"Cada povo tradicional tem uma identidade, uma história, uma memória partilhada e um território"
Neide Esterci, antropóloga, ex-presidente do ISA
Comunidades Tradicionais são, de acordo com a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, os “grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição”. Assim, podem ser consideradas Comunidades Tradicionais os quilombolas, seringueiros, ribeirinhos, caiçaras, ciganos, beradeiros, quebradeiras de coco babaçu, geraizeiros, sertanejos, entre outros. Todas estes povos e comunidades são parte fundamental da enorme pluralidade e diversidade sociocultural da sociedade brasileira.
O ISA atua com Comunidades Tradicionais na região do Xingu, no Pará e Mato Grosso, e no Vale do Ribeira, desde o final da década de 1990. No Ribeira, atuamos em parceria com associações quilombolas locais, prefeituras e organizações da sociedade civil, visando a implementação de projetos de desenvolvimento sustentável, geração de renda, conservação ambiental e melhoria da qualidade de vida das comunidades tradicionais da região. Vale destacar nosso apoio às atividades produtivas da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale), que têm contribuído para o fortalecimento e valorização do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola. O ISA tem também apoiado o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, que defende os direitos das comunidades da região e resiste contra as pressões e ameaças a estes territórios.
No Xingu, trabalhamos com comunidades ribeirinhas, conhecidas também como beiradeiras, e que vivem na região da Terra do Meio, em Altamira, no Pará. As famílias e comunidades beiradeiras são descendentes de seringueiros e de indígenas e têm seu modo de vida baseado em um conhecimento profundo da floresta e rios que habitam. Nossas linhas de atuação incluem estruturar alternativas de renda baseadas no extrativismo, apoiar a organização comunitária e o aumento de protagonismo de associações locais, e implementar projetos de desenvolvimento sustentável. O ISA ainda trabalha junto às associações e famílias beiradeiras, no desenvolvimento de pesquisas colaborativas sobre o modo de vida local, e promove a articulação entre beiradeiros e indígenas para produzir e comercializar os produtos florestais tradicionais desses povos, em bases justas, e que garantam qualidade de vida para as famílias, continuidade das culturas e do modo de ser beiradeiros e indígenas.
Em nível nacional, o ISA também apoia a luta das comunidades tradicionais na defesa de seus direitos - temos orgulho da nossa parceria com Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, a Conaq - por meio de mobilizações públicas e intervenções políticas nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
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Jovem colaborador da Rede de Cantinas da Terra do Meio é morto em Altamira (PA)
José Marcelino de Sousa gerenciava estoque de produtos da floresta e cuidava do galpão como se fosse sua casa
Marcelino de Sousa fazia parte do time da Rede de Cantinas da Terra do Meio, em Altamira, Pará|Lilo Clareto/ISA
Separar alimentos em cestas, pesar os produtos, catalogar o que chega e o que sai, fazer girar uma economia que cuida das pessoas e da floresta. O trabalho no galpão da Rede de Cantinas da Terra do Meio, em Altamira, no Pará, tem o gosto de quem trabalha para que comunidades indígenas e ribeirinhas possam comercializar seus produtos e viver bem.
José Marcelino de Sousa, 31 anos, fez parte desse time. Começou a trabalhar com a Rede de Cantinas em 2019 para ajudar no manejo da castanha-do-Pará. Dedicado e prestativo, passou a gerenciar o estoque no galpão e a fazer entregas locais dos produtos das comunidades, além de ajudar a organizar viagens e expedições.
O galpão era como se fosse sua casa. Cuidava muito bem de tudo. Casado, com um filho biológico e quatro filhos de criação, ele andava empolgado porque iria conseguir tirar a carteira de habilitação.
Em nota, a Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Rio Iriri (Amoreri) afirma que Marcelino “estava crescendo muito em suas funções, era um ávido aprendiz e um jovem de responsabilidade extrema em seu trabalho”.
“Prestamos nossa solidariedade aos amigos e familiares de Marcelino por esta irreparável perda e oramos para que Deus possa confortá-los neste momento de grande dor, em que as palavras se apequenam e o espírito busca amparo na Fé”, diz a associação.
Marcelino prepara cestas com alimentos produzidos pelas comunidades ribeirinhas da Rede de Cantinas da Terra do Meio|Carol Quintanilha/ISA
Marcelino colabora na preparação de cestas com alimentos produzidos pelas comunidades ribeirinhas da Rede de Cantinas da Terra do Meio|Carol Quintanilha/ISA
Marcelino colabora na preparação de cestas com alimentos produzidos pelas comunidades ribeirinhas da Rede de Cantinas da Terra do Meio|Carol Quintanilha/ISA
Notícias e reportagens relacionadas
As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Novo processo de regularização ambiental prejudica quilombolas e povos tradicionais
RegularizAgro, lançado pelo Governo Bolsonaro, privilegia imóveis rurais de uso individual e ignora contribuição dos quilombolas na proteção da vegetação e no desenvolvimento agropecuário do Brasil
Quilombolas do Vale do Ribeira (SP) colhem mandioca em roça tradicional no quilombo Cangume (Iporanga)|Manoela Meyer/ISA
Reportagem atualizada em 24/5/2022
Passados 134 anos do fim da escravização, ainda há muitos desafios para que as populações quilombolas sejam reconhecidas e seus territórios regularizados. A abolição formal e inconclusa fez com que alguns desses direitos fossem estabelecidos, como o direito à terra aos quilombolas, conforme consta no artigo 68 da Constituição, mas que não são garantidos na prática.
Há 10 anos, foi instituído o Novo Código Florestal, pela Lei 12.651/2012, que determina normas gerais sobre proteção da vegetação nativa. Embora a comunidade quilombola seja responsável por proteger parte significativa de mata nativa do país, segundo dados da plataforma MapBiomas, isso não é garantia de conseguir fazer uso ou conseguir demarcação de seu território.
Para garantir que qualquer território em área rural seja regularizado ambientalmente, o Código Florestal determina que seja feita uma inscrição no Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar). Entretanto, o processo de Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos territórios coletivos de populações tradicionais segue repleto de morosidade e violações de direitos. Enquanto mais de 6,5 milhões de imóveis rurais possuem cadastro, apenas 3.418 inscrições de povos e comunidades tradicionais (PCT) constam na base do Sicar.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que hoje existam 5.972 quilombos distribuídos em 1.672 municípios em 24 estados do país - apenas Acre e Roraima não possuem quilombos. Ou seja, até o momento, 30% das comunidades quilombolas do Brasil constam no Sicar, mas com processos em andamento.
Em meio a uma série de dificuldades encaradas por quilombolas, o governo federal, por meio do Decreto 11.015/2022, de março deste ano, instituiu o Plano Nacional de Regularização Ambiental de Imóveis Rurais, (RegularizAgro), que pensa em medidas para avançar o processo de regularização ambiental rural em todo o país.
O plano facilitaria o cadastro de territórios diversos no Sicar, incluindo os quilombolas, mas, na prática, o foco é especificamente nos imóveis rurais, que fazem o uso individual da terra. O referido plano do governo federal entende por gestão territorial apenas a atuação do agronegócio brasileiro e ignora a contribuição dos povos e populações tradicionais para a proteção da vegetação e até mesmo para o desenvolvimento agropecuário do Brasil.
Dificuldades encontradas
O Decreto não menciona o segmento do CAR para povos e populações tradicionais, que, de acordo com Código Florestal, é feito de forma diferenciada e deve ser apoiado pelo poder público para que as inscrições sejam feitas. Também não é mencionada a forma como lidar com as sobreposições entre os imóveis rurais e os territórios de uso coletivo, como Territórios Quilombolas, Terras Indígenas e Unidades de Conservação.
“Nós não recebemos informação do governo federal e dos estados de como fazer o CAR e, por isso, muitos quilombolas têm medo de fazer o cadastro de forma coletiva e optam por fazer de forma individual”, destacou Francisco Chagas, do Quilombo Caboclo (PI) e membro da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq).
Além das dificuldades que a própria comunidade encontra no preenchimento dos dados do sistema, há ainda o fato de que nem mesmo as instituições estaduais e empresas privadas que atuam com a elaboração do CAR têm conhecimento do módulo PCT e no seu cadastramento como território de uso coletivo. Diante da falta de conhecimento, a possibilidade de se cadastrar uma terra coletiva como imóvel rural é bastante grande. Além disso, uma série de direitos são violados, entre eles, o direito ao uso da terra como comunidade tradicional.
É necessário, então, que haja um diálogo entre comunidades quilombolas, órgãos federais, secretarias estaduais de meio ambiente e institutos de terras para que não se tenha uma violação do Código Florestal e dos direitos dos povos e comunidades tradicionais.
De acordo com o Código Florestal, povos e comunidades tradicionais têm o direito de fazer o uso sustentável da área que ocupam, como é o caso do manejo de roças tradicionais, desde que não descaracterizem a vegetação existente. Quando um quilombo é inscrito no sistema no segmento de imóvel rural e não como PCT, o coletivo fica impossibilitado de utilizar a sua área desta forma. Assim, há um processo de apagamento de outras formas de uso e ocupação do território rural brasileiro para além do uso feito pelo agronegócio em seus imóveis rurais.
“Se o Estado não tem a abertura de uma aba de PCT para cadastrar os quilombos como território de uso coletivo, essas comunidades não estão sendo pensadas dentro do escopo de inclusão pelo Estado. Precisamos fazer um debate com esses estados para entender qual foi e qual é a dificuldade para que possamos garantir o cadastro dos nossos quilombos dentro do Sicar”, observou Chagas.
Sobreposições de inscrições
Por priorizar imóveis rurais, o decreto não menciona problemas relacionados a territórios de uso comunitário, como é o caso de ocupações tradicionais. Uma dessas questões são as sobreposições, quando os registros de imóveis rurais estão localizados em cima de territórios de povos e comunidades tradicionais e, ainda assim, são cadastrados no Sicar como imóveis privados e não como parte do território de uso comunitário.
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Mapa da área do quilombo Poça (em verde) com sobreposições (polígonos em cinza)
De 435 territórios quilombolas registrados na base do Incra, 379 apresentam sobreposição com 9.439 registros de imóveis rurais. Essa sobreposição soma 1,57 milhões de hectares e ameaça 60% da área desses territórios.
Das 33 comunidades do Vale do Ribeira em São Paulo, 29 foram formalmente apoiadas pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), órgão responsável pelas políticas agrária e fundiária no estado e foram inscritas no CAR. E todas as reconhecidas possuem sobreposições com imóveis rurais, totalizando 393 sobreposições, como destaca nota técnica feita pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Conaq.
No total, são mais de 33 mil hectares de áreas com sobreposição nos quilombos. Em 14 comunidades, a área de sobreposição acumulada ocupa 50% ou mais do território e em alguns casos, como Bombas e Peropava, as sobreposições de imóveis rurais individuais superaram a área dos quilombos. O quilombo de Poça, por exemplo, possui 35 sobreposições de imóveis rurais registradas dentro de seu território.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Movimentos sociais locais realizam protesto contra a privatização do Petar no Vale do Ribeira (SP)
O Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira, em parceria com o Moab - Movimento dos Ameaçados por Barragens do Vale do Ribeira SP/PR -, realiza no dia 9 de abril um ato em protesto contra a concessão do Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar). A manifestação será na cidade de Iporanga (SP), onde o parque está localizado.
O ato visa informar a população da cidade, do Vale do Ribeira de um modo geral e toda sociedade sobre os riscos e impactos do procedimento de concessão de 30 anos do Petar, que viola direitos das comunidades tradicionais localizadas dentro dessa área.
Tanto a criação do Petar quanto a Lei Estadual nº 16.260/2016, que autoriza a Fazenda do Estado de São Paulo a conceder essas áreas, não foram precedidas de consulta e consentimento prévio dos povos e comunidades tradicionais.
E é isso que está ocorrendo com esta concessão, não garantindo às comunidades locais o direito à consulta e consentimento prévio, livre, informado e de boa fé. Tal direito é previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), vigente desde 2004 no Brasil, e também no Protocolo de Consulta Prévia das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira.
Além da falta de consulta, nenhum estudo de impactos socioambientais do projeto de concessão foi realizado, parte fundamental para que as comunidades afetadas possam se manifestar, participar e dialogar de forma qualificada sobre ele.
Além da concessão do Petar, o ato abordará ainda outras denúncias e ameaças sofridas pelos territórios de Comunidades Tradicionais, que seguem em resistência frente a ameaças como mineração, barragens, monoculturas florestais, grilagem, racismo estrutural e criminalização de suas práticas e modos de vida.
Serviço
Ato contra a concessão do Petar em Iporanga (SP)
Data/Horário: 9 de abril - 9h00
Local: Coreto Igreja Matriz de Sant’ana. Praça Luiz Nestlehner, Centro - Iporanga (SP)