrem tipicamente em florestas secundárias, que não são comuns para florestas conservadas. À medida que há um incêndio, começa a haver alteração da biodiversidade e há maior ocorrência de indivíduos que são considerados de florestas perturbadas”, explica sobre as mudanças.
Ainda conforme Xaud, as espécies que ocupam os espaços após o fogo podem ser chamadas de pioneiras. Elas têm funções importantes na recuperação dos ecossistemas pois permitem que a vegetação original destas áreas, que depende de mais sombra e umidade, chamadas de espécies clímaxes, retornem aos poucos.
No entanto, quanto mais afetadas pelo fogo, mais as florestas se modificam, pois perdem biomassa e estatura, assim o sol direto e ventos adentram mais e deixam o local mais quente e mais seco, o que por sua vez, torna as áreas menos adequadas para as espécies que são comuns a ambientes úmidos e mais propício para as pioneiras, como a embaúba.
“Muda toda a biodiversidade, toda a composição da floresta. Espécies que eram típicas são substituídas por outras. A alta biodiversidade de florestas tropicais é simplificada, reduzida, passando a apresentar maior homogeneização de espécies em áreas muito impactadas com incêndios”, afirma Xaud.
O especialista explica que com todas essas mudanças, também é perdida a volumetria em madeira de espécies de maior valor econômico e ocorre grande emissão de carbono para a atmosfera. Além disso, a cada novo evento, a área se torna mais vulnerável a novos incêndios.
“Algumas espécies rasteiras invasoras, como capins, começam a tomar conta da parte rasteira sendo mais aptas a queimar, mais rápido e mais intensamente. Dessa forma, toda a floresta se torna progressivamente mais vulnerável ao fogo”, detalha.
Não só a vegetação é impactada, como a fauna também. De acordo com o pesquisador, outras pesquisas na Amazônia revelam que desde invertebrados a grandes mamíferos, todos são afetados de diferentes formas. De uma forma geral, quanto mais próximas ao topo da cadeia alimentar, mais prejudicadas pela situação é a espécie animal, com tendência a terem dificuldades para se alimentar e reproduzir.
Megaincêndios e fome na Terra Indígena Yanomami
Roraima acumula 3.973 focos de calor em 2024. O Estado é o líder nacional com acúmulo de 28.3% do total de focos de calor do país. Em fevereiro, houve recorde histórico de 2.057. Em março, já foram registrados 1.312 e em janeiro, 604.
A capital Boa Vista atingiu um nível de poluição do ar considerado perigoso neste domingo (24), conforme o monitor de qualidade do ar Gaia. O nível de partículas PM2,5 - um dos poluentes atmosféricos mais nocivos - chegou a 414. Conforme Xaud, é o pior índice já registrado na história de Boa Vista.
Imagem
Céu de Boa Vista, em Roraima, coberto por fumaça em trecho às margens da BR-174 no sentido de Manaus (AM)|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Segundo Ciro Campos, analista do Instituto Socioambiental (ISA) em Roraima, ainda é cedo para comparar a situação com o megaincêndio de 1998, que foi uma tragédia ambiental sem precedentes. No entanto, ele acredita que o problema ainda pode aumentar muito se a estiagem se prolongar durante o mês de abril.
"Do jeito que a vegetação está seca e os ventos estão fortes, se não chover logo, podemos novamente ter um cenário de desastre em Roraima", alerta.
Duas Florestas Nacionais (Flonas) no estado, Anauá e Roraima, estão sofrendo com megaincêndios, e o fogo também já se aproxima da Flona Parima. A Flona Roraima começou a queimar em 05 de fevereiro e em cerca de um mês o fogo atingiu 30 km de norte a sul e 13 km de leste a oeste. Enquanto a Flona Anauá iniciou incêndio em 04 de março e em cerca de uma semana teve 14 a 15 km de área queimada em orientação norte a sul.
“O que caracteriza um megaincêndio é uma série de coisas, como impacto econômico, impactos ambientais, dimensão em área dos incêndios, importância das áreas incendiadas e as populações que são atingidas. São vários fatores de análise para podermos dizer que estamos diante de megaincêndios. Eles têm danos que chegam a ser irreversíveis”, principalmente, se houver recorrência nos próximos anos, explica Xaud.
Hutukara Associação Yanomami denuncia impactos da seca na Terra Indígena Yanomami:
Na Terra Indígena Yanomami, uma das grandes frentes de incêndio começou em 09 de fevereiro próximo às áreas incendiadas na Flona Roraima e se expandiu rapidamente em todas as direções, chegando a atingir nos primeiros 30 dias cerca de 32 km de extensão na direção norte sul e cerca de 17 km na direção Leste-Oeste. As frentes de incêndio da Flona Roraima e da TI Yanomami desta região, acabaram se encontrando e continuam ativas até o momento.
Conforme o monitoramento de Xaud, outra importante área afetada na Terra Indígena Yanomami está na região da Missão Catrimani, que começou a queimar mais tarde, mas se mantém ativa ainda até o momento.
As associações Hutukara Yanomami (HAY) e Wanasseduume Ye’kwana (Seduume) enviaram um ofício sobre alerta de insegurança alimentar causada pelo fogo em três regiões às autoridades em 19 de março. Conforme o documento, os incêndios seguem destruindo roças e as poucas plantações que sobram acabam atacadas por pragas.
Duas regiões já haviam relatado problemas causados por fogo em fevereiro através do Sistema de Monitoramento da Terra Indígena Yanomami. Neste mês, moradores do Apiaú usaram a ferramenta para pedir cestas básicas, pois a perda das roças resultou em estado de escassez e fome na região.
Imagem
Incêndios afetam produção em Waikas, na Terra Indígena Yanomami|Seduume
Imagem
Plantações de indígenas Ye'kwana em Waikas destruídas pelo fogo|Seduume
Em Waikás, as comunidades tentaram deter o fogo sem sucesso e quatro roçados foram destruídos. As chamas também atingiram o plantio de cacau de três anos, que faz parte de um projeto de comercialização das amêndoas para produção do Chocolate Yanomami, resultando em prejuízo à economia da região.
A região da Missão Catrimani sofre com um dos quadros mais críticos: quase todos os roçados foram destruídos, mais duas casas foram queimadas em março e as plantações restantes sofrem ataques de lagartas.
Para Estêvão Benfica Senra, geógrafo e analista do ISA, o manejo de fogo para renovação de pastagem tem ligação direta com as chamas que atingem o território Yanomami. Ele afirma, ainda, que a ação humana com o fogo também é feita para expansão de pastagem nestas áreas.
“Existe uma maior concentração de focos de calor nas áreas dos assentamentos e na zona de transição floresta-lavrado, onde está o limite leste da Terra Indígena Yanomami. O Apiaú, por exemplo, está em uma área de expansão da fronteira agrícola, onde o fogo é utilizado para renovação da pastagem, limpeza do terreno e grilagem de terra”, diz.
Ele conta que a região já sofreu com incêndios diversas vezes e o fogo se repete todas as vezes em que o El Niño se manifesta. A situação empobrece a vegetação a cada nova queimada e fica mais suscetível a queimar de forma descontrolada durante as tentativas de limpeza.
“A ocupação de áreas de floresta para uso agropecuário, na borda da terra indígena, aumentou muito desde o megaincêndio de 1998, assim como aumentou o desmatamento e o uso do fogo para formação de roçados e pastagens. Este cenário de expansão desordenada da fronteira agrícola, aliado à uma seca extrema, criou as condições para o surgimento de incêndios ao longo de uma faixa de centenas de quilômetros, de controle difícil e consequências imprevisíveis”, complementa Ciro Campos.
O ISA apoia as organizações da Terra Indígena Yanomami com o monitoramento dos focos de calor e a qualificação de informações territoriais sobre os impactos dos incêndios nas comunidades, além de realizar doações de alimentos e materiais diversos (redes, roupas, panelas, ferramentas agrícolas, etc.) para as famílias afetadas nas regiões do Médio Catrimani e Apiaú.
Imagem
Serra Grande e reflorestamento
Com uma distância aproximada de 60 km da capital Boa Vista, a Serra Grande é um dos principais pontos de ecoturismo de Roraima. Localizada no município do Cantá, esta serra tem 850m de altura e seu cenário mescla a floresta amazônica com o lavrado roraimense em áreas próximas. No entanto, a diversidade que encanta os turistas está ameaçada de profunda mudança em razão do fogo.
“A própria Serra Grande, não é a primeira vez que está incendiando, ela já incendiou outras partes e nesse histórico que vemos hoje, dela estar sendo incendiada em todos os lados de forma crescente, a mudança vai ser maior. Se temos áreas repetidamente incendiadas nas serras, que não foram mapeadas em detalhes, isso vai ter todos os impactos já mencionados na flora, na fauna e nas nascentes, além de eminente efeito de queda de árvores, que ficarão mais vulneráveis à erosão e desestruturação de encostas nos períodos de chuvas”, explica Xaud.
Conforme o pesquisador, a atual situação vai exigir forte mobilização em restauração florestal a fim de recuperar a complexidade vegetal da Serra Grande e das demais serras. “Isso é um ponto crucial. O fogo da forma que está hoje vai exigir das instituições um intenso programa para restauração destas áreas de forma acelerada, senão elas não vão conseguir se recuperar”.
Rede de Sementes em Roraima
O ISA implementou a iniciativa da Rede de Sementes em Roraima neste ano. O objetivo do projeto é coletar vários tipos de sementes nativas, fazer uma muvuca (mistura das sementes) e promover a restauração ecológica em áreas degradadas.
Segundo Emerson da Silva Cadete, biólogo e técnico responsável pela Rede de Sementes no estado, os povos da Terra Indígena Serra da Lua devem ser os primeiros parceiros para as coletas. Inicialmente, a muvuca será usada para reflorestar áreas indicadas pelos próprios indígenas no território.
“Estamos em um processo de ajuda às comunidades que participam deste processo por conta das queimadas. Se queimar toda a floresta não tem sementes e se não tem sementes, não tem restauração”, afirma Cadete.
Imagem
Imagens de sobrevoo na Terra Indígena Serra da Lua, em Roraima, em fevereiro de 2024|Conselho Indígena de Roraima (CIR)
Para apoiar comunidades indígenas da Região Serra da Lua no combate aos incêndios florestais e à seca, o ISA faz doações de alimentos, combustível e ferramentas (bombas costais, terçados, luvas, óculos de proteção, perneiras entre outros).
Os próximos passos da Rede de Sementes em Roraima envolvem o diálogo com governos federal e estadual, prefeituras, agricultores e fazendeiros para a restauração ecológica em outras áreas afetadas pelo fogo, como a Serra Grande, ou que tenham sofrido com outro tipo de degradação no Estado.
“Vamos buscar compradores, que podem ser pessoas do governo para atingir o objetivo de restaurar áreas de proteção e reservas legais. Também faremos isso com donos de lotes, produtores rurais e donos de fazenda, pois são obrigados por lei a restaurarem se ultrapassarem áreas de reserva legal.
Cadete explica que o diferencial da Rede de Sementes para outras formas de restauração é a simplificação do processo, pois existe menor demanda de trabalho, como a preparação do solo, mas a dispersão de sementes é mais fácil. Além disso, o projeto gera renda para as comunidades de coletores que vendem as sementes para outros atores que necessitam fazer a restauração.
Para Xaud, aliar todas as instituições e seu conhecimento sobre os impactos dos incêndios florestais em Roraima, bem como sua prevenção e controle, em articulação com as ações de redes de sementes e programas de restauração florestal, será de suma importância para todas as dimensões de ações de conservação e desenvolvimento do estado de Roraima, uma vez que em todas as atividades produtivas e de qualidade de vida das populações, os recursos naturais e, em especial a água, só se manterão disponíveis nos atuais níveis tanto no meio ambiente e quanto para nosso uso, caso haja efetivo controle destes grandes desastres ambientais, cada vez mais intensos e frequentes.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
'Roraima está queimando': recorde de calor gera incêndios em Terras Indígenas e deixa capital coberta pela fumaça
Edinho Batista, coordenador do Conselho Indígena de Roraima, alertou para os graves problemas gerados pela forte estiagem no Estado
Área de mata destruída pelo fogo às margens da BR-174 no sentido de Manaus|Lucas Silva/Platô Filmes/ISA
Roraima, o Estado mais ao norte do Brasil, bateu recorde histórico de focos de calor em fevereiro, com 2057 registros. No mesmo mês, o Rio Branco, seu principal abastecedor de água potável, chegou ao nível negativo de -0,15m.
Enquanto os não indígenas seguem a rotina na capital Boa Vista - coberta por fumaça desde meados de fevereiro - os Yanomami, Macuxi, Wapichana e povos de outras etnias vêem suas casas e roças serem destruídas por incêndios e, em quatro municípios, comunidades indígenas têm à disposição para beber água que mais parece lama.
Para a Defesa Civil, a situação deve se estender por cerca de mais 60 dias, quando há a previsão do inverno começar no estado. Durante os próximos dois meses, a densidade de fumaça deve aumentar, assim como a quantidade de focos de calor e incêndios, que na avaliação do Corpo de Bombeiros são causados em 100% dos casos pela ação humana.
“A certeza que temos é que Roraima está queimando, Roraima está pegando fogo”, diz Edinho Batista, coordenador do Conselho Indígena de Roraima, sobre a situação do Estado que enfrenta uma severa estiagem intensificada pelo fenômeno El Niño, conforme relatório da Defesa Civil.
“Sabemos que 90% da população depende da água do Rio Branco e sabemos que essas pessoas precisam olhar para isso como uma consequência dos impactos da soja, do garimpo e grandes empreendimentos. Isso tem afetado a todos nós. Precisamos acordar, porque se continuar com falta de água, fumaça e incêndios, não é só o indígena que vai morrer, vai morrer todo mundo”, ponderou Batista.
Conforme monitoramento da Companhia de Águas e Esgotos de Roraima (CAER), o Rio Branco começou fevereiro com o nível de 0,20m e às 15h do dia 15 atingiu o nível negativo pela primeira vez no ano. Ao fim do mês, o nível estava em -0,15m.
Imagem
Boa Vista coberta por fumaça e nível das águas negativo no Parque do Rio Branco|Lucas Silva/Platô Filmes/ISA
Quando Edinho foi entrevistado, em 27 de fevereiro, relatou que cerca de 50 mil indígenas que vivem em comunidades estavam sem água potável porque 50 poços artesianos já haviam secado. No entanto, ele deixou o alerta de que até, a publicação desta reportagem, o número aumentaria. Para estas pessoas terem acesso a água é preciso caminhar 5km e até escolas indígenas ficaram desabastecidas.
“Não queremos revoltar as pessoas, mas sensibilizar sobre qualidade de vida que não se dá só no mundo material, mas também no espiritual. É preciso entender que a água, as plantas, os animais e as pessoas são importantes e a vida não pode ser colocada abaixo do mercado. O capitalismo influencia as pessoas a se contentarem com que recebem e não com o que têm e ficará para o futuro”, refletiu o coordenador do CIR.
Em quatro municípios, há comunidades indígenas bebendo água sem tratamento que pode ser comparada à lama, conforme o Diretor Executivo de Proteção e Defesa Civil, Coronel Cleudiomar Ferreira. Ele afirma que existe um esforço das prefeituras na distribuição de água, mas que não há garantia de que haja tratamento adequado, apenas que é menos prejudicial que a água suja de pequenos riachos.
“Nos municípios de Amajari, Pacaraima, Uiramutã e Normandia as comunidades indígenas estão bebendo lama, uma água de riacho sem tratamento e por não saberem da gravidade estão fazendo isso há muito tempo e durante a estiagem isso se agrava”, declarou Cleudiomar.
As queimadas e escassez de água atingem diversas regiões como Raposa Serra do Sol, Serra da Lua e São Marcos. Além de também ter chegado a Terra Indígena Yanomami, onde há relatos de crianças e idosos prejudicados pela fumaça, além de casas e roças destruídas por incêndios e falta de água potável.
Imagem
Bodó morto pela seca do rio. Peixe faz parte da alimentação de indígenas e ribeirinhos da Amazônia|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Imagem
Estiagem no Rio Branco expôs base de pilares, antes submersos, na Orla Taumanan|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Rotina na fumaça
A contadora Márcia Iully sai da casa para o trabalho, em uma rota de 9,6km, e diz que tem a impressão de que Boa Vista está sob uma neblina. Não fossem pelos sintomas de rápido cansaço e dificuldade para respirar, ela poderia ser enganada pela fumaça.
Como trabalha em uma sala fechada com ar-condicionado, Márcia quase chega a esquecer do intenso calor, da fumaça e da fuligem por algumas horas, mas basta cruzar a porta de saída do trabalho e é lembrada da real situação de Boa Vista.
Na primeira noite em que percebeu o excesso de fumaça, em 20 de fevereiro, pensou que a casa dela havia queimado. “Eu cheguei do trabalho, desci do carro e pensei: ‘minha casa pegou fogo’. Eu saí correndo e dei voltas pelo terreno para tentar entender de onde o fogo vinha, até que percebi que não era minha casa. Depois soube que houve alguns incêndios e que há queimadas no estado”, relatou.
Todos os 51 bairros da capital de Roraima estão tomados por fumaça, fuligem e cheiro de queimado há mais de uma semana. Boa Vista também é o 9º município com mais focos de calor em todo o Brasil neste ano. Outras oito cidades do estado integram o top 10, conforme o monitoramento do Programa Queimadas do do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
Imagem
Desde que 2024 começou, Roraima já registrou 2661 focos de calor, liderando o ranking nacional com quase o dobro de Mato Grosso do Sul, que ocupa a segunda posição com 1710 focos de calor. Do total de focos deste ano em Roraima, 2057 foram apenas em fevereiro, chegando a um recorde histórico desde que o monitoramento do Inpe começou em 1998. O maior número para o mês pertencia ao ano de 2007, quando houve 1.347 registros.
“A diferença do foco de calor para o incêndio é que o foco é o momento que o satélite passa e identifica a alta temperatura, pode ser só algo que tenha passado ou uma chama que tocou e apagou imediatamente, mas podemos dizer que 90% é fogo”, explica o Coronel Cleudiomar.
Ainda conforme Cleudiomar, todos os incêndios no Estado são resultados de ações humanas – seja com ou sem intenção. Ele exemplifica com caminhões que soltam faíscas pelo escapamento (involuntário) e limpezas de roças e terrenos (voluntários), sendo este último o que representa o maior número de casos.
“Não existe incêndio espontâneo, é muito difícil. A causa disso que estamos vivendo é 100% de ação humana. Também está em investigação os incêndios criminosos de pessoas que colocam fogo propositalmente e fogem do cenário, mas o mais comum são queimas de roças por agricultores e em nível menor em comunidades indígenas”, afirma.
Imagem
Roraima lidera o ranking nacional de focos de calor por município, com 2661 registros |Lucas Silva/Platô Filmes/ISA
Para lidar com a situação, o governo de Roraima decretou situação de emergência no dia 24 de fevereiro em nove dos 14 municípios do Estado após recomendação da Defesa Civil em um parecer técnico que afirma que Roraima enfrenta escassez de água, prejuízos à agricultura e pecuária, incêndios florestais e problemas de saúde como impactos negativos da estiagem. O que caracteriza uma situação de desastre nível II.
Apesar do alto número de focos de calor, Boa Vista não entrou na lista de emergência do governo estadual. Os municípios em situação de emergência decretada, que agora possuem dispensa de licitação para compras e contratações relacionadas a situação climática do estado, são:
Amajari;
Alto Alegre;
Cantá;
Caracaraí;
Iracema;
Mucajaí;
Pacaraima;
Normandia;
Uiramutã.
Conforme a Defesa Civil, a estiagem está atrelada ao El Niño, fenômeno associado ao aquecimento das águas do Oceano Pacífico. Ainda conforme a Defesa, uma longa faixa de águas quentes pôde ser observada no Oceano Pacífico Equatorial a partir de junho de 2023.
A Defesa diz ainda que os efeitos foram intensificados a partir de setembro “culminado na configuração de uma forte estiagem, o qual tem desencadeado uma série de repercussões adversas tanto para as comunidades, quanto para os ecossistemas”.
Segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), o sul de Roraima pode ter chuvas de até 50mm acompanhadas de raios, rajadas de ventos e trovoadas de 26 de fevereiro até 04 de março. Com as chuvas no Amazonas, o Rio Uraricoera foi beneficiado e a Defesa Civil espera que parte desta água eleve o nível do Rio Branco.
Caminho da fumaça
É do Nordeste para o Sudoeste por onde os ventos sopram predominantemente em Roraima. Dessa forma, o que queima em Amajari e ao Norte de Alto Alegre, joga fumaça para dentro da Terra Indígena Yanomami.
Os incêndios em Mucajaí, cidade também coberta por fumaça segundo a Defesa Civil, sopram consequências para a calha do Rio Negro, incluindo a região do Demini, que é a casa do xamã e liderança Davi Kopenawa na Terra Indígena Yanomami.
Já Boa Vista está coberta principalmente por fumaça produzida na própria capital, mas também recebe dos municípios em seu entorno como Cantá, Bonfim e Normandia – sendo este último com uma influência muito fraca.
“Não tem o que fazer, só aguardar. A fumaça persiste até três ou quatro dias após o combate aos incêndios dos Bombeiros. A incidência de fumaça vai crescer até que o inverno comece”, disse o Coronel Cleudiomar acrescentando que o inverno deve começar em cerca de 60 dias.
Fogo destrói casas e roças na Terra Yanomami
Áreas de florestas vitais da Terra Indígena Yanomami têm sido atingidas por incêndios que estão destruindo casas comunitárias e roçados dos indígenas. O Sistema de Monitoramento da Hutukara Associação Yanomami (HAY) recebeu dois relatos das regiões Missão Catrimani e Apiaú em fevereiro.
Moradores de Apiaú relataram que o fogo começou em uma região externa da Terra Indígena Yanomami, em locais onde existem fazendas para criação de gado. Ao adentrar no território indígena, o fogo atingiu áreas de floresta vitais para a economia das comunidades.
Já na região da Missão Catrimani, os moradores relatam que a casa comunitária de Manopi e Bacabal foi destruída após uma queima de roças, iniciada em 19 de fevereiro, sair do controle. Redes e outros objetos pessoais também foram destruídos após as lideranças tentarem apagar o fogo sem sucesso. As lideranças relatam ainda que quase todas as 22 comunidades da região estão com seus roçados queimados.
Em ambas as regiões, houve queixa de problemas respiratórios causados pela fumaça, principalmente em crianças e idosos. A severa estiagem em Roraima também é percebida pelos Yanomami, que relatam falta de acesso à água potável após rebaixamento do nível do Rio de Apiaú.
Na região de Waikas, onde vive o povo Ye’kwana, uma roça de cacau, que seria usada na produção do chocolate yanomami deste ano, também foi atingida e destruída por um incêndio.
Imagem
Roça de cacau destruída pelo fogo na região de Waikas, Terra Indígena Yanomami|Hutukara Associação Yanomami
Para controlar a situação e apoiar as comunidades, a Hutukara pediu em ofício enviado à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) que:
- Sejam acionadas as brigadas de incêndio com urgência;
- Que o Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY) recupere os sistemas de abastecimento de água das comunidades Serrinha, Hatyanai e Natureza em Apiaú;
- Um planejamento de oficinas sobre boas práticas de manejo de fogo para as comunidades;
- Que o DSEI-YY redobre as ações de vigilância nutricional e de prevenção e tratamento de doenças respiratórias.
Ajude as comunidades indígenas de Roraima
Casas também foram destruídas por incêndios que atingiram a mata da Terra Indígena São Marcos, em Pacaraima. Em um vídeo gravado pelos moradores e divulgado pelo Conselho Indígena de Roraima, uma família deixa a residência enquanto é alertada para salvar apenas os próprios documentos.
“Hoje, em Normandia e Pacaraima, temos bastante comunidades que estão sendo afetadas pelo fogo. Deixamos uma orientação para a população em geral: antes de fazer algum tipo de queimada, seja de roçado ou lixo de residência, ou até se for jogar um cigarro em beira de estrada, para que tenha a consciência de que não fazer isso durante este período, pois sabemos que está bastante seco e você pode estar contribuindo para ter mais focos de incêndios”, orientou O coordenador de campo das Brigadas Comunitárias, Jabson Nagelo Macuxi.
Para apoiar as comunidades afetadas, o CIR mobiliza esforços e pede doações que serão direcionadas a ajudar as famílias prejudicadas pelos incêndios. Saiba como doar AQUI.
Através do projeto de Produção de sementes nativas e restauração ecológica em Roraima, o Instituto Socioambiental (ISA) apoia comunidades indígenas da Região Serra da Lua no combate a incêndios florestais e à seca com doações de alimentação, combustível e ferramentas (bombas costais, terçados, luvas, óculos de proteção, perneiras entre outros).
Com três brigadas comunitárias geridas pelo CIR, o Instituto apoia desde 2019 com materiais de consumo, equipamentos, apoios locais e fardamento. O trabalho envolve 36 brigadistas de 8 terras indígenas em Roraima. Eles são formados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovavéis (Ibama) em parceria com o CIR.
O ISA também apoia as organizações da Terra Indígena Yanomami com o monitoramento dos focos de calor e a qualificação de informações territoriais sobre os impactos dos incêndios nas comunidades, além de realizar doações de alimentos e materiais diversos (redes, roupas, panelas, ferramentas agrícolas, etc.) para as famílias afetadas nas regiões do Médio Catrimani e Apiaú.
Rio Branco é o principal abastecedor de água potável de Roraima|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Fogo atingiu área de mata às margens da BR-174|Stephanie Vieira/Platô Filmes/ISA
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Posse de novo bispo de São Gabriel da Cachoeira (AM) tem ritos católicos e indígenas
Antecessor, Dom Edson Damian passa a ser bispo emérito; em entrevista ao ISA, ele relembra viagens às comunidades e encontros com papas
Marivelton Baré, ao lado da esposa Rosane Cruz, povo Piratapuya, e da filha, entregou colar de proteção e cocar a dom Vanthuy|Ana Amélia Hamdan/ISA
Em uma cerimônia que reuniu ritos católicos e rituais indígenas, o bispo Dom Raimundo Vanthuy Neto assumiu em 11 de fevereiro a Diocese de São Gabriel da Cachoeira (AM). O bispo Dom Edson Damian, que esteve à frente da Diocese por 15 anos, fez a passagem na presença do cardeal dom Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus.
O diretor-presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, do povo Baré, colocou um cocar no novo bispo.
A cerimônia aconteceu no ginásio Arnaldo Coimbra e reuniu religiosos, instituições e representantes de paróquias de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. As danças e rituais indígenas na cerimônia foram o Carriçu, Mauako e Japurutu, além da defumação.
Dom Edson Damian apresentou sua renúncia ao Papa Francisco ao completar 75 anos de idade, dando início ao processo para indicação de um novo religioso. Dom Vanthuy foi escolhido e ordenado bispo em 4 de fevereiro deste ano, em Roraima, onde atuava.
Com grande emoção, ele apresentou a família e contou que os pais são migrantes nordestinos que se mudaram para Roraima na busca por uma melhor condição de vida.
Imagem
Dom Vanthuy apresentou os pais Manoel e Vicência e contou a trajetória da família, que migrou do Nordeste em busca de melhores condições de vida|Ana Amélia Hamdan/ISA
O novo bispo nasceu em 10 de maio de 1973 em Pau dos Ferros, Rio Grande do Norte. Começou a sua formação no Seminário São José de Manaus em 1991, sendo ordenado diácono em 11 de julho de 1999 e presbítero da Diocese de Roraima em 2001.
Foi diretor e professor do Instituto de Teologia, Pastoral e Ensino Superior da Amazônia, atualmente Faculdade Católica do Amazonas, e colabora com os estudos sobre o Cristianismo e Povos Indígenas na Amazônia.
Com o lema “Servir na caridade e na esperança”, Dom Vanthuy escolheu celebrar a missa descalço. Ele pediu aos povos indígenas que ensinassem a ele sua coragem, lembrando a persistência e a resistência frente às pressões da colonização. “É um povo subversivo, que enfrentou o processo de colonização. E, resguardando suas línguas indígenas, dizem: ‘continuamos indígenas’”, disse. “A esperança tem outro nome, que é a coragem”, completou.
Imagem
Rituais indígenas fizeram parte da cerimônia realizada no Ginásio Arnaldo Coimbra|Ana Amélia Hamdan/ISA
Imagem
Na cerimônia Dabucuri, os indígenas oferecem alimentos e presentes em forma de agradecimento e acolhida|Ana Amélia Hamdan/ISA
Dom Vanthuy falou da preocupação com o alcoolismo, um dos principais problemas enfrentados pelos povos indígenas do Médio e Alto Rio Negro e se dirigiu às instituições pedindo para que haja união de esforços no enfrentamento à questão.
Gilce Guilherme França, professora do povo Baré, participou da cerimônia e ofereceu a Dom Vanthuy uma peneira de arumã com contornos do rosto do novo bispo e um cálice em madeira da floresta.
“Ele mostrou essa preocupação com a ecologia e com a casa comum, que é o nosso território. Mostrou humildade com os povos indígenas. Também mostrou preocupação com o alcoolismo, que é um problema grande nas cidades e nas nossas comunidades. Está sendo acolhido pelos povos do Rio Negro”, disse.
Além do diretor-presidente da Foirn, participaram da celebração representantes de outras instituições, como a coordenadora da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Regional Rio Negro, Dadá Baniwa; o coordenador do Distrito Sanitário Especial do Alto Rio Negro (DSEI-ARN), Luiz Brasão; o diretor do Instituto Federal do Amazonas - Campus São Gabriel da Cachoeira, Renato Valadares; Instituto Socioambiental (ISA) e Exército.
Durante sua atuação em São Gabriel da Cachoeira, dom Edson Damian esteve aberto ao diálogo interinstitucional, com parceria e colaboração constantes em encontros e debates realizados na FOIRN e no ISA.
Em seu site, a FOIRN informa que a presença de Marivelton Baré na cerimônia destaca a importância do diálogo e cooperação entre diferentes instituições e grupos sociais para a promoção da paz e da harmonia na sociedade.
Imagem
Marivelton Barroso, do povo Baré, diretor-presidente da FOIRN, coloca cocar em Dom Vanthuy|Ana Amélia Hamdan/ISA
Durante o ano de 2023, dom Edson esteve em várias sessões do Cine Japu - projeto do ISA e da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas que promove exibições de filmes em São Gabriel da Cachoeira -, participando dos debates e divulgando a programação durante as missas.
A Diocese é formada por 11 paróquias: três na cidade de São Gabriel da Cachoeira (Catedral, Dom Bosco e Aparecida), e seis no território indígena, sendo Taracuá, Iauaretê e Pari-Cachoeira (Triângulo Tukano), Assunção do Içana, Cucuí e Maturacá. Há ainda as paróquias de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
Em janeiro, o então padre Vanthuy esteve em São Gabriel e, acompanhado de dom Edson Damian, conheceu lideranças de comunidades indígenas e participou de encontro da Escola de Teologia, quando foi lançada a Carta compromisso para prevenir as violências e o suicídio.
Para Dom Edson Damian essa é uma iniciativa que trará benefícios para toda a população. “Meus últimos dias em São Gabriel são coroados por propostas oportunas e que trarão benefícios para a população”, disse. Ele recebeu na Diocese a visita da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, e da presidente da Funai, Joenia Wapichana, repassando a elas as demandas que constam na carta.
Muito emocionado durante a cerimônia de troca de bispos, ele fez agradecimentos, dizendo que em seu coração tem lugar para todos aqueles com quem caminhou.
Dom Edson passa agora a ser bispo emérito da Diocese de São Gabriel da Cachoeira e, até o final do ano, ficará em Jaguari (RS), na companhia de seu pai, Gerônimo, que completará 102 anos, e dos irmãos e irmãs.
Quando assumiu a Diocese, também ganhou um cocar, que ficará no Rio Negro. Ele falou do grande aprendizado que teve ao lado dos povos indígenas: “Os indígenas me ensinaram a viver com o estritamente necessário e a ser feliz.”
Em entrevista, dom Edson relembrou algumas passagens enquanto esteve à frente da Diocese mais indígena do país. Leia abaixo algumas delas:
Diários
Antes de vir para cá (São Gabriel da Cachoeira) me aconselharam a escutar vários sábios que tinham trabalhado aqui. Um deles se chamava padre Casimiro Beksta. Ele foi um salesiano que teve grande sensibilidade nos valores culturais indígenas e foi o primeiro que começou a estudar muito, inclusive devemos a ele a tradução do livro de Grünberg do alemão para o português (Theodor Koch-Grünberg - “Dois anos entre os indígenas: viagens no noroeste do Brasil - 1903-1905”).
Foi o padre que descobriu o talento do Feliciano Lana (artista indígena, do povo Desana), visitando comunidade perto do Rio Tiquié e oferecendo materiais a ele.
Eu visitei o velho salesiano que estava acamado para fazer uma entrevista. E uma das coisas que ele me disse foi: “você está chegando numa realidade totalmente diferente, numa riqueza sociocultural e linguística extraordinária. Você leve um caderninho para registrar a cada dia aquilo que você viu, as impressões que teve, as pessoas com quem você conversou.” E fiz isso desde o primeiro dia. Hoje tenho cerca de 15 diários com essas anotações.
Temores
Eu lembro-me do medo que eu sentia quando eu ia visitar as comunidades acima de Iauaretê. No Rio Uaupés e no Rio Papuri há cachoeiras perigosíssimas. E os práticos indígenas diziam: “bispo, aqui podemos passar na cachoeira sem desembarcar.” E eu pensava, mas será que vai dar? Com essa água tão violenta. Pois dava.
As primeiras vezes eu fechava os olhos, tomava um banho de água que vinha contra a gente, e passava. Outras vezes diziam: “bispo, aqui é perigoso. O senhor anda pela trilha que nós vamos pelo rio.”
Nas primeiras vezes eu usava colete, depois com o tempo eu levava o colete e servia para assentar em cima, pois o banco é duro. Nas últimas vezes eu já esquecia o colete. Deus me perdoe porque, às vezes, a gente coloca Deus à prova e confia demais.
No ano passado, sabendo que era a última viagem que eu faria pelo Rio Papuri, lá tem a famosa Cachoeira do Pato – são três cachoeiras, uma seguida da outra. E todas as vezes que eu passei lá, o prático dizia: “agora, o senhor desembarca, e vai pela trilha. Eu vou subir a cachoeira sozinho.” Tinha sempre um outro que ajudava a carregar o material, a comida, a lona, e caminhava mais de hora pela trilha e lá em cima embarcava de novo.
Da última vez era um prático jovem, arrojado. E ele perguntou: “bispo, o senhor já subiu a Cachoeira do Pato?”. Eu respondi que não, que todas as vezes eu desembarquei.
“Mas dessa vez tem água suficiente para subir com segurança.” Eu perguntei: “Você tem certeza?” “Tenho.” Os jovens são assim.
Então foi assim. Mas que medo eu senti, eu fechava os olhos. Mas senti segurança nesse jovem e consegui transpor as três cachoeiras. Eu venci o medo definitivamente. Já posso partir passando por essa aventura também.
Alagamento
É claro que eu tinha medo de alagar. E aconteceu uma vez. Eu estava indo de Maturacá (no território Yanomami) para visitar a comunidade do Maiá, muito longe. Saímos de madrugada porque chegaríamos lá no fim da tarde, pelo Rio Cauaburis.
Fazia cerca de três horas que tínhamos saído da aldeia e o prático, numa corredeira, ele entrou com muita velocidade. E bateu com violência numa pedra ou numa árvore. Eu estava sentado na voadeira (pequena embarcação a motor) e caí. Afundei.
Quando estava afundando na água eu lembrei: “os meus pais e meus familiares vão me receber morto. Se um dia puderem, dessa distância, me encontrar.”
Mas de repente eu consegui subir. E aconteceu o milagre que foi o seguinte: o prático, um indígena Yanomami, que também caiu fora da voadeira, não sei se com a mão ou com o pé, ele tirou a mangueira que abastecia o motor. O motor ficou funcionando, mas a voadeira não saiu do lugar porque não tinha combustível.
E tinha um seminarista que estava dormindo na voadeira. Ele não caiu. Quando ele viu que eu subi pedindo socorro, ele me pegou pelos braços e me ajudou a entrar de novo.
E, por incrível que pareça, o Adão, que era nosso prático, ele vinha nadando com uma mão e trazendo um banquinho com a outra. Porque ele era muito baixinho, ele tinha que assentar no banquinho para poder dirigir.
Aí embarcamos sem palavra alguma. E chegamos tarde da noite ao Maiá. Eu achei que eu ia partir para a eternidade.
Malária
Quando eu vim para cá, eu tive muito medo da malária. Quando eu fui para Roraima, em 1999, me disseram: prepare-se para a malária, que é o batismo que a gente recebe quando chega lá.
Eu fiquei 10 anos em Roraima, nenhuma malária. Quando eu vim para São Gabriel, me disseram: agora você não escapa, pois tem malária em todas as aldeias. Eu visitei todas as aldeias e parto daqui sem nenhuma malária.
Línguas indígenas
É a minha limitação. É claro que se aqui fossem faladas apenas uma ou duas línguas, eu teria me dedicado. Mas são 18.
Mas eu me esforcei tanto que, desde as primeiras visitas, quando chegava às aldeias, o prático indígena, ele me ensinava como é que eu devia dizer “bom dia, boa tarde, boa noite, como vai, é uma alegria estar com vocês”.
Ele explicava isso, então aprendi essas poucas palavras em várias línguas. Isso causou um impacto que impressionou. Porque a gente chegava saudando, eles diziam: “mas o bispo mau chegou e já fala a nossa língua.” É claro que na segunda pergunta eu me perdia.
Bento XVI
Quanto eu fui a Roma para a primeira visita ao Papa Bento XVI, que era muito sisudo, conservador inclusive. Eu fui preparado para 15 minutos de conversa.
Eles me disseram: “chegando lá, você vai fazer um pequeno relato da situação da Diocese.” Cheguei, ele me saudou e, para minha surpresa, ele tinha um mapa sobre a mesa. Disse-me: “a sua região é imensa, não tem estradas, você deve gastar muitas horas pelos rios”.
Eu disse que tinha um pequeno relatório, mas ele preferiu conversar.
Primeira pergunta: “o povo daquela região está destruindo muito a floresta?”
Aí foi a minha vez de dizer: “é a região mais preservada da Amazônia porque os habitantes são povos indígenas: 90%. O povo indígena não destrói a floresta. Eles são os guardiões da floresta. Eles são nossos mestres em ecologia. É por isso que se explica que eles não destroem. Eles cuidam da nossa mãe terra, nossa casa comum.”
Ele perguntou: “e os índios se confessam?”
Aí eu disse: “confessam. E tem um detalhe, eles começam a confessar e dizem assim, agora eu vou confessar na minha língua.” O papa perguntou para mim: “você entende todas as línguas?” Respondi: “de que jeito? Eu cheguei lá velho, já com 60 anos, são 18 línguas. Como é que eu vou aprender? Mas Deus Pai, Criador, ele fez todos os povos à sua imagem e semelhança. E é Deus Pai que perdoa, Ele que se entenda com os seus índios.”
Papa Francisco
Em 2015, o Papa Francisco escreveu a encíclica Lovato si´. Uma carta dirigida ao mundo inteiro falando sobre o cuidado com a casa comum, a ecologia, o aquecimento global. A necessidade de mudar completamente esse sistema que ele chama de tecnocrático que está destruindo e colocando em perigo a sobrevivência da humanidade.
Em 2019, surpreende mais ainda, convocando um sínodo especial para a Amazônia. Em 2020, eu participo do Sínodo de Roma. Esse encontro é dedicado ao tema ecologia integral.
Aí eu pude conversar pessoalmente com o papa e entreguei a ele o cálice feito de pau-brasil por um artesão daqui. E ele ficou tão feliz. Ele olhou para mim e disse assim: “hoje faz 75 anos que eu fiz a minha primeira comunhão”.
Depois, eu pude fazer uma outra visita agora em 2021, com todos os 19 bispos da regional Norte. Eu levei um presente em nome de todos os bispos. Ao fim da conversa eu me aproximei, disse: “olha, eu sou da diocese mais indígena. Amazonas é o Estado que concentra a maior população indígena do país e por isso estou lhe oferecendo esse presente que foi confeccionado pelas mulheres indígenas lá de São Gabriel.”
Quando eu coloquei na cabeça dele, ele perguntou: “imagina se apareço na Praça de São Pedro com uma mitra dessa?”
Aprendizado
Uma das coisas que me impressionou foram os povos que vivem em comunidades tão isoladas. Chegávamos às comunidades para visitar as casas com quase nada. Sem móveis. Eu ficava me perguntando. “Como é que eles vivem?”
Então, uma das lições que eu aprendi aqui se chama sobriedade. Os indígenas ensinam a gente a viver com o estritamente necessário.
Para que encher a vida de bugiganga. Quando a gente tem o necessário para viver, a gente é mais feliz do que comprando, consumindo desenfreadamente.
Esse materialismo consumista está destruindo a mãe Terra e gerando pessoas sempre insatisfeitas e infelizes.
Os indígenas me ensinaram a viver com o estritamente necessário e ser feliz.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Por uma política assistencial adequada para os povos indígenas no Brasil
Estudos do ISA fazem diagnóstico do acesso a políticas públicas e benefícios sociais por indígenas de recente contato em São Gabriel da Cachoeira (AM)
Em Reunião Ordinária do Comitê para a Promoção de Políticas Públicas de Proteção Social dos Povos Indígenas, a convite do secretário executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Eloy Amado Terena, representantes da sociedade civil discutiram políticas e estratégias de assistência social a povos indígenas de recente contato no Brasil.
O Comitê, criado em 2023 por meio do Decreto n. 11.707, tem as tarefas de coordenar, propor e acompanhar ações para a garantia dos direitos sociais e a promoção do bem viver dos povos indígenas.
São muitas as frentes de atuação: educação escolar indígena diferenciada, segurança alimentar e nutricional, erradicação do preconceito e da discriminação, saúde, moradia, etnodesenvolvimento, segurança pública, além da obtenção de documentação civil e de benefícios assistenciais e previdenciários pela população indígena, incluindo povos migrantes e transfronteiriços.
"A atuação do Comitê é primordial e estratégica para formular normativas a partir de estudos de casos específicos de povos que historicamente enfrentam situações de extrema vulnerabilidade e que são afetados pela falta de acesso estrutural a direitos sociais”, explica Rosenilda Sateré-Mawé, chefe de gabinete da Secretaria Nacional de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas.
“A proposta do Comitê é se debruçar nos desafios de povos que enfrentam crises recorrentes e emergenciais relacionadas a temas transversais, como é o caso do GT Juruá, do GT Avá Guarani, o GT Contexto Urbano e o GT de Povos Isolados. Então, o objetivo é trazer elementos que contribuam para a construção de políticas estruturantes e permanentes que garantam a proteção social e os direitos sociais para os povos indígenas", completa.
A coordenação do Comitê é de responsabilidade do MPI, por meio da Secretaria de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas (SEART). Na sua composição estão 23 instituições, dentre ministérios, Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Também integram o grupo, enquanto convidados, a Defensoria Pública da União, Ministério Público Federal (MPF), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e Associação Brasileira de Antropologia (ABA).
Imagem
Segunda Reunião do Comitê para a Promoção de Políticas Públicas de Proteção Social dos Povos Indígenas, realizada em Brasília no fim de janeiro|Renata Vieira/ISA
Na reunião, que ocorreu no Salão Nobre da Esplanada dos Ministérios em Brasília (DF), a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Renata Vieira apresentou dois estudos, elaborados pelos consultores Michel Barbará e Isabella Lunelli, sob a coordenação e supervisão técnica da assessoria jurídica do Programa Rio Negro, sobre a temática de assistência social a povos indígenas de recente contato em São Gabriel da Cachoeira (AM).
As pesquisas visam colaborar com as ações desenvolvidas pelo Governo Federal no campo da assistência social e previdenciária a povos indígenas, sobretudo em relação aos desafios que se impõem quando o público-alvo da política são os povos de recente contato, resultando em dois relatórios técnicos.
Imagem
Entrega dos estudos para representantes e autoridades da Funai, MPI e MDS durante reunião do comitê. Da esquerda para a direita: Lucia Alberta, diretora de Proteção Social da Funai, André Baniwa, coordenador-geral de Cidadania do MPI, Rosenilda de Freitas Luciano, chefe de gabinete da SEART/MPI, Renata Vieira, advogada do ISA e Bruno Chaves, coordenador-geral de Programas às Discriminações (CGPACD) do MDS|Arquivo Pessoal/Renata Vieira/ISA
O primeiro estudo buscou sistematizar o atual quadro normativo das políticas públicas de assistência social e previdenciária no Brasil (Baixe aqui).
O segundo, teve como foco um mapeamento das instituições envolvidas na implementação das referidas políticas públicas em São Gabriel da Cachoeira (AM), observando os gargalos e as barreiras de acesso aos benefícios na dinâmica de interação entre elas, com atenção às dificuldades enfrentadas pelos povos Hupd’äh e Yuhupdeh – ambos de recente contato (Acesse).
Dos textos também emergem sugestões e recomendações para a melhoria do acesso às referidas políticas pelos povos indígenas, além de uma seção específica sobre a narrativa dos Hupd’äh e Yuhupdeh a respeito do tema.
Embora tenha foco nas especificidades culturais e geográficas da região do Rio Negro, os problemas identificados são vivenciados com muitas semelhanças em vários outros contextos culturais.
É importante compreender todos os gargalos das políticas públicas e quais as dificuldades enfrentadas pela população no território onde, de fato, o benefício precisa ser acessado.
Para isso, é imperativo analisar como os povos vivenciam a experiência do cadastro nos programas, dos requerimentos e do recebimento dos benefícios, levando em consideração aspectos sobre como é feito o atendimento, quais as documentações exigidas, quais as maiores dificuldades encontradas e sobretudo a incompatibilidades dos requisitos e procedimentos em relação aos povos indígenas de recente contato.
Um diagnóstico atualizado de como se encontra a política hoje em seus aspectos legais e práticos se mostrou essencial para compreender os problemas relatados e assim colaborar com proposições para o aprimoramento das políticas em questão.
As publicações foram apresentadas em reuniões com a presença de instituições que atuam na temática e gestores públicos, com destaque para as reuniões realizadas com a equipe técnica da Coordenação Geral de Promoção dos Direitos Sociais (CGPDS), Coordenação Rio Negro da Funai (CR-RN) e Coordenação Geral de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) (setembro/2023), Ministério Público Federal do Amazonas (novembro/2023), Ministério do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome (novembro/2023) e Ministério dos Povos Indígenas, com presença do Secretário Executivo da pasta ministerial, Eloy Amado Terena (dezembro/2023).
Em 2024, já há uma nova rodada de reuniões previstas.
Imagem
Reunião com Bruno Chaves, coordenador-geral de Serviços e Programas de Convivência e Fortalecimento de Vínculos do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), de representantes da Foirn, do DSEI Alto Rio Negro, do CONDISI e do ISA|Arquivo Pessoal/Renata Vieira/ISA
Contexto regional
Desde que o Programa Bolsa Família e diversos benefícios previdenciários passaram a ser acessados pelos povos indígenas de recente contato, diferentes estudos foram feitos sobre o tema, porém pouco se avançou em uma política diferenciada para os povos indígenas, e menos ainda em relação aos povos de recente contato.
Entre os meses de janeiro e fevereiro de 2023, cerca de 900 indígenas dos povos Hupd’äh e Yuhupdeh se deslocaram de seus territórios para a sede urbana do município de São Gabriel da Cachoeira para acessar políticas de documentação básica, programas como o Bolsa Família e benefícios previdenciários.
A falta de acolhimento adequado em São Gabriel, e as dificuldades enfrentadas inerentes à burocracia estatal para acesso aos benefícios aumentam sua permanência na cidade, onde passam a vivenciar situações de extrema vulnerabilidade como casos de desnutrição, proliferação de doenças como malária e tuberculose, endividamento, alcoolização e até suicídios e afogamentos.
Em razão dos diversos problemas enfrentados nesta situação, em janeiro de 2023 a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN), criou um gabinete de crise, chamado “Comitê NadHup”, que até hoje se reúne para pensar não apenas ações emergenciais, como também apoiar as instituições públicas na realização de ações efetivas.
Após a mudança do governo federal, sob a gestão da presidenta da Funai, Joenia Wapichana, e da coordenadora do órgão no Rio Negro, Dadá Baniwa, novas ações vêm sendo implementadas a fim de melhorar as condições de acesso à documentação e às políticas assistenciais no município de São Gabriel da Cachoeira.
É o caso da criação da Rede Intersetorial de Proteção de Direitos Sociais para Povos Indígenas no Amazonas, sob a coordenação da Coordenação Geral de Promoção dos Direitos Sociais e a realização de mutirões nas comunidades.
Porém, medidas estruturantes, como alterações legislativas, extensão dos prazos de saque, flexibilização de regras inexequíveis para povos indígenas, bem como medidas a níveis locais para diminuir a burocracia estatal, ainda precisam ser implementadas para que o acesso aos direitos sociais dos povos indígenas seja realizado com respeito à dignidade e à cidadania plena, o que inclui tanto o acesso à documentação traduzida, quanto o atendimento na língua materna.
Para a pesquisadora e consultora Isabella Lunelli, “o diagnóstico analisa tanto a via de acesso dos benefícios pelos povos indígenas, como também reflete sobre a necessidade de reorganização dos fluxos interinstitucionais na gestão dessas políticas e ações. A necessidade de um maior diálogo entre as instituições, elaborando protocolos adequados à realidade local e às especificidades dos povos indígenas da região, com a participação e consulta dessa população, são questões que merecem ser pensadas e discutidas", sublinhou.
Imagem
Apresentação dos diagnósticos para representantes da FUNAI - CGPDS, CGIRC e CR Rio Negro
As políticas públicas estudadas pelo ISA foram o Programa Bolsa Família, cuja gestão é do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Salário-Maternidade, Pensão por Morte, Aposentadoria Rural e Seguro Defeso, cuja gestão e implementação é do INSS.
Além do quadro normativo, os estudos trazem tópicos sobre a conceituação de cada programa, critérios legais para a concessão e documentação exigida, além de prazos e condicionantes legais para a manutenção do benefício, fator que tem impacto determinante para os povos de recente contato.
Os estudos também trazem informações sobre as bases de dados de povos indígenas, o número de inscritos por etnia cadastrados no CadÚnico e que recebem Bolsa Família. Não foi encontrada uma base de dados específica para povos indígenas em relação aos benefícios previdenciários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A pesquisa também contempla um mapeamento das instituições locais no município de São Gabriel da Cachoeira, identificando em cada uma delas as suas atribuições, papéis e dificuldades verificadas no acesso aos programas sociais em questão. O diagnóstico realizado pelo antropólogo Michel Barbará apresenta os principais aspectos e dimensões do acesso às políticas públicas pela população Hupd’äh e Yuhupdeh, com os problemas e soluções apontados a partir dos relatos dos Hupd’äh. A última seção apresenta ainda uma análise geral das instituições e sugestões de melhoria e facilitação do acesso à política pública no município de São Gabriel da Cachoeira.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Associações Yanomami apontam persistência de garimpeiros e estrangulamento da saúde após um ano de operações do governo federal
Relatório mostra que garimpo ampliou área e já devastou mais de 5,4 mil hectares dentro da Terra Indígena Yanomami
“Já completou um ano. Agora em 2024, vamos começar de novo?" questiona Davi Kopenawa, xamã Yanomami|Fred Rahal/ISA
Um ano após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) visitar Roraima e declarar uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (Espin) na Terra Indígena Yanomami, um novo relatório da Hutukara Associação Yanomami (HAY) aponta que o garimpo persiste no território e promove um estrangulamento dos serviços de saúde.
Lançado nesta sexta-feira (26/1), o documento, que recebeu apoio técnico do Instituto Socioambiental (ISA) e do Greenpeace Brasil, tem endosso também da Associação Wanassedume Ye’kwana (Seduume) e da Urihi Associação Yanomami.
De acordo com o novo relatório, o garimpo desacelerou em 2023, mas ainda teve a sua área ampliada em 7%. A área total devastada já acumula 5.432 hectares e impacta 21 das 37 regiões existentes. O ano teve registro de 308 mortes de Yanomami e Ye’kwana sem que servidores da saúde conseguissem atender comunidades vulneráveis por medo dos garimpeiros ilegais. Dessa forma, mortes por doenças tratáveis seguiram ocorrendo em escala semelhante à dos últimos anos.
“Os dados demonstram que embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na sua totalidade. De fato, houve uma importante redução no contingente de invasores, o que pode ser verificada na desaceleração das taxas de aumento de área degradada, mas o que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o bem-estar da população Yanomami”, diz o relatório.
O líder Yanomami e presidente da HAY, Davi Kopenawa, pediu para que o governo federal reforce as ações de saúde em toda a Terra Indígena Yanomami, mantendo um trabalho coordenado que garanta a assistência para todos os Yanomami e Ye’kwana.
“Já completou um ano. Agora em 2024, vamos começar de novo? Eu queria conversar com o Exército e com os militares porque eles estão lá para proteger a floresta nacional, a floresta Amazônica, mas não estão protegendo. Só protegem os quartéis e o território Yanomami precisa de proteção porque essa floresta é uma proteção para o Brasil”, disse Davi Kopenawa.
Novas áreas
Mesmo sob intervenção federal, a Terra Indígena Yanomami registrou abertura de novas áreas de garimpo em 2023. Foram registradas, entre janeiro e dezembro do ano passado, 1127 alertas de novas áreas de desmatamento associadas ao garimpo, que somaram 238,9 hectares. Os meses que mais registraram alertas foram janeiro (310), março (193) e outubro (119). Chama atenção o fato de que em março e outubro o território já estava sob intervenção, com presença de forças de segurança na região.
Mapa comparativo da degradação da floresta pela atividade garimpeira no entorno do Rio Couto Magalhães entre julho de 2023 e janeiro de 2024
Este levantamento foi feito através da interpretação de imagens de satélites de 4,7 metros de resolução da Planet. Foram utilizados os mosaicos mensais e, em algumas situações, os diários, para identificação de novas áreas de desmatamento abertas pela atividade garimpeira.
Relatos
Estima-se que até 80% dos invasores tenham sido retirados nos primeiros seis meses. No entanto, durante o segundo semestre, houve retorno massivo. Os indígenas da região de Palimiú relatam acordar todos os dias com o barulho de motores de alta potência furando um bloqueio improvisado com cabos de metais no Rio Uraricoera.
“Tenho muito medo. Eles passam, depois de uma semana eu já esqueci um pouco, mas eles passam de novo e todos nós sentimos medo. Meus filhos estão com medo. Eles atrapalham nosso sono, tenho medo de que eles venham atirar na gente, por isso eu não durmo direito. Nós vivemos bem na beira do rio, por isso quando eles passam eu fico com muito medo”, relatou uma liderança da comunidade Walomapi.
A região do Rio Uraricoera, onde vive a liderança do relato, foi a terceira mais impactada pelo garimpo em 2023, tendo 32 hectares desmatados. As regiões dos rios Couto Magalhães e Mucajaí tiveram 78 e 55 hectares devastados, respectivamente, sendo as duas mais afetadas.
Mapa comparativo da degradação da floresta pela atividade garimpeira no entorno do Rio Mucajaí entre janeiro e outubro de 2023
Mapa comparativo da degradação da floresta pela atividade garimpeira no entorno do Rio Uraricoera entre janeiro e maio de 2023
Novas estratégias
Além de Palimiú, o Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami confirmou a presença de garimpeiros ilegais em Alto Catrimani, Alto Mucajaí, Apiaú, Auaris, Homoxi, Kayanau (Papiu), Maturacá, Missão Catrimani, Papiu (Maloca Papiu), Uraricoera, Waikás, e Xitei.
Para burlar as operações, os grupos criminosos traçaram novas estratégias, como a mudança de centros logísticos para a Venezuela (Alto Orinoco, Shimada Ocho, Alto Caura, Santa Elena), adoção de novas tecnologias de comunicação para se antecipar às operações, resistência armada, exploração noturna e descentralização de canteiros com uso de pontos mais distantes dos rios.
Pistas clandestinas
Em julho de 2023, o Exército chegou a inutilizar a pista do Rangel, usada para o pouso de aeronaves clandestinas. No entanto, os invasores, que não foram retirados, voltaram ao local para recuperar a pista, que logo se tornou o local de maior movimentação ao longo do Rio Couto Magalhães.
“Ao longo do segundo semestre, a Hutukara recebeu diversas denúncias sobre a movimentação de garimpeiros nessa zona. E, embora a associação tenha chamado a atenção para a necessidade de se reocupar rapidamente o posto de saúde do Kayanaú com apoio de forças de segurança, com a morosidade da resposta do Estado, a estrutura do posto foi incendiada após um conflito local”, aponta o relatório.
O documento reconhece que a base de Proteção no Rio Mucajaí foi importante para inibir o assédio de garimpeiros, mas diz haver relatos de furos do bloqueio. Um dos exemplos de falha foi o episódio que resultou na morte de dois Ninam da comunidade Uxiu, depois de uma emboscada de garimpeiros.
No Rio Uraricoera, as pistas Espadinha e Mucuim foram desativadas no primeiro semestre, mas, já no fim do ano, quando as operações locais diminuíram, elas foram reativadas e contam agora com intensa movimentação. As lideranças relatam até três voos diários em direção a Mucuim, sendo o primeiro pela manhã, às 6h, para evitar fiscalização.
Saúde afetada pelos invasores
Das 308 mortes de Yanomami em 2023, 129 foram por doenças infecciosas e parasitárias (21%) e doenças respiratórias (21%). Casos destes tipos seriam facilmente tratáveis se o modelo de estrutura de atenção à saúde Yanomami funcionasse de forma plena. No entanto, o novo relatório aponta que o garimpo intimida servidores da saúde e impede que esses profissionais atuem em comunidades mais vulneráveis, e por isso não podem realizar ações preventivas e de promoção à saúde com a regularidade necessária.
Com o retorno dos invasores, armas de fogo seguiram entrando ilegalmente no território e o Sistema de Alertas da Terra Indígena Yanomami registrou relatos de ataques e ameaças de “seguranças do garimpo” no Xitei, além de conflitos armados entre diferentes grupos da exploração ilegal. Um cenário descrito como “estado de guerra” pelo novo relatório.
“Devido ao clima de insegurança e conflito nessas zonas, os profissionais de saúde têm evitado realizar visitas em muitas aldeias, com sérias implicações para a realização de ações fundamentais de atenção básica, como vacinação, busca ativa de malária, pré-natal, etc. Foi exatamente esse mecanismo que ajudou a produzir a crise, que atingiu seu ápice em 2022”, afirma trecho da nota técnica.
Vacinas
Imagem
Garimpo ilegal na Terra Yanomami impacta até vacinação de crianças|Ana Maria Machado/ISA
A baixa mobilidade no território yanomami, ligada à permanência do garimpo, impacta também na cobertura vacinal de crianças. Conforme dados do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEI-YY), menos da metade de crianças de até um ano, em 29 polos de saúde, recebeu todas as vacinas. Na faixa de 1 a 4 anos, 14 polos tiveram menos da metade das crianças totalmente vacinadas.
Na região do Xitei, onde profissionais de saúde estão impedidos de visitar casas-coletivas em razão do garimpo, a vacinação abrangeu apenas 1,8% das crianças de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos.
A malária também é um dos problemas ainda não solucionados. Mesmo sem a disponibilização dos dados de novembro e dezembro de 2023, o ano acumulou mais de 25 mil casos, tendo uma média de quase dois mil casos para 12 meses. Relatos indicam que a situação se mantém assim pelos seguintes motivos:
- Ausência de ações de controle de vetor nas comunidades;
- Ações de busca ativa insuficientes;
- Problemas de diagnóstico, com ocorrência de muitos falsos negativos;
- Demora no início do tratamento, seja pelo problema de diagnóstico, seja pelo desabastecimento da farmácia;
- Problemas no tratamento supervisionado, sendo que muitos indivíduos interrompem o tratamento antes de concluí-lo.
Em 2023, os dois polos mais afetados pela malária foram Auaris e Palimiú. Juntos, esses polos concentraram 37% de todos os casos da Terra Indígena Yanomami, ou seja, mais de 9 mil casos. Em ambas as regiões, sabe-se da influência do garimpo como principal vetor da doença.
Em conclusão, as associações Yanomami recomendam uma série de ações importantes para as próximas etapas de enfrentamento da emergência sanitária, como desintrusão dos garimpeiros, elaboração de um plano territorial, apoio no reassentamento de comunidades que desejam mudar de local em razão dos impactos do garimpo e ajustes na resposta à crise sanitária.
Recomendações na íntegra:
- A retomada urgente de operações de desintrusão de garimpeiros no Território;
- Fortalecer a articulação entre as ações setoriais e planejar o desenvolvimento das ações de maneira integrada, através de uma coordenação operacional e intersetorial da emergência Yanomami;
- Elaboração de um Plano de Proteção Territorial, que considere:
a) soluções para reduzir a vulnerabilidade das outras calhas de rio que dão acesso à TIY;
b) soluções para o efetivo bloqueio fluvial e controle do espaço aéreo da TIY;
c) mecanismos que garantam uma rotina de patrulhamento nos rios, em caráter no mínimo mensal;
d) planos de ação regionalizados para regiões sensíveis que combinem em um único cronograma ações de neutralização do garimpo, apoio emergencial, promoção à saúde, reocupação das UBSIs com apoio de forças de segurança, e desenvolvimento de atividades de recuperação socioeconômica das comunidades;
e) plano de capacitação de indígenas para o seu envolvimento nas ações de vigilância nas calhas de rio; f) monitoramento remoto contínuo da TIY como respostas rápidas a novos alertas por parte das forças de segurança;
g) ações regulares de fiscalização no entorno de pistas de pouso, portos e postos de combustível;
- Desenvolver um plano para estimular o desarmamento voluntário nas regiões sensíveis;
- Apoiar o reassentamento de comunidades afetadas pelo garimpo que manifestam o interesse de mudar-se para um novo local por não ter condições mínimas de permanência, com apoio logístico, ferramentas, infraestrutura para atendimento à saúde e acompanhamento próximo durante sua instalação;
- Promoção de ajustes na resposta à crise sanitária, observando a necessidade de: i) reformas nas estruturas destinadas a atender os Yanomami, bem como nas pistas de pouso que atendem os estabelecimentos de saúde; ii) investimento na mobilidade dos funcionários dentro de território; iii) criação de novas unidades de saúde e que iv) sejam seguidas as recomendações do relatório da Transparência Internacional de forma a garantir o controle social dos orçamentos do DSEI-YY;
- Criação de uma força tarefa para o controle da malária na TIY;
- Ampliação das parcerias e cooperações técnicas com organizações especializadas em saúde que possam subsidiar soluções práticas capazes de responder à crise sanitária na Terra Indígena Yanomami;
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
'Ya temi xoa, aê, êa!' Eu ainda estou vivo
O estribilho da Salgueiro, que nesse Carnaval homenageia o povo Yanomami, é uma verdade ameaçada: um ano depois da declaração de emergência sanitária, as mortes continuam, com 308 óbitos em 2023, mais da metade deles de crianças com menos de cinco anos
*Artigo originalmente publicado em Sumaúma no dia 11 de janeiro de 2024.
Imagem
Davi Kopenawa, xamã Yanomami, na quadra do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro em evento de escolha do samba enredo para o carnaval de 2024|Lucas Landau/ISA
No dia 11 de fevereiro, domingo de Carnaval, os Yanomami serão homenageados na Sapuc-aí pela Escola de Samba Acadêmicos da Salgueiro, uma das mais tradicionais e respeitadas do Rio de Janeiro. Com o tema “Hutukara”, que faz referência ao céu ancestral que desabou sobre a terra nos primórdios, formando a floresta que (virtualmente) cobre o nosso planeta hoje, o samba-enredo do Salgueiro é possivelmente uma dos mais belos e tocantes hinos de carnaval dos últimos tempos, e para todos aqueles que acompanharam de perto a escalada da crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, é, nada menos do que, uma música para lavar a alma.
No refrão, os salgueirenses entoam: “Ya temi xoa, aê, êa! Ya temi xoa, aê, êa!”; o que pode ser traduzido como “eu ainda estou vivo” na língua Yanomae, uma das seis línguas da família Yanomami. A palavra “Temi”, por sua vez, refere-se não apenas à condição de estar vivo, mas também ao estado de boa saúde, tanto física, quanto mental e emocional. Assim, a força do estribilho reside no fato de que ele ressalta a imensa resistência do povo Yanomami e a sua capacidade de lutar contra o projeto genocida que lhe tem sido imposto há décadas pela sociedade não indígena. Uma guerra permanente, desde o contato, que ganhou contornos ainda mais dramáticos com a ascensão da extrema direita ao poder nos últimos anos.
Com um ano da declaração da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) na TI Yanomami, a expectativa, em 2024, era de que este refrão, finalmente, pudesse ser entoado também para celebrar a abertura de um novo ciclo de bem viver e prosperidade entre este povo, com a efetiva proteção da floresta e a plena recuperação do quadro sanitário das famílias Yanomami e Ye’kwana (povo indígena que habita a Venezuela e o território Yanomami no Brasil). Infelizmente, porém, este ainda não é o caso.
Discussão sobre o avanço da malária e da desnutrição em crianças durante o XIV Encontro de Mulheres Yanomami, em novembro de 2023. Leia as denúncias que foram feitas|Ana Maria Machado/ISA
Os últimos dados apresentados pelo governo sobre a situação de saúde na Terra Indígena Yanomami não deixa dúvidas: o governo fracassou em sua promessa de resgatar a dignidade no território Yanomami. O boletim de dezembro do Comitê de Operações Emergenciais (COE) apresenta, tristemente, números parelhos aos do governo passado. Apenas em 2023, foram registrados 308 óbitos na TIY, a maior parte decorrente de doenças evitáveis, como diarreia, pneumonia e malária. Mas ainda faltam os números de dezembro de 2023, e o mais provável é que as estatísticas do último ano sob a presidência do extremista de direita Jair Bolsonaro e as do primeiro de Lula fiquem próximas.
Em 2022 foram 343 mortes até o fim de dezembro. Do total de 308 mortos entre 1º de janeiro e 30 de novembro de 2023, 52,5% eram crianças com menos de 5 anos. Houve mais de 25 mil casos de malária, uma média de 2 mil casos por mês. Claramente, as ações do governo Lula foram insuficientes para mudar essa trajetória, que vinha embalada pela gestão criminosa da saúde indígena na gestão Bolsonaro.
Os indicadores de saúde do atual governo sugerem a manutenção de um quadro de desassistência grave com características semelhantes ao padrão adotado no último quadriênio, repetindo falhas básicas no modelo de assistência, como a ausência de visitas regulares de profissionais da saúde nas aldeias (potencializadas por questões de insegurança), problemas de abastecimento e de estrutura nas Unidades Básicas de Saúde Indígena e vigilância epidemiológica falha.
Como explicar tamanho insucesso? Obviamente, o governo sabia que seria cobrado por suas promessas em relação aos Yanomami. Logo, não acredito que tenha fracassado intencionalmente. Confio que o Presidente Lula, depois do que viu em Roraima, esteja de fato sensibilizado com a penúria Yanomami. Mas, como sabemos, o inferno está cheio de boas intenções. Não basta querer mudar uma realidade, sem antes se dispor, ao menos, a conhecê-la. Especialmente, uma realidade tão complexa como a da Terra Indígena Yanomami.
O primeiro – e talvez o mais importante – erro do governo foi não ter criado uma instância de coordenação das ações emergenciais com real poder de convocação de diferentes pastas. Como se sabe, a raiz da crise Yanomami está fundada na inter-relação de dois grandes problemas: 1) o avanço do garimpo ilegal; e 2) a degradação do sistema de atendimento à saúde, através da destruição política e administrativa do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Ye’kwana (DSEIYY), dois vetores que se retroalimentam e amplificam os impactos um do outro. Assim, o fluxo ideal das ações visando a estabilização da situação sanitária e política das comunidades seria: 1) operações para a neutralização do garimpo; 2) apoio às comunidades vulnerabilizadas com cestas básicas, ferramentas agrícolas e sementes; 3) realização de missões de atendimento à saúde; 4) restabelecimento do serviço de atendimento regular de saúde.
Apesar da razoabilidade de tal sequência, em nenhuma das regiões sensíveis da Terra Indígena Yanomami uma ação coordenada dessa maneira foi registrada. O que faz com que a maior parte delas ainda apresente alto grau de vulnerabilidade socioeconômica e sanitária, sem o devido apoio emergencial ou regularização no atendimento de saúde.
A Casa Civil, que poderia ter desempenhado esse papel, tanto não articulou as ações de maneira eficiente como sequer monitorou adequadamente o avanço das ações planejadas. A A falta de cuidado desse Ministério em relação aos Yanomami pode ser verificada no plano interministerial apresentado pelo governo. Um documento sem metas, indicadores, detalhamento de cronograma, orçamento e responsáveis. Assim, mesmo com as ações naufragando, a alta cúpula do governo sequer tinha condições de avaliar o andamento das atividades e propor correções.
Outra consequência da ausência de uma coordenação eficiente, foi o desperdício de recursos humanos e tempo de trabalho para produzir diagnósticos e estudos que pouco agregaram para solucionar os desafios reais da Terra Indígena Yanomami (logística, combate à malária, estratégias de proteção, desenvolvimento de infraestrutura etc.). Um exemplo fundamental é a ausência de um estudo logístico que ajude a planejar (com eficiência) e ajustar a dinâmica de envio de insumos e profissionais de saúde aos postos de atendimento. O grau de desorganização da frota de aeronaves a serviço da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) é espantoso para quem acompanha essa questão há mais de uma década.
A logística é um tema central na Terra Yanomami e deveria ter sido a espinha dorsal de um plano de reestruturação da presença do estado nesse território. Entretanto, na direção oposta, ela foi objeto de um jogo de empurra entre a Sesai e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), sem que nenhuma das duas conseguisse apresentar uma solução coerente para a questão. Foram-se meses para conseguir um acordo para a reforma de cinco pistas de pouso, de um universo de mais de quarenta aeródromos que precisam de manutenção e ampliação urgente. Para se ter uma ideia, algumas comunidades que antes eram atendidas por pequenas aeronaves hoje dependem exclusivamente de helicópteros, equipamento quase quase quatro vezes mais caros, em termos de horas de voo.
As falhas na logística fizeram com que o governo ficasse na mão das Forças Armadas, que consumiu milhões de reais lançando cestas básicas sobre aldeias e clareiras sem critério algum. Sem contar ainda as toneladas de alimentos que foram abandonadas nos armazéns das cidades porque os militares gastaram o dinheiro disponível para o frete aéreo antes de atingir a meta do número de cestas básicas estipulada pela Funai.
Aliás, qualquer pessoa que estudasse um pouco sobre a história recente da Amazônia saberia que os militares nunca foram exatamente aliados dos Yanomami, e que depender da boa vontade deles para solucionar um problema que eles ajudaram a criar, por ação ou omissão, seria uma aposta, no mínimo, arriscada.
No primeiro semestre de 2023, um pequeno grupo do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ora com apoio de policiais federais, ora com o apoio do grupo tático da Polícia Rodoviária Federal, combateu, de forma heroica, os diferentes núcleos de exploração ilegal espalhados pela floresta Yanomami. Assim, junto de outras ações que tinham por objetivo estrangular a logística do garimpo, o Ibama conseguiu expulsar boa parte dos invasores, reduzindo expressivamente os alertas de desmatamento até junho de 2023.
Imagem
Vista aérea de maloca na Terra Indígena Yanomami em local próximo a pontos de garimpo, em registro de fevereiro de 2023|Leonardo Otero
A partir de agosto, porém, o Ibama teve seu contingente deslocado para outras regiões, e o Exército assumiu um maior protagonismo nas ações de repressão e controle das calhas dos rios. Paulatinamente, as ações foram ficando menos regulares e menos eficazes, o que deu aos criminosos uma espécie de mensagem de que o fôlego do governo estava acabando.
Rapidamente, uma nova onda de invasão avançou sobre a Terra Indígena Yanomami. Por rio, pela terra e pelo ar, em pelo menos quinze regiões da TI os Yanomami denunciaram a resistência ou a volta de garimpeiros ao seu território. De outubro a dezembro de 2023, os Yanomami da comunidade do Palimiu registraram o trânsito diário de garimpeiros passando pela barreira improvisada no Rio Uraricoera. Enquanto os soldados dormiam em suas barracas na beira da pista de pouso do Palimiu, distantes do rio que deveriam vigiar, os garimpeiros transitavam religiosamente entre 4:30 e 6:30 da manhã, passando por debaixo do cabo de aço que supostamente controla o fluxo de entrada na região.
Parte desses barcos subiram para abastecer os acampamentos dos garimpeiros com ligações, já registradas, com o crime organizado, que, em nenhum momento da emergência Yanomami, deixou de atuar no território, explorando ouro e cassiterita, além da logística regional e da segurança armada.
Pouco abaixo do Palimiu existe uma comunidade chamada Korekorema. As lideranças dessa comunidade denunciaram o total descontrole da malária no local e o óbito de crianças devido à ausência de visitas da equipe de saúde, que não realiza missões regulares há meses. A equipe de saúde, por sua vez, alega que não pode se locomover até a comunidade de barco, pois o rio se encontra sob o domínio das facções e eles temem pelas suas próprias vidas.
Enquanto isso, em Brasília, a FUNAI argumenta em juízo que não tem condições de construir a Base de Proteção no Rio Uraricoera, mesmo com uma decisão judicial que desde 2018 obriga o Estado brasileiro a fazê-lo, por que não tem segurança para isso. (Ora, não se tem segurança por que não existe uma base, e não o contrário).
À medida que o primeiro ano da emergência foi se desdobrando, uma espécie de paralisia foi tomando conta do Estado brasileiro, embora a crise continuasse como uma ferida aberta e fétida na frente de todos.
No apagar das luzes desse triste ano de 2023, Davi Kopenawa, xamã e principal líder do povo Yanomami, foi à Brasília para participar de mais uma reunião do Conselhão do Lula. Sua esperança era poder chamar a atenção do presidente para essa paralisia e garantir que as promessas de janeiro de 2023 fossem repactuadas. Infelizmente, Lula chegou tarde demais ao evento e Davi não pôde transmitir as suas preocupações olho no olho. Enquanto ia para o aeroporto, no seu retorno para Boa Vista, perguntei se ele estava cansado de tantas viagens com resultados tão frustrantes. Ele fez uma pausa antes de me responder e contestou: “Ma! Ya temi xoa. Enquanto existir Yanomami, eu vou seguir lutando.”
Veja como foi a visita de Davi Kopenawa ao Salgueiro, em outubro de 2023:
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Documentário 'Wayuri' ecoa vozes indígenas da Amazônia. Assista!
Filme sobre a rede de comunicadores indígenas do Rio Negro (AM), que já percorreu festivais de cinema em 11 países, tem lançamento online
“Vai começar”! diz o comunicador João Nilton, do povo Yanomami, em cena que dá início ao documentário Wayuri. A obra conduz o espectador para dentro da Amazônia, durante a primeira oficina da Rede Wayuri, na comunidade de Duraka, em São Gabriel da Cachoeira (AM) e tem estreia online nesta quinta-feira (14/12).
Assista!
As imagens – muitas feitas pelos comunicadores – mostram rostos e vozes dos comunicadores indígenas que navegam pelas águas do Rio Negro e pelos mais diversos meios de comunicação levando adiante cultura e informações. E são muitas as histórias da Rede Wayuri.
Durante a pandemia, os comunicadores trabalharam bastante para produzir e divulgar informação confiável, inclusive em línguas indígenas, e combater as fake news que colocaram vidas em risco. Em 2020, o coletivo recebeu o título de herói mundial da comunicação, concedido pela Repórteres Sem Fronteiras.
Imagem
A rede também foi reconhecida pela inovação e o combate à desinformação na Amazônia brasileira e recebeu, em 2021, outra premiação: o Prêmio Estado de Direito 2022, do World Justice Project (WJP), na cidade de Haia, na Holanda, durante o Fórum Mundial de Justiça.
Reconhecimento internacional
Japão, Portugal, França, Irlanda, Panamá, Estados Unidos, Austrália, Malásia, Índia e, é claro, Brasil. No total, "Wayuri" já percorreu 15 festivais em 11 países, levando adiante a história da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, que atua no médio e alto Rio Negro, uma das regiões mais preservadas da Amazônia, dando voz à diversidade e à luta de povos como Baré, Tukano, Baniwa, Wanano, Piratapuia, Hup´dah e Yanomami.
O documentário levou o prêmio de melhor filme do Borderless Film Festival, no Japão, e foi vencedor do Prêmio Patrimônio Cultural/Linguístico e Identidade, no estadunidense Latino & Native American. Na Índia, a história dos comunicadores da Amazônia venceu na categoria ecologia.
A exibição mais recente no exterior aconteceu em Bagnolet, no entorno de Paris, em 6 de setembro. O documentário também foi indicado para o Goverla Cinema Lovers, na Ucrânia, mas possivelmente não foi exibido devido à guerra.
O filme é de Diana Gandra, que vive entre a França e o Brasil, com coordenação de produção e editorial da articuladora de políticas socioambientais do ISA, Juliana Radler.
A estreia do filme aconteceu em janeiro deste ano, durante a V Oficina de Comunicação da Rede Wayuri, em São Gabriel da Cachoeira (AM), na presença dos protagonistas: os comunicadores indígenas.
Além disso, o documentário foi exibido em maio, na inauguração do Cine Japu, no Telecentro do ISA, também em São Gabriel e teve uma exibição especial para 40 convidados no Centro Cultural Casarão de Ideias, em Manaus, seguido de roda de conversa com quatro comunicadores da Wayuri.
A Amazônia pelos povos indígenas
Coordenadora da Rede Wayuri, Cláudia Ferraz, do povo Wanano, fala da importância do reconhecimento dos trabalhos do coletivo de comunicação indígena.
“Essa divulgação é muito importante e nos fortalece. Estamos também cada vez mais falando nas universidades. Mesmo sem termos formação em comunicação, fazemos a comunicação popular. É importante a gente ir expandindo e mantendo a troca de parcerias, de produções coletivas. Mas é importante também que nosso trabalho seja reconhecido por quem está no território indígena”, diz.
Para Juliana Radler, a Rede Wayuri ecoa as vozes da Amazônia e o documentário dá visibilidade a esse trabalho.
“A Rede Wayuri dá voz a quem é da Amazônia, a quem mora aqui, aos povos indígenas. As pessoas daqui vão falar do seu lugar. A gente vê muito acontecer de uma pessoa que vem à Amazônia, passa alguns meses e escreve um livro, faz palestras, enquanto as pessoas daqui são invisibilizadas. A Rede Wayuri dá voz a quem de fato vive nesse território ancestral. São os povos indígenas essas vozes da Amazônia. E o filme ecoa essas vozes”, reflete.
E para se comunicar com o território e a diversidade cultural de 23 povos, a Rede Wayuri tem sua linguagem própria, seja falando português ou em línguas indígenas.
“A Rede tem linguagem própria e esse é nosso diferencial. Fazemos comunicação de parente para parente, dando vez e voz a essas pessoas, mulheres, homens, jovens, crianças. E somos capazes de comunicar com nossas linguagens! É muito bom ver o filme rodando o mundo”, diz Juliana Albuquerque, do povo Baré, comunicadora da Wayuri.
Liderança jovem e ex-coordenadora do Departamento de Adolescentes e Jovens da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (DAJIRN-Foirn), Adelina Sampaio, povo Desana, ressalta que a Wayuri é uma conquista do movimento e da juventude indígenas. “A rede vem para mostrar a luta das lideranças, a realidade nos territórios e outros temas. A Wayuri mostra um pouco de tudo em suas redes, em áudios, vídeos e fotos, multiplicando e debatendo informações”, afirma.
Com muita emoção, a diretora Diana Gandra conta que conhecer a Rede Wayuri e filmar com os comunicadores foi especial tanto profissional quanto pessoalmente. A cineasta diz que, seja no exterior ou no Brasil, a principal reação das pessoas quando veem o “Wayuri” é de surpresa e encantamento. “Acho que existe uma mobilização para que esse filme seja visto. É hora de o espaço para a voz dos indígenas ser mais amplo”, diz.
Imagem
Diana Gandara, Cláudia Wanano, Auxiliadora Fernandes, povo Dâw, Elizângela Baré e Moisés Baniwa durante as filmagens de 'Wayuri'|Juliana Ralder/ISA
Segundo Diana, o filme mostra a Rede Wayuri e também a luta na qual a rede se engaja, trazendo uma mensagem de preservação socioambiental, de não à mineração, sim aos espaços e às vozes indígenas, não ao marco temporal, não à violência contra as mulheres indígenas.
Ela sonha agora em fazer um longa-metragem com a Rede Wayuri. “Os comunicadores, a Claudinha, o Moisés, a Laura, todas as pessoas que participam da Rede, são para mim exemplos que os brasileiros e todas as pessoas no mundo deveriam conhecer”, finaliza.
Navegando na informação
Ligada à Foirn e com a parceria do Instituto Socioambiental (ISA), a Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas foi criada em 2017. Começou com poucos comunicadores e vem ganhando força a partir da valorização das próprias comunidades indígenas e da importância do trabalho dos comunicadores na defesa dos seus direitos e do acesso à informação. Mesmo com as dificuldades de comunicação em algumas áreas remotas da Amazônia, o coletivo de comunicação leva as informações adiante.
A rede atua em um território indígena onde estão cerca de 750 comunidades de povos de 23 etnias nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos. Em São Gabriel da Cachoeira, além do português há quatro línguas indígenas co-oficiais: Nheengatu, Tukano, Baniwa e Yanomami.
Imagem
Os comunicadores Moisés Baniwa e Álvaro Socot, do povo Hup'äh, durante as filmagens do documentário, em São Gabriel da Cachoeira|Juliana Radler/ISA
Atualmente, a Rede Wayuri está em fase de expansão. Até 2022, o coletivo contava com cinco bolsistas e 50 colaboradores voluntários. Este ano, são 19 bolsistas que atuam a partir das áreas urbanas e de comunidades indígenas, sendo que os colabores continuam atuantes.
O coletivo realiza semanalmente o programa de rádio Papo da Maloca, que vai ao ar na FM 92,7. Em seguida, Cláudia Wanano edita o programa, dando forma ao Podcast Wayuri, disponibilizado nas principais plataformas de áudio.
A Rede também está reforçando sua presença nas redes sociais, com participação em coberturas de eventos como o Acampamento Terra Livre (ATL) e Marcha das Mulheres.
Juliana Albuquerque, povo Baré, nos preparativos para a primeira transmissão ao vivo|Ana Amélia Hamdan|ISA
Fios, microfones, mesa de som, computador, celular, correria, ajustes no som! Após muito trabalho e sonho, a Rádio Online Wayuri – A voz dos 23 Povos Indígenas do Rio Negro foi inaugurada em São Gabriel da Cachoeira (AM). Essa é a primeira rádio web da região, que inclui também os municípios de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos .
A primeira transmissão oficial foi feita pela comunicadora Juliana Albuquerque, do povo Baré, e pelo comunicador José Paulo, Piratapuya, durante o evento de lançamento, na sede da Rede Wayuri, em 24 de novembro.
E o retorno das comunidades já vem chegando: os comunicadores estão recebendo recados de ouvintes desde Iauaretê, no Alto Rio Uaupés, até Campinas (SP), onde estudantes indígenas cursam a universidade.
O projeto é da Rede Wayuri, em parceria com o projeto Escolas de Redes Comunitárias da Amazônia do Projeto Saúde e Alegria e apoio da Diálogo Brasil, Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e Instituto Socioambiental (ISA).
A rádio online reforça a vocação da Rede Wayuri, que desde sua criação vem trabalhando com boletins de áudio. Atualmente, o principal produto do coletivo de comunicação é o podcast Wayuri.
O grupo também produz o Papo da Maloca, que vai ao ar às quartas-feiras, das 10h às 12h, na FM O Dia, em São Gabriel da Cachoeira.
Com a inauguração da rádio online, o trabalho inovador da Rede Wayuri – referência na comunicação de indígena para indígena – terá maior alcance, chegando a mais pessoas dentro do território indígena do Rio Negro e em regiões para além da Amazônia.
Em outubro, os comunicadores participaram de uma oficina com o técnico Márcio Santos, sobre a montagem dos equipamentos e práticas para a rádio web.
Durante a inauguração, a comunicadora indígena Cláudia Ferraz, do povo Wanano, que faz parte da Wayuri desde a criação da rede, trouxe um panorama dos trabalhos do coletivo de comunicação. Ela comemorou a conquista, que acontece quando a rede de comunicadores do Alto Rio Negro está completando seis anos.
Pesquisadora da Escola de Redes, Adriane Gama viajou do Pará até São Gabriel da Cachoeira e participou da inauguração. “Aqui em São Gabriel a gente percebe esse ativismo, esse engajamento desses jovens, como eles conseguem avançar com esses sonhos. Que eles possam seguir com autonomia, sustentabilidade e que possam garantir e fortalecer a comunicação comunitária indígena na região”, disse.
A entrada em atividade da Wayuri Online coincide com a expansão da conectividade no território indígena do Rio Negro, com a instalação pela Foirn de antenas da Starlink nas comunidades. Os programas levarão adiante informação de qualidade e confiável, de interesse dos povos indígenas. Além disso, poderão ser transmitidos nas línguas da região.
Confira vídeo do lançamento produzido pelos comunicadores indígenas:
Na grade de programação da Wayuri Online, já há três programas, sempre das 10h às 12h. Às terças-feiras, o comunicador José Paulo apresenta o Alô, Parente, com informações da sede São Gabriel da Cachoeira e também das comunidades, fornecidas pelos comunicadores que estão nos territórios indígena.
“O Alô, Parente vai abordar notícias locais de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, buscando informações em organizações como Foirn, Funai, instituições públicas. As pessoas que escutarem o programa poderão se informar sobre vários assuntos. Também vamos conversar com os mais velhos para contar histórias sobre a cultura indígena. A Wayuri online vem para melhorar o diálogo entre as instituições e os indígenas da cidade e das comunidades. E vem também para dar voz às pessoas que conhecem a cultura dos povos do rio Negro”, explica o indígena José Paulo, do povo Piratapuya, que está à frente do Alô, Parente!
O Papo da Maloca será retransmitido às quartas-feiras, a partir do ano que vem. Na quinta-feira, Juliana Albuquerque traz para os ouvintes o programa Kacuri Online!
O comunicador e designer Ray Baniwa, que também está na Rede Wayuri desde o início, esteve presente no lançamento. Logo em seguida ele viajou para participar da COP 28 e já está em Dubai. De lá enviará informes de áudio que serão veiculados no Papo da Maloca e na Wayuri Online. Outras novidades virão em 2024!
Inauguração
Imagem
Lançamento da Rádio Online Wayuri reuniu comunicadores e parceiros|Ana Amélia Hamdan/SA
A liderança indígena Luiz Laureano, do povo Baniwa, que acompanha os trabalhos da Rede Wayuri, fez um benzimento tradicional.
Bispo de São Gabriel da Cachoeira, Dom Edson Damian esteve na inauguração da rádio e trouxe uma reflexão sobre a importância da comunicação indígena.
“Wayuri quer dizer mutirão. É o trabalho feito em mutirão. E é uma característica dos povos dessa região, pela tradição dos casamentos interétnicos, que todos sejam parentes, próximos uns dos outros. Essa rádio traz essa característica da convivência pacífica entre os povos”, disse.
Coordenadora-adjunta do Programa Rio Negro (PRN) do ISA no Amazonas, Natalia Pimenta lembrou em sua fala que a Rede Wayuri vem promovendo diálogos importantes, ouvindo e reunindo diversos segmentos. Também esteve presente o diretor-presidente da Foirn, Marivelton Barroso, povo Baré.
A diretora da Foirn, Janete Alves, do povo Desana, que acompanha a Wayuri desde a sua criação, falou da importância do coletivo, que leva informação ao território e aos indígenas que vivem nas áreas urbanas na região do Médio e Alto Rio Negro.
“Fico emocionada de ver a Rede crescendo mais e mais. De uma bem menorzinha, que fazia áudios mensais, ela vai avançado. E agora temos a oportunidade de ter essa rádio web. Muitas vezes não chega informação nas comunidades. Vamos abraçar essa causa de fortalecer os comunicadores indígenas, que podem levar informações confiáveis e combater as fake news”, disse Janete.
Também participaram da inauguração a coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro (DMIRN-FOIRN), Cleocimara Reis; o coordenador do Departamento de Adolescentes e Jovens Indígenas do Rio Negro (DAJIRN-FOIRN), Elson Kene, povo Baniwa; a coordenadora do Departamento de Comunicação (Decom-FOIRN), Gicely Ambrósio, povo Baré; o comunicador José Baltazar, povo Baré; o coordenador do projeto de turismo Serras Guerreiras, Marcos Baltazar, povo Baré.
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Em passagem por SP, Rede Wayuri visita universidades e a Terra Indígena Tenondé Porã
Comunicadores indígenas do Rio Negro estiveram em atividades na USP, Unicamp e em intercâmbio de 3 dias com professores e alunos Guarani
Cláudia Wanano, da Rede Wayuri, em exibição do filme Wayuri no Museu das Culturas Indígenas (SP)|Leandro Karaí Mirim/Comunicação MCI
Integrantes da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas do Rio Negro viajaram de São Gabriel da Cachoeira (AM), uma das cidades mais indígenas do Brasil, para uma das maiores aglomerações urbanas do mundo, São Paulo. Com uma intensa agenda em outubro, eles viveram experiências marcantes e puderam trocar conhecimentos e estreitar laços com parentes de longe.
A Rede Wayuri é um coletivo de mídia popular formado por mais de 40 comunicadores de, pelo menos, 15 povos diferentes. Vinculada à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e com a parceria do Instituto Socioambiental (ISA), a Rede tem como um dos principais objetivos levar informações para as 750 comunidades indígenas e, assim, defender os direitos territoriais e culturais dos 23 povos da região.
Com articulação do ISA e a convite do Laboratório de Inovação, Desenvolvimento e Pesquisa em Educomunicação da ECA-USP (LABIDECOM), a Rede Wayuri participou do encontro Educação e (R)existência: Vozes das Amazônias e das Periferias que aconteceu no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc/SP, dia 20 de outubro.
De acordo com Thaís Brianezi, organizadora do evento e professora da Escola de Comunicações e Artes (ECA/USP), “Educomunicação é o direito à comunicação", “a educomunicação traz a perspectiva que a liberdade de expressão é para todo cidadão e cidadã, todos os povos, todas as comunidades que têm voz e tem que ter escuta, tem que ter meio de produção.”
Durante a tarde deste primeiro dia de atividades, a Rede colaborou com a oficina de troca de experiências sobre produção de podcasts e boletins sonoros, na qual participaram também os coletivos e organizações: Viração, ÉNóis, Imprensa Kunumingue, Vozes das Juventudes na Amazônia (Universidade Estadual do Amapá – UEAP), Escola Família Agroextrativista do Carvão, Metareciclagem e A.R.E.I.A (Ação Replicadora Educomunicativa Insurgente de Articulação).
À noite, aconteceu o lançamento oficial em São Paulo do documentário Wayuri, dirigido por Diana Gandra, seguido de uma roda de conversa com a participação das comunicadoras Cláudia Ferraz, do povo Wanano, e Elizângela da Silva, do povo Baré.
O documentário, que foi produzido com apoio do Instituto de Democracia e Mídia da Alemanha (IDEM), conta a história dos 5 anos de existência da Rede e já foi exibido em mais de 15 festivais pelo mundo.
Também foram exibidos outros trabalhos audiovisuais dos coletivos de comunicação presentes, de forma a ampliar a reflexão e a troca de conhecimentos. Além da programação ser aberta ao público, ela foi exibida ao vivo através dos canais do LABIDECOM.
“E é isso que as experiências que estavam aqui reunidas hoje fazem. Fazem as suas vozes ecoarem, conversarem, fortalecendo movimentos e furando bolhas, ecoando as suas falas. É isso que ensina a Rede Wayuri”, acrescenta a professora Thaís Brianezi.
“Então, com todas essas experiências, a academia só tem a aprender. Aprender como fazer comunicação de uma maneira que não seja mecânica, que não seja mera transmissão, que não seja linear. E assim, nesse desconstruir de uma visão linear da comunicação, também estamos ajudando a desconstruir essa visão progressista de desenvolvimento”, conclui.
Intercâmbio interaldeias
Imagem
Intercâmbio na TI Tenondé Porã, em São Paulo (SP)|Naiara Bertoli/ISA
Entre os dias 21 e 23 de outubro, em parceria com o Comitê Interaldeias e o Intervozes (Projetos Amazônia Livre de Fake e LabTaco), a Rede Wayuri realizou um intercâmbio na TI Tenondé Porã com professores e alunos Guarani.
O primeiro momento foi marcado pela exibição do filme Wayuri e alguns registros do “I Encontro de Comunicadores Guarani no Tekoha Oco´y (PR)”, promovido pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) em 2021.
O momento foi seguido de uma roda de conversa, na casa de reza. Ao longo dos dois dias subsequentes, a comunicadora Cláudia Ferraz, do povo Wanano, mediou uma oficina de podcast com cerca de 15 participantes, que resultou na produção de dois episódios em língua Guarani.
Paulo Sérgio, professor e uma das lideranças da Terra Indígena Tenondé Porã, refletiu sobre a importância das oficinas. “ “É muito importante a gente fazer essas trocas de conhecimentos. Na escola, estamos trabalhando bastante com as oficinas. E o que seriam essas oficinas? Não só da cultura, mas também com esse material não indígena que a gente pode usar para contribuir com a nossa comunidade. Nosso território tem 15 mil hectares, são 14 aldeias. Então, seria importante que os nossos jovens, que sabem manusear a tecnologia, usem para que a gente possa passar informações para outros parentes de outras aldeias”.
“Eu agradeço aos povos indígenas do Rio Negro, lá do Amazonas, pela importância do trabalho de vocês e que vai espelhar bastante o nosso trabalho. Para que a gente possa iniciar, também com os povos Guarani, o que já está sendo realizado pela Rede Wayuri. A mesma luta que vocês têm na Amazônia nós temos aqui em São Paulo, na região Sudeste do Brasil. Aguyjevete, obrigado!”
A comunicadora Cláudia Wanano acrescentou: “Eu fiquei muito alegre com a acolhida de vocês e de ver que vocês mantêm suas tradições e falam sua própria língua. Eu vou voltar lá para o meu território muito feliz e vou compartilhar essa experiência incrível que eu tive aqui.”
Assista ao vídeo realizado em colaboração com o Intervozes:
Após três dias intensos de atividades na TI Tenondé Porã, a Rede Wayuri seguiu para Campinas, no evento “Encontro de Parente com Parente” promovido em articulação com o Coletivo Acadêmicos Indígenas da Unicamp e Comissão Assessora para a Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas (CAIAPI).
A atividade aconteceu durante a disciplina de “Encontros interculturais: povos indígenas e a Universidade II”, ministrada pelas professoras Malu Arruda, Alik Wunder e Chantal Medaets e que está inserida em um Curso Básico – política adotada pela universidade para a permanência dos estudantes indígenas.
Os comunicadores se sentaram em uma sala de aula lotada de estudantes indígenas de todo o Brasil, sendo cerca de 70% da região do Rio Negro. O número expressivo de estudantes do Amazonas fez das exibições do filme Wayuri e do documentário Entre Utopias e Realidades, dirigido por Jeovane Tariano, também de São Gabriel da Cachoeira e recém-formado do curso de Midialogia, um momento muito especial e emocionante.
Verinha Tukano, estudante de História, comentou o quanto foi importante ver na tela as vivências, as memórias, seus costumes, ouvir a sua língua, rever as lideranças e, assim, fortalecer a sua identidade em um contexto tão distante da sua realidade.
A professora Alik Wunder complementou: "Precisamos de mais momentos como esse, e precisamos incluir mais Institutos, professores e alunos nas rodas de conversa. A Universidade ainda está muito distante da realidade. É preciso que eles ouçam, vejam e conheçam. Só assim vamos trabalhar por uma universidade verdadeiramente antirracista, livre de preconceitos, discriminações e estereótipos.”
Finalizando a agenda em São Paulo, o filme Wayuri fez parte da programação do Cineclube TAVA, no Museu das Culturas Indígenas, no dia 26 de outubro. Também foi exibido o documentário As Bicicletas de Nhanderú, que mostra uma jornada espiritual na vida dos Mbya Guarani da aldeia Koenju, no Rio Grande do Sul. Após a exibição do filme, foi realizada uma roda de conversa com Cláudia e grande presença do público indígena.
"Essa agenda da Rede Wayuri em São Paulo, nas principais universidades do Brasil, demonstra a força do jornalismo local indígena na Amazônia e a importância deste trabalho para o mundo, que enfrenta o maior desafio que temos como espécie: lutar contra a emergência climática. Dar voz aos povos indígenas que moram na floresta amazônica integra essa luta para mudar os padrões de consumo, descarbonizar a economia e fortalecer valores coletivos, menos individualistas e narcisistas. Somente um pensamento coletivo e intercultural pode nos salvar como espécie", conclui Juliana Radler, articuladora de políticas socioambientais do ISA e uma das co-fundadoras da Rede Wayuri.
Veja também a publicação da Rede Wayuri no Instagram: