Brasil Socioambiental: desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não.
Um dos motes do ISA em sua fundação
A política é o meio de exercer a cidadania para garantir direitos. Nesse campo, o ISA visa contribuir para o Brasil ser um país mais justo e sustentável, a partir de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que reflitam os desafios colocados à sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, cujo papel para a manutenção de nosso patrimônio socioambiental é fundamental. Com o trabalho em Política e Direito, trazemos para o debate público e à formulação de normas e políticas as experiências desenvolvidas por e com nossos parceiros, bem como o conhecimento acumulado pelo próprio ISA nos temas socioambientais.
Atuar com o tema Política e Direito é um dos pilares do trabalho do ISA desde sua criação. O Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), organização que precedeu e integrou a fundação do ISA, foi uma referência na sociedade civil brasileira nos anos 80 e 90, atuando junto aos poderes da República para a implementação dos direitos constitucionais indígenas, conquistados na Constituição de 1988. O trabalho do Programa Povos Indígenas do Centro Ecumêmico de Documento e Informação (Cedi), outra instituição que participou da criação do ISA, também sempre esteve voltado para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas.
Desde sua fundação, em 1994, o ISA ampliou essa atuação para outros temas socioambientais, tendo participado ativamente de debates sobre a formulação de leis e políticas fundamentais ao desenvolvimento sustentável do País. Esse trabalho requer constante articulação interinstitucional no âmbito da sociedade civil, dos movimentos sociais e com outros setores, o que fazemos por meio da participação de nossos advogados, pesquisadores e ativistas em coletivos, fóruns e redes.
A missão da equipe do ISA que atua diretamente com o tema Política e Direito valoriza as iniciativas políticas e legislativas de caráter propositivo, qualificando o debate público e apresentando soluções aos desafios em pauta, mas sem abrir mão dos recursos de obstrução e das estratégias de denúncia e de resistência política contra qualquer ameaça de retrocesso.
A equipe do ISA reúne perfis multidisciplinares e opera em articulação direta com os demais times da organização, sempre antenada com as demandas e propostas da sociedade civil para a agenda socioambiental e atenta à atuação dos atores políticos e tomadores de decisão. Além disso, atuamos inspirados pelo movimento social que mobiliza milhares de corações e mentes pelo Brasil para transformar o País em um lugar mais justo e sustentável.
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Livro apresenta coletânea comentada de decisões de tribunais brasileiros sobre direito à consulta livre, prévia e informada
Publicação é fruto do esforço coletivo que busca evidenciar e problematizar as lacunas presentes nas decisões judiciais
Arte de Daiara Tukano que ilustra a capa do livro e simboliza a força e a harmonia entre a mulher indígena e a natureza, representando a luta coletiva na defesa dos direitos humanos
Com origem em uma demanda do Instituto Socioambiental (ISA) ao Observatório de Protocolos Comunitários de Consulta e Consentimento Prévio, Livre e Informado, o livro "Tribunais Brasileiros e o Direito à Consulta Prévia, Livre e Informada" é uma resposta à escassez de pesquisas abrangentes sobre o papel crucial das decisões judiciais no estabelecimento de conceitos e na efetivação deste direito nos tribunais federais e superiores no Brasil.
A publicação é composta por coletâneas de decisões relativas ao direito de consulta livre, prévia e informada obtida junto aos Tribunais Regionais Federais (TRFs) de todas as regiões do país, bem como em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Além da coletânea de decisões, o livro traz um texto analítico por tribunal, onde especialistas avaliam a atuação dos tribunais no tema.
Assim, cada capítulo, elaborado por um grupo dedicado de autores e autoras, mergulha em análises específicas, desde metodologias de pesquisa até discussões aprofundadas sobre jurisprudência socioambiental, racismo estrutural, efetividade do direito de consulta à luz da Convenção n.o 169 da OIT, entre outros temas fundamentais para a compreensão desse direito no contexto do sistema jurídico da justiça federal no Brasil.
Assessora jurídica e coordenadora do Programa Xingu do ISA, Biviany Rojas conta que a arte de capa foi cedida pela artista Daiara Tukano e simboliza a força e a harmonia entre uma mulher indígena e a natureza, representando a luta coletiva e a união na defesa dos direitos humanos socioambientais.
“Este livro não apenas desvela o intrincado contexto das decisões judiciais relacionadas ao direito à consulta prévia, mas também aponta caminhos para promover decisões judiciais que contribuam com um futuro mais inclusivo e respeitoso aos direitos dos povos indígenas e as comunidades tradicionais”, ressalta a advogada.
Fernando Prioste, assessor jurídico do ISA, reforça que “sua importância transcende o campo jurídico, colocando em pauta um debate fundamental para o futuro da sociedade brasileira, instigando reflexões sobre diversidade, justiça socioambiental, participação social e garantia de direitos para as próximas gerações”.
A publicação desta obra não marca um ponto final, mas sim um convite para a continuidade desse diálogo, da busca por uma justiça mais ampla e inclusiva, em que a diversidade seja não apenas reconhecida, mas celebrada e protegida em todos os âmbitos da vida nacional.
Acesse agora a versão digital do livro sobre a jurisprudência brasileira no direito de consulta a povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais: clique aqui.
Direito em risco
Recriado em agosto pelo Governo Lula, o Programa de Aceleração do Crescimento (“Novo PAC”) foi apresentado com um conjunto de medidas consideradas necessárias para o crescimento econômico do Brasil.
Entre as propostas apresentadas no documento está o “aperfeiçoamento do marco regulatório do licenciamento ambiental”. Ou seja, o Governo quer mudar a forma de fazer o licenciamento ambiental. Entre essas medidas está a proposta de regulamentação do direito de consulta livre, prévia e informada.
A regulamentação da Consulta já existe em alguns estados, e em alguns órgãos do Governo Federal, como no caso do INCRA para quilombolas. Mas até agora não existe uma regulamentação nacional que se aplique igualmente para todos os casos. É justamente por isso que o Governo Federal disse que vai fazer a regulamentação do direito de consulta.
As experiências da Bolívia, Venezuela, Colômbia e Equado ensinaram que a regulamentação do direito à consulta prévia é feita através de decisões políticas que, na maioria dos casos, não garantem direitos a povos indígenas e povos e comunidades tradicionais..
Confira os principais riscos de uma possível regulamentação do direito de consulta:
1. Risco de retirar das comunidades tradicionais o direito à consulta;
Essa restrição poderia acontecer:
(I) Pelo reconhecimento de que apenas indígenas e quilombolas deveriam ser consultados, excluindo-se as comunidades tradicionais de todo o Brasil;
(ii) Pelo estabelecimento de critérios que impeçam ou limitem o direito de consulta, como fazer diferenças entre área diretamente afetada e área indiretamente afetadas nos casos de licenciamento de empreendimentos;
(iii) Pela desconsideração das várias formas de representação que cada povo indígenas, comunidade quilombola ou outras tradicionais tem;
2. Risco de alteração da responsabilidade de quem pode e deve conduzir o processo de consulta;
Este risco está relacionado com o fato do Governo poder:
(i) Colocar a responsabilidade pela realização da consulta a órgãos públicos que não são os responsáveis pela decisão que será tomada pelo Governo;
(ii) permitir que empresas privadas com interesses nos empreendimentos possam realizar os procedimento de consulta, indo contra o estabelecido pela Convenção 169 da OIT;
3. Risco de limitar as medidas e ações que devem ser objeto de Consulta;
Essa restrição poderia acontecer:
(i) Caso sejam criadas regras em que a consultas só devem ocorrer nos casos de empreendimentos de infraestrutura e mineração, excluindo outras decisões importantes, como projetos de lei e políticas públicas direcionadas a comunidades tradicionais e povos indígenas.
(ii) Pela definição de uma única consulta sobre um empreendimento que tem várias fases de licenciamento ambiental e de decisões de governo. Como, por exemplo, determinar que a consulta sobre empreendimentos ocorra uma única vez no licenciamento ambiental, ignorando as etapas de planejamento, ou vice-versa;
4. Risco de padronização ou generalização dos procedimentos de Consulta;
Esse risco pode acontecer:
(i) Pelo descumprimento dos Protocolos Autônomos de Consulta, substituídos pela regulamentação geral que se aplicaria de forma igual a todos os povos e comunidades;
(ii) Por imposição de prazos rígidos para a realização do processo de consulta, incompatíveis com os tempos necessários para a realização do procedimento por cada povo e comunidade tradicional;
5. Risco do Governo não considerar a decisão tomada no processo de consulta;
Esse risco poderia acontecer:
(i) Se não for respeitada a necessidade de que a tomada de decisão do Governo deve levar em consideração, obrigatoriamente, os resultados do processo de consulta;
(ii) Se o Governo alterar decisões sem considerar os processos de consulta, desrespeitando sua eficácia.
Marcelo Cardoso, da equipe do Programa Mananciais|Claudio Tavares/ISA
Faleceu no domingo (26/11), Marcelo Cardoso, grande promotor de pontes entre pessoas e entre ideias.
Ele teve um mal súbito em Águas de São Pedro, onde estudava. Seus amigos estão arrecadando fundos para traslado do corpo e velório, que deve acontecer em São Paulo.
Marcelo trabalhou no Programa de Mananciais do Instituto Socioambiental (ISA) nos anos 2000.
Conhecido por receber as pessoas com sorrisos e levar alegria por onde passava, ele trabalhou pelo monitoramento, recuperação e conservação de mananciais da capital paulista e na proposição de políticas públicas para garantia do abastecimento de água na cidade.
"Há pessoas que são reconhecidas por seu conhecimento, por suas especialidades e saberes técnicos. Há pessoas que são reconhecidas pelo que são como seres humanos, inteiros. Marcelo sempre foi dessas, carregando sua inteireza pelo mundo, onde quer que estivesse, fazendo o que fosse", descrevem seus companheiros do ISA e da vida.
Ele também participou da equipe de articulação para realização do Abraço à Guarapiranga, inclusive em sua primeira edição, no centenário da Represa Guarapiranga. A ação visava sensibilizar a sociedade civil paulistana e as autoridades da capital a adotar uma cultura de respeito e responsabilidade com suas fontes de abastecimento de água.
Sua passagem pelo planeta foi breve, mas repleta de carinho e comprometimento incansável com a causa socioambiental. Marcelo deixa um legado imenso e inspira a continuidade da luta por um meio ambiente ecologicamente equilibrado e socialmente justo.
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Marcelo Cardoso em visita à comunidade Vera Cruz, no Jardim Ângela, ocupação às margens da represa Guarapiranga|Claudio Tavares/ISA
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Marcelo Cardoso discursando na cerimônia que precedeu o Abraço Guarapiranga, em 2008|Betânia Santos Fichino
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta profundamente o falecimento de Marcelo Cardoso e se solidariza com sua família, amigos e parceiros.
Leia abaixo as homenagens:
Pilar Cunha, Marussia Whately, Fernanda Blauth, Arminda Jardim, Paula Santoro, Francisco Fortes, Bruno Marianno, Danny Rivian, Cesar Pegoraro, Bruno Weis, Moises Pangoni, Leo Malagoli, Ana Gonzatto e Luciana Ferrari Companheiros do ISA e da vida
"Há pessoas que são reconhecidas por seu conhecimento, por suas especialidades e saberes técnicos. Há pessoas que são reconhecidas pelo que são como seres humanos, inteiros. Marcelo sempre foi dessas, carregando sua inteireza pelo mundo, onde quer que estivesse, fazendo o que fosse. Nas causas socioambientais sempre incansável, comprometido e apaixonado, dialogando cuidadosamente com todos e tudo, encontrando o que unia e gerando comunidades. Em sua vida pessoal - que nunca foi separada da profissional - o amigo mais leal, disponível e generoso, a alegria de todas as festas, o coração sempre de prontidão para acolher. Cultivou a espiritualidade em si próprio e no mundo, num caminho lindo de dedicação. Foi jardineiro do amor por onde passou. Não será uma tarefa fácil estar nesse mundo sem o Marcelo daqui pra frente, mas prometemos que faremos o nosso melhor. Gratidão, Má! Te amamos!".
Silvia de Melo Futada Admiradora e amiga, colega no ISA
“Alegria, espontaneidade, sensibilidade e energia.... Marcelo era capaz de articular extremos numa mesma estratégia ... um olhar pro fazer coletivo, prezando pelas diferenças. As lembranças são muitas.......mas a alegria que me pulou da memória foram as muitas tardes de burekas.... Nos tempos do escritório de Higienópolis, a efervescente equipe do Mananciais por vezes tinha ânsia por burekas....Marcelo rodava todos as salas...oferecendo burekas..com um sorriso traquina na face.....anunciando o evento, coletando especificidades....proporcionando match entre pessoas que nem relações profundas tinham, mas que entrelaçadas por ele, topavam compartilhar burekas.....pouco tempo depois, lá estávamos nós, esbaldando-nos nas mornas burekas e deliciando-nos... Obrigada, amigo.....Assim te quero em minha memória, Marcelo, teus feitos, sim, mas também o abraço humano, sincero e fácil, a gargalhada na escada, o bailado na pista, as noitadas em sampa, a ironia implicada na transformação, a voz que aponta a injustiça no dia a dia. A alegria do simples e delicioso compartilhar de burekas e todos e todas, coletivamente, poderem saborear...e se divertir. Obrigada...e até já”.
Maria Inês Zanchetta Colega no ISA
“O Marcelo era uma pessoa acolhedora, era uma pessoa carinhosa, um companheiro de trabalho assim… pau pra toda obra. Trabalhamos juntos em alguns Abraços da Guarapiranga e no movimento todo do Programa Mananciais do ISA. Eu tinha grande admiração pelo Marcelo. Quando o programa terminou, a gente ainda continuou em contato porque ele foi para uma outra ONG com a qual o ISA também se relacionava, especialmente no movimento que foi a Rio +20. É uma pessoa que vai embora precocemente e que vai fazer muita falta. Marcelo presente!”.
Adriana Ramos Especialista em Políticas Ambientais do ISA e colega de trabalho
“Uma grande tristeza a partida precoce do Marcelo, um profissional muito competente e comprometido com a causa socioambiental. Tivemos a alegria de ter ele como colega, sempre colaborativo, solidário e afetuoso”.
Francisco Fortes Amigo e colega no ISA
“Marcelo Cardoso, meu melhor amigo. Um irmão que ganhei da vida. Sempre alegre e sempre pronto pra te acompanhar nas horas boas e ruins. Siga na luz!”.
Raquel Pasinato Assessora Técnica do ISA e colega de trabalho
“O Marcelo era um cara alegre, de sorriso largo e acolhedor. Um cara que trabalhava em prol das águas e das florestas, um ser humano iluminado. Ele contribuiu muito para o Programa Mananciais do ISA nos anos 2000 e também como parceiro no Vitae nas lutas pela regulamentação para transposição das águas da Bacia do Ribeira para o abastecimento de São Paulo. Com certeza ele vai fazer muita falta na luta socioambiental. Marcelo Cardoso presente!”.
Nilto Tatto Parceiro da causa socioambiental e colega de atuação
“Marcelo sempre foi um parceiro generoso nas belas empreitadas que atuamos juntos na defesa do meio ambiente e das gentes. Seu legado será sempre inspiração”.
Adriana Figueiredo, Antenor Morais, Fabio Endo, Lília Diniz Amigos e colegas no ISA
“Marcelo fazia conexões, plantava amor e amizade. Sempre alegre e sempre nos proporcionando alegria. Ponta firme, não deixava de ajudar sempre que precisávamos. Estava em todos os eventos importantes, de aniversário a finitude. E sempre persistente nas suas escolhas e valores. Ele deixará um vazio, um silêncio insubstituível, mas também muitos ensinamentos. Obrigada por tudo, Ma...vou sentir imensamente a sua falta”.
Alex Piaz Supervisor de Plataformas Digitais do ISA e colega de trabalho
“Tive oportunidade de trabalhar com o Marcelo em alguns projetos relacionados com o extinto programa Mananciais da Cidade de São Paulo, nos idos de 2010. Marcelo sempre foi competente e principalmente, muito bem humorado na realização das atividades. Nas cervejadas de sexta no ISA era sempre um dos mais animados. Uma perda enorme, infelizmente”.
Bruno Marianno Amigo e colega no ISA
“Marcelo, um amigo querido, sempre presente e disposto a ouvir e ajudar, da forma mais leve e feliz possível. Desde 2007 esteve por perto e sou muito grato por ele ter me apoiado durante um momento de mudança profissional importante. Foram muitos momentos de alegria juntos também, tinha uma energia interminável e isso dificulta acreditar no que aconteceu. "O amor é uma coisa boa" foi o que chamou atenção dele em um cartaz e tiramos nossa última foto, em junho deste ano. Ele era só amor e todos nós já estamos com saudades”.
Luizinho de Paula Colega no ISA
“Convivi com Marcelo no ISA durante dois anos. Energia maravilhosa, sorriso cativante, comprometido com uma das maiores causas da humanidade, a salvação das águas. Obrigado pela sua passagem por aqui, Marcelo! As suas lutas continuarão em nossas memórias e lutas”.
Mauro Scarpinatti Amigo, ambientalista e co-articulador do abraço do guarapiranga
“Eu nem sei o que dizer.... isso me tirou o chão. Nós fizemos muitas coisas juntos, o Abraço Guarapiranga foi algo que desde a primeira edição mergulhamos de cabeça. Em todas as edições, nesses anos todos quando ele estava em São Paulo, sempre participava com muito entusiasmo. Doi muito..fica um legado bacana de luta e articulação socioambiental, mas não tem a presença, o abraço, a risada fácil e gostosa... Na segunda-fera do carnaval desse ano, fomos juntos na despedida do querido Padre Jaime Crowe, que inventou de morrer em pleno carnaval . Relembramos um monte de coisas feitas com o Jaime. Chovia muito, aos cântaros eu dirigia em duireção ao Jardim ngela sem exeegar direito. Chorávamos e ríamos ao lembrar de episódios com o Jaime, a Maru, a Pilar,...”.
Ciça Wey de Brito
“Conheci o Marcelo no ISA. Nesse tempo, nos víamos bastante. Depois os encontros foram nas festas e comemorações, coisas boas e divertidas. Muita luz no seu novo caminho!”
Marcelo se destacava pela intensa capacidade de amar 📸 Marcelo Cardoso
Bicicletada na Av. Paulista pelo Dia Mundial sem Carro, em 2009 📸 Danny campos
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
'Encalhado' há anos, decreto assinado por Lula era 'sonho' da luta quilombola, diz Conaq
Presidente definiu instituição da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola como “pagamento de dívida histórica que a supremacia branca construiu nesse país”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou nesta segunda-feira (20/11), Dia da Consciência Negra, no evento “Brasil pela Igualdade Racial”, o Decreto 11.786/2023, que institui a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola (PNGTAQ).
A política contribuirá para a conservação da sociobiodiversidade, a proteção do patrimônio cultural, o fomento de políticas públicas e a garantia de direitos territoriais e ambientais das comunidades quilombolas. Ela compõe um pacote de 13 medidas promovidas pelo Governo Federal para celebrar a data, que é um marco histórico da resistência negra no Brasil.
Entre as medidas, estão programas nacionais, titulações de territórios quilombolas, bolsas de intercâmbio, acordos de cooperação, grupos de trabalho interministeriais, e outras iniciativas que garantem ou ampliam o direito à vida, à inclusão, à memória, à terra e à reparação.
“O que nós fizemos aqui hoje é o pagamento de uma dívida histórica, que a supremacia branca construiu nesse país desde que esse país foi descoberto, e que nós queremos apenas recompor aquilo que é a realidade de uma sociedade democrática”, afirmou o presidente.
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PNGTAQ contribuirá para a conservação da sociobiodiversidade, a proteção do patrimônio cultural e o fortalecimento das instituições para garantir os direitos territoriais e ambientais das comunidades quilombolas|Ester Cezar/ISA
Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola
Estruturada em cinco eixos (integridade territorial, usos, manejo e conservação ambiental; produção sustentável e geração de renda, soberania alimentar e segurança nutricional; ancestralidade, identidade e patrimônio cultural; educação e formação voltadas à gestão territorial e ambiental e organização social para a gestão territorial e ambiental), a PNGTAQ tem previsão orçamentária de mais de R$ 20 milhões.
A política se propõe a promover práticas de gestão territorial e ambiental desenvolvidas pelas comunidades quilombolas, atuar para garantir os direitos territoriais e ambientais dessas comunidades, favorecer a implementação de políticas públicas de forma integrada, proteger o patrimônio cultural material e imaterial, conservar a biodiversidade e fomentar seu uso sustentável, e ainda, promover a melhoria da qualidade de vida e a justiça climática.
“Essa política a gente já está brigando por ela desde 2013 e estamos realizando um sonho”, disse o coordenador de articulação nacional Biko Rodrigues, da Coordenação Nacional da Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).
“Embora a gente saiba que o governo está num processo de reestruturação, vale lembrar que boa parte da política anunciada já estava encalhada ao longo dos [últimos] seis anos e que hoje [20/11] abriram-se as porteiras para que essas políticas saíssem do papel”, relembra Rodrigues.
De acordo com o Ministério da Igualdade Racial (MIR), as primeiras ações da PNGTAQ acontecerão no Território Étnico de Alcântara no Maranhão, nos territórios de Vidal Martins, em Santa Catarina e Rio dos Macacos, na Bahia. “São territórios em que já temos orçamento do MIR previsto para implementação de Planos de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola em 2024. Além deles, outros territórios titulados em 2023 são prioridades de atendimento na PNGTAQ, como, por exemplo, Brejo dos Crioulos (MG).
Construção da PNGTAQ
A Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola surgiu a partir de uma demanda da Conaq e passou por um processo de construção coletiva de dez anos, com representantes de comunidades quilombolas, do governo e de parcerias.
A ação foi iniciada em 2015 com um primeiro ciclo de atividades liderado por parceria entre Ministério do Meio Ambiente (MMA) e Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), por meio de um Grupo de Trabalho Interministerial no âmbito do Cadastro Ambiental Rural (CAR) de Povos e Comunidades Tradicionais (PCT).
Como resultado, foi elaborado pela SEPPIR, MMA, Conaq e representantes de comunidades quilombolas de 15 territórios um conjunto de diretrizes preliminares para formulação da política. O objetivo das oficinas era coletar as experiências de gestão territorial que as comunidades quilombolas já fazem em seus territórios.
“Nós já fazemos a gestão do nosso território a partir do nosso modo de ser e de fazer. Nós conhecemos nosso território e com isso dialogamos as partes que temos que deixar preservadas, quais são os nossos espaços sagrados, onde a gente pode fazer as roças. A gente sabe onde fica o espaço de cada um, a gente sabe onde estão as nascentes, as cabeceiras dos rios, o período de fazer o plantio, o período de fazer a colheita. Todo esse processo a gente faz naturalmente, essa é a forma da gestão que se faz no território, por isso que é importante a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental Quilombola, pra vir fortalecer essa autogestão que já se faz”, explica Célia Pinto, coordenadora executiva da Conaq.
Após o primeiro ciclo de oficinas, foi instituído o Grupo de Trabalho de Gestão Ambiental Territorial (GT GAT), com a finalidade de criar um espaço específico para consolidar essa agenda. Em 2017, o MMA lançou edital público para promover o segundo ciclo de oficinas formativas e informativas. As organizações selecionadas para colaborar com a execução técnica foram o ISA e a Negra Anastácia.
No ano seguinte, foram realizadas sete oficinas regionais e duas nacionais envolvendo 170 comunidades quilombolas de todo o Brasil, a fim de aprimorar e validar as diretrizes, objetivos e instrumentos para a Gestão Territorial e Ambiental Quilombola.
Com a mudança de governo, entre 2019 e 2022, a política foi paralisada com o desmonte nos órgãos ambientais e sociais e desinteresse do governo federal em implementar essa agenda. Este ano, com a retomada do governo Lula e a instituição do Ministério da Igualdade Racial (MIR), a PNGTAQ voltou a ser uma prioridade e tornou-se uma linha estratégica dentro do programa Aquilomba Brasil.
“Depois que o MIR criou isso, ele puxou um grupo de trabalho dentro do Aquilomba Brasil para discutir como seria o processo de retomada da gestão territorial ambiental quilombola e convidou a Conaq, que sempre conduziu esse processo, e também o [Instituto Socioambiental] ISA. Nesse GT, foi decidido fazer duas oficinas, que aconteceram em agosto e setembro”, conta Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA.
“A primeira atividade, em agosto, foi com um grupo menor de 15 lideranças quilombolas, com o governo e com os parceiros para analisar tudo que já tinha sido feito, entender os trâmites administrativos e fazer os encaminhamentos. Dessa primeira oficina saiu um subgrupo de trabalho para fazer a redação de tudo o que tinha sido produzido já no formato de um decreto. Na segunda oficina, o movimento quilombola trouxe 50 lideranças, mais representantes do governo e parceiros para validar e fazer os ajustes na proposta de decreto. Foi um momento de muita importância das comunidades discutirem quem iria compor o comitê gestor da política, quais os ministérios e como a Conaq ia atuar”, relata.
Membro do Coletivo de Meio Ambiente da Conaq, Francisco Chagas avalia como “imensurável” a importância da elaboração da PNGTAQ pela Conaq. “O movimento quilombola do Brasil se posicionou. Apontou caminhos não apenas para uma estrutura de projeto, mas para uma estrutura de política, e isso é histórico. Nós queremos que a política seja implementada com as comunidades quilombolas e também dentro do processo legal, dentro do direito que as comunidades têm, porque o processo de colonização devastou esse direito e o Estado brasileiro tem essa dívida para com a gente.”
Avaliações do decreto
Célia Pinto que atuou ativamente desde o começo do processo de elaboração da minuta, celebra a instituição da política, mas destaca alguns pontos de observação.
“Tivemos grandes momentos de debates e nos últimos meses centramos fôlego nessa elaboração, embora algumas coisas que nós havíamos colocado, principalmente com relação à participação da Conaq nesse processo tenham sido retiradas”.
A ideia original era que a Conaq, que sempre atuou ativamente, tanto na questão técnica quanto política na luta pelos direitos e políticas públicas voltadas para os quilombolas, integrasse nominalmente o Comitê Gestor. O que não aconteceu.
No Decreto foi publicado em seu artigo 17 as seguintes representações: um representante do Ministério da Cultura; um representante do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar; um representante do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome; um representante do Ministério da Educação; um representante do Ministério da Igualdade Racial; um representante do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima; um representante das organizações quilombolas de cada uma das regiões geográficas do País e um representante de entidade quilombola de atuação de âmbito nacional.
Segundo o MIR, “a partir do dia 20 de novembro, as ministras Anielle Franco e Marina Silva, em conjunto com o ministro Paulo Teixeira, devem publicar em noventa dias um ato próprio estabelecendo critérios e procedimentos para a definição das organizações quilombolas que irão compor o Comitê Gestor”.
“Mas a gente entende a importância [do decreto] e fica muito contente com o protagonismo da Conaq na elaboração dessa política para as comunidades quilombolas de todo o Brasil, e que vai servir com certeza de referência para povos afro rurais de outros países”, celebra Célia Pinto, coordenadora executiva da Conaq.
Pasinato também comemora a construção da política pelo movimento quilombola na figura central da Conaq, “afinal, no Brasil, não é todo dia que se faz política pública para a população quilombola. Ainda engatinhamos na reparação histórica necessária”.
“No entanto, o decreto sofreu alterações quando passou a ser operado pelos trâmites internos governamentais. Houve, por exemplo, cortes de instrumentos de gestão associados a legislações ambientais, que poderiam solucionar gargalos históricos de regulamentação para os usos tradicionais quilombolas. Uma pena, mas a PNGTAQ em si é um instrumento que, com financiamento, certamente mostrará ao Brasil a potência de gestão e manejo que os territórios quilombolas desempenham e seu papel na conservação da sociobiodiversidade e no enfrentamento à emergência climática”, avalia a assessora técnica.
“Outra coisa também, que nós ainda vamos debater bastante é a questão da atuação, quais territórios quilombolas que essa política vai atingir. Isso é um debate que nós ainda vamos ter que fazer junto ao governo. Há uma prerrogativa no decreto de que sejam aquelas comunidades que estejam já com seus Relatórios Técnicos de Identificação e Delimitação (RTIDs)* publicados. O nosso desejo é que ela alcance todos os territórios quilombolas. Mas isso é um debate, vamos negociando, discutindo e melhorando”, destaca Célia.
*RTID é o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação. Esse relatório reúne todas as peças técnicas do Incra que subsidiam a proposta de titulação dos territórios
“Agora é monitorar e acompanhar todo o desenrolar, porque não basta só ter um decreto, não basta tá no papel. Mais importante do que estar no papel é a prática e a efetivação. Então isso nós vamos fazer, vamos acompanhar pra que de fato não seja só mais uma política”, afirma Célia Pinto.
“A PNGTAQ é uma política para todas as comunidades quilombolas do Brasil. A restrição é apenas para ações dentro da Política que envolvam direitos reais sobre os territórios. Ou seja, ações que envolvam posse e propriedade da terra estão restritas a territórios com limites determinados. Nestes casos, a publicação do RTID torna-se um componente fundamental”, afirmou, em nota, o Ministério da Igualdade Racial.
Secretário de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Ciganos do MIR, Ronaldo dos Santos explica que “tem ações da GTAQ que não são perenes, portanto não caracterizam uma violação ao direito à propriedade, como a implantação de uma horta, por exemplo. Outras têm implicações maiores, como obras e construções. Nesse caso o RTID é compreendido como o instrumento que embasa um pouco mais o uso dos espaços”.
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Alguns governos estaduais já anunciaram que vão aderir a política, como é o caso do estado da Bahia, do Maranhão, do Piauí e de Tocantins. Juntos, esses estados têm 1875 comunidades certificadas|Ricardo Stuckert/PR
Ações para quilombos
“É com muito orgulho, senso de responsabilidade que celebramos este primeiro novembro negro em que o Brasil tem um Ministério da Igualdade Racial, como uma ferramenta para garantir a continuidade histórica das políticas públicas para que sejam cada vez melhores e cheguem em quem mais precisa”, disse a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, durante cerimônia do Dia da Consciência Negra, no Palácio do Planalto.
Juntamente com Lula e outras autoridades, como o presidente do Incra, César Audrighi, e o ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, Franco anunciou a titulação federal de dois quilombos, um na Ilha de São Vicente, em Araguatins (TO), e o outro na Lagoa dos Campinhos, em Amparo do São Francisco (SE).
Também foram entregues títulos estaduais para a Associação dos Moradores do Povoado Malhada dos Pretos, em Peri Mirim (MA); Associação dos Moradores do Povoado Santa Cruz, em Peri Mirim (MA) e Associação da Comunidade Negra de Trabalhadores Rurais Quilombolas de Deus bem Sabe, em Serrano do Maranhão (MA), além de um decreto de declaração de interesse social do território quilombola Lagoa das Piranhas, Bom Jesus da Lapa (BA). O decreto marca a retomada da política de titulação de territórios quilombolas no Estado.
Apesar dessas entregas terem sido anunciadas como títulos, Milene Maia, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental do ISA, explica que, tecnicamente, o anúncio para Araguatins (TO) corresponde a outro instrumento jurídico, chamado Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU). O processo de titulação de quilombos é longo e envolve várias etapas, sendo a titulação definitiva a última delas.
“A Ilha de São Vicente (TO), recebeu, na verdade, um CCDRU, que significa que a administração pública cede o uso para as comunidades tradicionais. Porém não é um título definitivo do território, como estabelece o ADCT 68 da Constituição Federal. Portanto, é um instrumento jurídico frágil”.
A ministra anunciou o investimento de R$5 milhões para as comunidades quilombolas do território de Alcântara (MA). O investimento faz parte de uma parceria com o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA). O recurso será utilizado para o fortalecimento de seus sistemas produtivos a partir de um método patenteado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), por meio da integração de várias atividades, como criação de galinhas e peixes, compostagem e vermicompostagem e horticultura.
Também será instalada uma usina fotovoltaica para autonomia energética e que permitirá às comunidades fazerem pedido de pagamento por serviços ambientais.
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“Falar de reparação é falar de direito à terra”, disse a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco|Ricardo Stuckert/PR
Em seu discurso, Anielle também relembrou a morte de mãe Bernadete e de lideranças quilombolas que foram assassinadas nos últimos tempos.
“O que a trajetória da mãe Bernadete nos ensina é que proteger a população quilombola é proteger o nosso passado, o nosso presente e o nosso futuro. E também a ela, por toda a sua luta, precisamos garantir que o direito à terra não seja uma ameaça ao direito à vida”.
O coordenador da Conaq, Biko Rodrigues, também cobrou um afinco maior por parte do estado brasileiro no processo de avanço para regularização dos territórios quilombolas. “Os territórios regularizados salvam vidas e não colocam as nossas lideranças em situações de ameaças.”
“Titular território quilombola é garantia de direitos. Não podemos mais aceitar tantas mortes, tantas violências sofridas por defender nossos territórios. Os territórios precisam ter dignidade”, disse Sandra Braga, coordenadora executiva da Conaq.
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'PL do Marco Temporal' pode repetir graves violações de direitos dos povos indígenas; entenda
Às vésperas da sessão que pode definir o futuro da demarcação de Terras Indígenas no Brasil, relembre casos dramáticos de deslocamentos e contatos forçados provocados por políticas que o Congresso quer reeditar
Casas incendiadas. Epidemias mortais. Pessoas indígenas perseguidas e caçadas. Terras Indígenas loteadas para empresas agropecuárias. Comunidades inteiras levadas em caminhões, a quilômetros de seus territórios. Essas são apenas algumas das graves violações de direitos humanos sofridas pelos povos indígenas no Brasil graças a políticas como as que o 'PL do Marco Temporal' (14.701/2023) quer reeditar.
Às vésperas da sessão no Congresso Nacional em que os legisladores vão definir se acatam ou não os vetos do presidente Lula ao 'PL do Marco Temporal', pesquisadores do Instituto Socioambiental (ISA) produziram dois mapas interativos para relembrar dez trágicos casos de deslocamentos e 12 casos de contatos forçados com povos indígenas.
Os mapas foram produzidos a partir de documentos do acervo do ISA e dos verbetes da Enciclopédia Povos Indígenas no Brasil, que relembram o violento histórico do contato vivido por muitos povos indígenas. Outro subsídio foi o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que investigou as graves violações sofridas por povos indígenas e comprovou que a política indigenista anterior à Constituição de 1988 vitimou pelo menos 8.350 pessoas indígenas – crimes reconhecidos pelo Estado brasileiro somente em 2014.
Sem os vetos, além de manter a tese do 'Marco Temporal', que restringe o direito dos povos indígenas às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, 5 de outubro de 1988, o Projeto de Lei também pode implementar o contato forçado com povos indígenas isolados; a permanência de invasores em Terras Indígenas; a autorização para o agronegócio explorar Terras Indígenas, inclusive com transgênicos; e a anulação de reservas indígenas.
Para a derrubada dos vetos no Congresso, será necessário alcançar maioria absoluta – ao menos 257 votos dos deputados e 41 dos senadores. Entretanto, a redação anterior do Projeto de Lei (PL 2.603/2022) já havia sido aprovada com 283 votos favoráveis na Câmara e 43 no Senado. Dessa forma, caso haja a derrubada dos vetos, a lei passa a valer, mas ainda poderá ser questionada na Suprema Corte.
Risco iminente: contato forçado com povos indígenas isolados
O presidente Lula vetou no dia 21 de novembro integralmente o Artigo 28 do Projeto de Lei, que permitia o contato forçado com povos isolados. No artigo vetado, sob a justificativa de “interesse público”, se estabelecia o fim à política de não contato com indígenas isolados, criada em 1987 para garantir a esses povos o direito ao isolamento e ao território, com contatos estabelecidos apenas em situações extraordinárias, de riscos à saúde e integridade física, ou em casos em que a aproximação seja feita pelo próprio grupo.
Agora, o Congresso Federal pode decidir pela reinserção desse artigo no Projeto de Lei, desconsiderando o direito à autodeterminação dos povos e revivendo a desastrosa política de integração compulsória – que já causou a morte de milhares de indígenas e o extermínio de povos inteiros, como mostra o mapa com 12 casos de contatos forçados com povos indígenas.
Casos como o do povo Akuntsu, em Rondônia, expõem o histórico de violências brutais que levaram praticamente à dizimação de um povo até então isolado. Atualmente, os Akuntsu, após diversos massacres perpetrados por fazendeiros, madeireiros e grileiros, tiveram sua população reduzida a apenas quatro sobreviventes.
Já o povo Rikbaktsá, que também tem sua história de contato forçado revelada no mapa interativo, enfrentou um processo de “pacificação” que levou à morte 75% de sua população por doenças epidêmicas e outras violências.
Para o antropólogo Tiago Moreira dos Santos, do programa Povos Indígenas no Brasil do ISA, caso o Projeto de Lei venha ser aprovado sem os vetos, essa política pode voltar a dizimar povos inteiros: “A abertura para situações de contato forçado com povos isolados representa uma grave ameaça à integridade física e cultural desses povos. Os exemplos históricos são nítidos a respeito do que pode acontecer: genocídio, reduções populacionais drásticas, morte de culturas e línguas e muito sofrimento pra essas populações”.
O mesmo foi pontuado pelo presidente Lula em despacho que acompanhou a publicação do Projeto de Lei no Diário Oficial da União: “Este dispositivo converte a política de não contato em uma política de contatos forçados com os indígenas isolados 'para intermediar ação estatal de utilidade pública', hipótese inédita e demasiadamente ampla que pode gerar ameaças aos povos indígenas em isolamento”.
Remoções forçadas liberaram territórios para colonização e obras de infraestrutura
Já o Artigo 4 do Projeto de Lei revive a tese do 'Marco Temporal' – que foi vetada pelo presidente Lula. Esse artigo quer condicionar o direito dos povos indígenas apenas às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, salvo em casos de conflito possessório que deve ser comprovado pelas comunidades.
O artigo, além de ir contra o que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 27 de setembro de 2023, que garantiu a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, independentemente de um marco temporal, ignora o extenso histórico de expulsões e deslocamentos forçados sofridos pelos povos indígenas, graças a políticas que, no passado, subordinaram os direitos indígenas aos planos governamentais e empresariais, legitimando o esbulho das Terras Indígenas.
Segundo a CNV esse era o objetivo da política indigenista do estado entre 1946 a 1988: “Se estabelece na prática uma política que, ao invés de proteger os ‘usos, costumes e tradições’ indígenas, atua diretamente para alterá-los sempre que se julga que se apresentam como um ‘empecilho’ ao projeto político do governo”.
Um dos exemplos destacados no mapa que traz dez casos de deslocamentos forçados de povos indígenas, e demonstra os riscos da aprovação da tese, é do povo Avá-Canoeiro do Araguaia.
Autodenominado Ãwa, esse povo se refugiava do assédio de fazendeiros na Mata Azul quando teve um de seus grupos brutalmente rendido por agentes de uma Frente de Atração da Funai e, posteriormente, foi transferido à força para a terra dos Javaé. Na ocasião, seis indígenas foram capturados – dois homens, uma mulher e três crianças –, aprisionados em jaula a céu aberto e expostos à visitação pública na Fazenda Canuanã. Hoje, os Avá-Canoeiro do Araguaia têm uma população de apenas 38 pessoas e vivem exilados em terras alheias, enquanto lutam pela demarcação da TI Taego Ãwa e pela justa reparação pelas violações sofridas.
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Confira os vetos do presidente Lula ao PL do ‘marco temporal’
Congresso Nacional poderá manter ou não a decisão do presidente, que vetou 19 artigos e manteve oito
Na última sexta-feira (21/10), duas semanas depois de o Projeto de Lei do Marco Temporal (PL nº 2903/2023) ter sido aprovado pelo Senado, o presidente Lula sancionou a primeira lei ordinária do país sobre a demarcação de Terras Indígenas, vetando inúmeros pontos do projeto – inclusive a tese do marco temporal.
A lei 14.701/2023 regulamenta o artigo 231 da Constituição Federal e deixa de fora a famigerada tese que restringia o direito dos povos indígenas somente às terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988. Em setembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) já havia considerado a tese inconstitucional.
Agora cabe ao Congresso Nacional manter ou derrubar os vetos, em sessão prevista para o dia 9 de novembro. Para derrubá-los é preciso maioria absoluta: ao menos 257 votos dos deputados e 41 dos senadores. Na redação anterior aos vetos, o PL foi aprovado com 283 votos favoráveis na Câmara e 43 no Senado. Caso haja a derrubada dos vetos a lei entra em vigor, mas ainda pode ser questionada na Suprema Corte.
A lei tem origem no PL nº 490/2007, aprovado pela Câmara dos Deputados em maio deste ano. Ao chegar no Senado, a proposta se transformou no PL nº 2903/2023 e foi aprovada em setembro em meio a disputas e tensões entre os Três Poderes - os senadores aprovaram a proposta no mesmo dia em que o Supremo finalizou o julgamento do Marco Temporal.
Nesse cabo de guerra, além de implementar a tese do marco temporal, outros inúmeros retrocessos foram incorporados ao PL, entre eles os princípios de um projeto racista da Ditadura Militar, que previa a assimilação cultural forçada dos indígenas; a permanência de invasores em Terras Indígenas; a autorização para o agronegócio explorar Terras Indígenas, inclusive com transgênicos; e a anulação de reservas indígenas.
Na sanção da nova lei o presidente optou pelo veto parcial, buscando ampliar as chances de uma vitória frente à oposição ruralista no Legislativo.
No total, 19 artigos foram vetados integralmente, cinco parcialmente e oito foram mantidos. Os trechos vetados já haviam sido considerados inconstitucionais, de acordo com a decisão do STF sobre a tese do marco temporal. Já os mantidos se referem, em sua maioria, a disposições gerais sobre a definição do que são Terras e Reservas Indígenas.
Confira em detalhes os vetos presidenciais:
Fim à tese do marco temporal
O Artigo 4, referente à tese do marco temporal, foi parcialmente derrubado. No despacho, o presidente manteve apenas os parágrafos cinco, seis e oito, que deliberam sobre a transparência do processo demarcatório e sobre a garantia de tradução, oral ou escrita, às partes interessadas.
Os vetos nesse artigo foram justificados em despacho que acompanhou a publicação da lei no Diário Oficial da União:
“Em que pese a boa intenção do legislador, a proposição legislativa contraria o interesse público por introduzir a exigência de comprovação da ocupação indígena na área pretendida na data da promulgação da Constituição Federal, a saber, 5 de outubro de 1988, ou então de renitente esbulho persistente até aquela data, desconsiderando a dificuldade material de obter tal comprovação frente à dinâmica de ocupação do território brasileiro e seus impactos sobre a mobilidade e fixação populacional em diferentes áreas geográficas", afirmou a Presidência.
Em nota técnica enviada ao presidente Lula no início de outubro, o Instituto Socioambiental (ISA) já havia pontuado as justificativas levantadas pelo despacho. “O texto aprovado pelo Congresso Nacional constitui a mais grave violação dos direitos constitucionais dos povos indígenas desde a redemocratização do País e contraria frontalmente o interesse público”, afirma a nota.
Além das razões citadas, o despacho também afirma que a decisão se deu após diálogos com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC); o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA); o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP); o Ministério dos Povos Indígenas (MPI); e a Advocacia-Geral da União (AGU). A pressão das organizações indígenas e indigenistas junto a sociedade civil também surtiu efeito. Ao todo, foram mais de 920 mil assinaturas na petição que pedia o veto ao PL.
Contestação do processo demarcatório em todas as fases
O Artigo 5 do PL do Marco Temporal, por sua vez, constituído em um único parágrafo, foi vetado integralmente. O artigo barrado visava alterar o processo de demarcação, permitindo que qualquer interessado, a qualquer momento, pudesse questionar o procedimento.
Se aprovado, esse artigo poderia inviabilizar novos processos de demarcação e tornar ainda mais longa a espera de povos indígenas para terem seus territórios assegurados. Atualmente, todos os interessados já podem se manifestar, desde que dentro dos prazos determinados, assim como acontece em todo procedimento administrativo.
“Ademais, cabe apontar que atualmente há previsão de manifestação dos Estados, Municípios e demais interessados no procedimento, nos termos do Decreto nº 1.775, de 1996 e da Portaria nº 2.498/11 do Ministério da Justiça", justificou o presidente na publicação oficial.
Anulação de “Reservas Indígenas”
Vetados parcialmente, os parágrafos que ficaram do Artigo 16 foram aqueles que definem o que são áreas indígenas reservadas e a sua gestão. Anteriormente ao veto presidencial, o PL determinava a retomada desses territórios a partir de critérios subjetivos e racistas, como a “alteração dos traços culturais da comunidade” ou “outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”.
Segundo o presidente Lula, o texto aprovado pelo Senado representa uma ofensa à Constituição Federal, que afirma em seu 5º Artigo que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Isso porque, segundo o presidente, “as reservas indígenas são áreas com o processo de regularização já finalizado, ou seja, terras indígenas consolidadas, cuja demarcação constitui ato jurídico perfeito e direito adquirido dos indígenas”, concluiu.
Indenização e impedimento à retirada de invasores de TIs enquanto o processo de demarcação não for concluído
Outro ponto vetado pelo presidente, dessa vez integralmente, foi a garantia à indenização pela “terra nua” a posseiros, que estimulava e beneficiava invasores de Terras Indígenas em sua redação original. Foram essas, inclusive, algumas das razões citadas no veto presidencial. Além delas, o despacho também pontuou que, além de ser inconstitucional, o nono artigo poderia ampliar os eventuais custos com pagamento de indenizações a cargo da União.
“Além disso, conquanto não se desconheça que aos não indígenas é sim devido o justo ressarcimento do dano sofrido pela titulação indevida, é de se reconhecer que o §6º do art. 231 da Constituição Federal e as teses fixadas no precedente vinculante exarado pelo Supremo Tribunal Federal no bojo do RE 1017365 exigem que a indenização das benfeitorias seja derivada de ocupação ou posse de boa-fé pelos não indígenas”, afirma o texto.
Instalação de empreendimentos predatórios sem consulta livre, prévia e informada às comunidades
O Artigo 20 foi vetado parcialmente, em razão de condição prevista na própria Constituição Federal e também do descumprimento a duas convenções internacionais mandatórias sobre povos indígenas: a Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2007).
O texto aprovado pelo Senado autorizava a instalação de empreendimentos como intervenções militares, e a construção de empreendimentos sem consulta prévia às comunidades indígenas envolvidas.
“Ou seja, a oitiva dos indígenas é condição prevista na própria Constituição Federal, motivo pelo qual é inconstitucional a expressão 'independentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas'”, destacou o despacho.
Na lei sancionada pelo presidente Lula, a única parte mantida estabelece que o usufruto dos indígenas sobre suas terras não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional.
Contatos forçados com indígenas isolados
Um dos mais perigosos, o Artigo 28 do PL colocava um fim à política de não contato com indígenas isolados, ou seja, aqueles que vivem afastados de outros povos indígenas ou dos não indígenas. O dispositivo foi vetado integralmente pelo presidente sob a prerrogativa de inconstitucionalidade e do risco que ele traz aos isolados.
“Este dispositivo converte a política de não contato em uma política de contatos forçados com os indígenas isolados 'para intermediar ação estatal de utilidade pública', hipótese inédita e demasiadamente ampla que pode gerar ameaças aos povos indígenas em isolamento”, afirmou no documento.
Atualmente, as políticas públicas estabelecidas desde a promulgação da Constituição Federal garantem a esses povos o direito ao isolamento e ao território, com contatos estabelecidos apenas em situações extraordinárias, de riscos à saúde e integridade física, ou em casos em que a aproximação seja feita pelo próprio grupo.
Cultivo de transgênicos em TIs
Vetado integralmente, o Artigo 30 do PL liberava o cultivo e a pesquisa de transgênicos em Terras Indígenas, “contrariando o disposto no art. 1º da Lei nº 11.460, de 2007, com potencial dano à agrobiodiversidade, ao patrimônio genético e à segurança alimentar e nutricional dos povos indígenas e outras comunidades afetadas", conforme explicou o despacho presidencial.
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Sociedade civil quer veto integral ao PL do Marco Temporal
Projeto é inconstitucional e coloca em risco povos isolados, territórios indígenas e a preservação ambiental
Manifestação em Brasília durante a 19ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL), em abril de 2023|Priscila Ramos / ISA
Aprovado pelo Senado na última quarta-feira (27/9), o Projeto de Lei do Marco Temporal (PL nº 2903/2023) agora está nas mãos do presidente Lula. É ele quem tem a atribuição de vetar ou sancionar a proposta que, além de inconstitucional, ameaça a integridade das Terras Indígenas (TIs), os povos isolados e o futuro do planeta.
Organizações indígenas, indigenistas e a sociedade civil pedem o veto integral do projeto que pretende transformar em lei o “marco temporal” – tese já declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Caso o presidente decida pelo veto, o texto volta para análise do Congresso Nacional, que pode derrubá-lo. Nessa hipótese, a lei entraria em vigor e poderia ser questionada na Suprema Corte.
“O texto aprovado pelo Congresso Nacional constitui a mais grave violação dos direitos constitucionais dos povos indígenas desde a redemocratização do País e contraria frontalmente o interesse público”, afirma o Instituto Socioambiental (ISA) em Nota Técnica enviada à presidência da república. “Além disso, o PL pode inviabilizar políticas públicas socioambientais que constituem a essência do projeto de governo apresentado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva”.
O PL ressuscita princípios de um projeto racista da Ditadura Militar, que previa a assimilação cultural forçada dos indígenas. Isso porque, entre outros absurdos, institui a possibilidade de que os indígenas percam suas terras caso o Estado verifique “alteração dos traços culturais da comunidade” ou “outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”.
Além disso, ao premiar os invasores de Terras Indígenas e flexibilizar a política de não-contato com povos indígenas isolados, a proposta do Senado pode fazer com que esses grupos sejam dizimados.
Veja os pontos mais graves do PL do Marco Temporal:
- Permite que a demarcação seja contestada em todas as fases do processo, inviabilizando sua conclusão
- Permite a anulação de “reservas indígenas”;
- Impede a retirada de invasores das TIs enquanto o processo de demarcação não for concluído;
- Autoriza a instalação de empreendimentos predatórios sem consulta livre, prévia e informada às comunidades;
- Impõe um “marco temporal” já julgado inconstitucional pelo STF;
- Autoriza contatos forçados com indígenas isolados, especialmente vulneráveis a doenças e conflitos;
- Autoriza a plantação de transgênicos em TIs, o que hoje é proibido
Apelo à ONU
Na terça-feira (3/10), organizações indígenas e não indígenas da sociedade civil enviaram à Organização das Nações Unidas (ONU) um apelo urgente para que a organização recomende ao Estado brasileiro o veto integral à proposta “como única medida capaz de garantir a dignidade existencial dos povos indígenas e suas terras”.
O documento foi endereçado ao relator especial sobre direitos dos povos indígenas, José Francisco Cali Tzay, e à relatora especial sobre a situação dos defensores dos direitos humanos, Mary Lawlor.
O apelo é assinado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), Comissão Arns, Conectas Direitos Humanos, Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Greenpeace e pelo Instituto Socioambiental (ISA).
“Sancionar um projeto como esse contraria os padrões internacionais de direitos humanos e os compromissos assumidos pelo presidente na agenda socioambiental”, analisa Juliana de Paula Batista, advogada do ISA. “Infelizmente, temos um Congresso Nacional que ainda quer impor pautas da extrema direita, com ataques sistemáticos e gravíssimos aos povos indígenas e às florestas. Essa afronta atinge não apenas os povos indígenas, mas toda a sociedade brasileira. Merece a indignação de todos nós que desejamos um país mais socialmente justo e ambientalmente diverso. Por isso, o veto integral é a única saída para o Presidente Lula.”
Em outra nota técnica, divulgada em agosto de 2023, o ISA já apontava para a inconstitucionalidade da proposta e sugeria sua rejeição pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Confira abaixo detalhes de alguns dos pontos mais graves do PL aprovado pelo Congresso:
É uma ameaça a todas as Terras Indígenas do país
As Terras Indígenas com processos de demarcação não finalizados são as que mais diretamente podem ser impactadas pelo PL. O projeto pode retroceder processos que estão há mais de 30 anos na fila de espera por um desfecho positivo, isso porque todos os processos em curso terão que ser adequados à nova Lei.
Existem hoje 240 processos de demarcação ainda não finalizados, em diferentes etapas. São 66 TIs declaradas; 46 delimitadas e outras 128 em estudo, incluindo seis áreas com portarias de interdição para proteção de povos indígenas isolados. Quase metade dessas TIs já têm limites reconhecidos pela Funai e abrigam cerca de 300 mil pessoas indígenas – que estarão em grave vulnerabilidade se as demarcações não forem finalizadas.
Permite a anulação de reservas indígenas
O artigo 16 do PL coloca em risco as Reservas Indígenas ao prever a retomada desses territórios pela União a partir de critérios subjetivos e racistas como a “alteração dos traços culturais da comunidade” ou “outros fatores ocasionados pelo decurso do tempo”.
Existem 54 Reservas Indígenas no país, áreas já consolidadas e a maior parte delas com extensões territoriais bastante reduzidas e com grande densidade demográfica. Com o PL, a situação dos povos que vivem em Reservas fica ainda pior, porque a expectativa de anulação desses territórios pode aumentar invasões e conflitos. A proposição do PL fere ainda o direito adquirido dos indígenas e o ato jurídico perfeito, direitos garantidos a todas as pessoas no Brasil.
Impede que invasores sejam retirados das Terras Indígenas enquanto não acabar o processo de demarcação
Outro ponto trazido pelo PL garante a indenização pela “terra nua” a posseiros – realizada, de acordo com a decisão do Supremo, apenas nos casos de ocupação de boa fé e pelas benfeitorias realizadas até a conclusão da fase de identificação da TI.
Atualmente, o processo de indenização pode levar mais de 20 anos para ser concluído, como é o caso da Terra Indígena Xukuru, do povo Xukuru, em Pernambuco, que levou 24 anos para ser finalizado.
Além disso, o projeto também assegura a manutenção de invasores nos territórios indígenas até a conclusão do processo de demarcação, colocando em risco a vida dos povos e a preservação das áreas que mais barram o avanço do desmatamento e protegem a floresta.
Impõe um “marco temporal” já julgado inconstitucional pelo STF
No dia 21 de setembro, por 9 votos a 2, o STF rejeitou a tese anti-indígena do “marco temporal”. Na semana seguinte, entretanto, o Senado aprovou o PL do Marco Temporal. Para o STF, ficou definido o artigo 231 da Constituição Federal
Em contrapartida, com o PL, o Senado usa seus últimos subterfúgios para resgatar uma tese julgada inconstitucional, gerando ainda mais insegurança física e jurídica aos povos indígenas.
Põe fim à política de “não contato” com indígenas isolados
Na contramão de todas as políticas públicas já estabelecidas para a proteção dos povos indígenas isolados, o PL do Marco Temporal quer pôr fim à política de não contato com esses grupos, que optaram por viver afastados de outros povos indígenas ou dos não indígenas.
O Brasil é o país com maior número de indígenas isolados no planeta: são hoje 115 registros de isolados reconhecidos pelo Estado brasileiro, sendo 29 confirmados e outros 86 em investigação.
Sob a justificativa ampla e vaga de “interesse público”, o PL quer viabilizar o contato forçado com esses grupos, desconsiderando seu direito à autodeterminação e revivendo a desastrosa política estabelecida na Ditadura, que resultou em uma escalada sem fim de violência, no contágio por doenças e no extermínio de povos inteiros.
Atualmente, a política de “não contato” é o que garante a esses povos o seu direito ao isolamento e ao território – e os contatos acontecem apenas em situações extraordinárias, de riscos à saúde e integridade física, ou em casos em que a aproximação seja feita pelo próprio grupo.
Permite que a demarcação seja contestada em todas as fases do processo, inviabilizando sua conclusão
Um dos dispositivos do PL visa modificar o procedimento de demarcação. Pela regra aprovada pelo Senado, qualquer interessado, em qualquer momento do processo, pode questionar o procedimento.
Atualmente, durante o processo de demarcação, todos os interessados podem se manifestar dentro de prazos determinados, assim como acontece em todo procedimento administrativo, sob pena de inviabilizar a atividade estatal. Na prática, o PL tornará as demarcações uma “corrida de obstáculos” para o Estado brasileiro, o que poderá inviabilizar novas demarcações ou tornar ainda mais lento um processo que, em alguns casos, pode levar décadas para ser concluído. Desta maneira, o projeto condena gerações de indígenas a morrerem sem ter seu território demarcado e sem segurança para as gerações futuras.
Autoriza a plantação de transgênicos em TIs, o que hoje é proibido
O artigo 30 do PL libera o cultivo e a pesquisa de transgênicos em Terras Indígenas, o que é proibido pela lei 11.460/2007. Essa liberação poderá exterminar a diversidade biológica e agrícola desses territórios e colocar em risco a segurança alimentar das comunidades. As inúmeras sementes de milho crioulo, por exemplo, manejadas pelos indígenas milenarmente, poderão simplesmente desaparecer a partir da contaminação oriunda do milho transgênico.
As práticas e saberes dos povos indígenas, com sistemas agrícolas próprios, contribuem para proteger a agrobiodiversidade – alguns deles, reconhecidos como patrimônio cultural do Brasil. Existem registros de que populações pré-colombianas já manejavam mais de 120 espécies nativas, além de terem sido responsáveis pela domesticação de paisagens e plantas, como a mandioca, a erva mate e a castanha, e pela produção de solos de alta fertilidade, como as Terras Pretas de Índio (TPI) na Amazônia.
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Em visita a RR, ministro da Pesca promete atenção ao problema da contaminação por mercúrio na Amazônia
Peixes coletados em seis estados da região apresentaram níveis acima do limite recomendado, conforme estudo divulgado neste ano
O ministro da Pesca e Aquicultura, André de Paula, afirmou que o problema da contaminação de peixes por mercúrio terá atenção do governo federal para assegurar que pescadores não sejam impossibilitados de desenvolver suas atividades. A declaração foi dada nesta segunda-feira (25/09), durante reunião com entidades pesqueiras em Boa Vista, Roraima.
Em maio deste ano, um estudo apontou que em seis estados da Amazônia os peixes apresentam níveis de contaminação por mercúrio acima do limite aceitável. A nota técnica assinada pelo Instituto Socioambiental (ISA), Fiocruz, UFOPA, Greenpeace Brasil, Iepé e WWF-Brasil, aponta que Roraima é o estado com a situação mais crítica, com 40% de peixes com mercúrio acima do limite recomendado.
“É evidente que questões como essas precisam passar pelas instâncias técnicas até que possamos avançar, mas quero assegurar que qualquer tipo de prejuízo à atividade normal dos pescadores, que implique na impossibilidade de manter o trabalho, será alvo da atenção do governo – com apoio ao menos durante o período que esta impossibilidade ocorra”, disse ao ISA.
Uma cópia do estudo e uma carta elaborada pela Federação dos Sindicatos de Pescadores e Piscicultores do Estado de Roraima (Fesper) foram entregues ao ministro. “Solicitamos ao ministro e ao presidente Lula providências urgentes a fim de proteger a renda e a vida dos pescadores e de toda a população de Roraima”, diz trecho da carta.
De Paula também se reuniu com as instituições que realizaram o estudo. Ele também visitou o laboratório de pesca e aquicultura da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), onde entregou embarcações e kits de pesca em Iracema e visitou a comunidade pesqueira do município.
Durante a reunião com trabalhadores da pesca, de Paula esteve acompanhado do governador de Roraima, Antônio Denarium (PL), e dos deputados federais Zé Haroldo Cathedral (PSD), Maria Helena Teixeira Lima (MDB) e Albuquerque (Republicanos)
O presidente da Fesper, Leonel Pereira, explicou que os consumidores ficaram mais desconfiados para comprar e consumir os peixes, o que consequentemente afeta a renda dos pescadores do estado.
“O ideal já está sendo feito, que é a retirada dos garimpeiros ilegais. A gente espera que seja concretizada essa ação para voltar à normalidade, mas será necessário um trabalho também para limpar os rios ou algo parecido. Há muita necessidade de ações do poder público para essas ações”, afirmou.
A retirada de garimpeiros integra uma ação coordenada do governo federal iniciada em janeiro deste ano. O primeiro passo foi atuar na saúde do povo Yanomami afetada diretamente pelo garimpo ilegal, seguindo por um bloqueio aéreo, pedido de saída espontânea dos invasores e posteriormente operações de retirada e destruição de maquinários.
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Mulheres indígenas marcham em Brasília por mais representatividade política e pelo fim da violência de gênero
III Marcha das Mulheres Indígenas reuniu 8 mil pessoas e chegou ao fim com o compromisso do governo federal por ações específicas de combate à violência nos territórios
Mulheres bioma marcham em Brasília pelo fim da violência de gênero e ameaças aos seus territórios tradicionais|Webert da Cruz/ISA
Foi com o apelo pelo fim da violência contra as mulheres indígenas e por mais candidaturas de mulheres indígenas que, na última semana, entre os dias 11 e 13 de setembro, cerca de 8 mil mulheres indígenas, do Brasil e do mundo, ocuparam as ruas de Brasília na III Marcha das Mulheres Indígenas.
Organizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga), a mobilização acontece desde 2019 com o objetivo de conectar, fortalecer, debater e propor formas de atuação, além de promover a igualdade de gênero, a defesa dos direitos e a preservação das culturas indígenas.
Neste ano, a Fundação Nacional das Artes (Funarte) foi o local escolhido para receber as mulheres indígenas que se deslocaram à capital brasileira.
A mobilização chegou ao fim com um ato até a Esplanada dos Ministérios, seguido da assinatura de um compromisso entre o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e o Ministério das Mulheres de implementar políticas públicas focadas nas mulheres indígenas, visando sua proteção e fortalecimento, dentro e fora de seus territórios.
Estavam presentes a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara; das Mulheres, Cida Gonçalves; do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva; da Igualdade Racial, Anielle Franco, e da Ciência, Tecnologia e Inovação, Luciana Santos, além de representantes do Ministério da Cultura.
Entre os acordos assinados durante a mesa final está o programa Guardiãs do Território, que tem como objetivo formar lideranças femininas e auxiliar no enfrentamento à violência contra as mulheres nos territórios indígenas. Segundo a ministra Sonia Guajajara, para garantir sua eficácia o programa deverá ser posto em prática em parceria com órgãos estaduais de proteção às mulheres.
A segunda ação anunciada tem como palco a Reserva Indígena de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Segundo dados do Censo 2022, a área reservada para os povos Guarani e Terena possui uma densidade demográfica de 393,46 habitantes por quilômetro quadrado, superando em mais de três vezes a de Campo Grande, capital do estado em que está localizada.
A medida estabelece a implementação da primeira Casa da Mulher Brasileira na cidade em que a reserva está localizada. Segundo o anúncio de Cida Gonçalves, do Ministério das Mulheres, “haverá mulheres indígenas e, preferencialmente, profissionais de saúde indígenas, atendendo as mulheres, conforme já pactuado com a prefeitura e com o governo estadual”. A ministra também se comprometeu a levar a proposta para os seis biomas brasileiros.
“Só isso não basta. É necessário ter a Casa da Mulher Indígena nos biomas, nos territórios onde estão as mulheres. Para isso, vamos fazer seis encontros para discutirmos junto com vocês, lá nos biomas, o que será a Casa da Mulher Indígena; que tipo de atendimento tem que ser feito. Ao mesmo tempo, vamos discutir, aqui, com o Ministério dos Povos Indígenas e com o Congresso Nacional, o projeto de lei que coloca as mulheres indígenas na Lei Maria da Penha. Vamos construir isso, para termos uma política de enfrentamento à violência contra as mulheres indígenas”
A marcha até o Congresso Nacional
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Mulheres indígenas dizem 'não' ao Marco Temporal durante mobilização da Anmiga em Brasília|Webert da Cruz/ISA
Foi com o canto de mulheres indígenas dos seis biomas brasileiros e do mundo que cerca de 8 mil pessoas marcharam rumo ao Congresso Nacional pedindo o fim de propostas que colocam em risco a existência dos povos indígenas.
Uma delas, o Projeto de Lei 2903/2023, já aprovado na Câmara dos Deputados e que deve ser votado pelo Senado, além de abarcar a tese do marco temporal, também coloca em risco o usufruto exclusivo dos povos indígenas ao seu território, ao estabelecer que ele não deve se sobrepor ao interesse da política de defesa e soberania nacional, entre outras diversas propostas anti-indígenas.
A tese do marco temporal que será julgada no Supremo Tribunal Federal (STF) na próxima quarta-feira (20), por sua vez, também foi pauta durante a Marcha, principalmente para o povo indígena Laklãnõ Xokleng, da Terras Indígena Ibirama-La Klãnõ que está no centro do julgamento.
Para a Txulunh Gakran, integrante da Juventude Xokleng luta contra o marco temporal não está restrita ao povo Xokleng e tampouco apenas aos povos indígenas. Ela aponta que os povos indígenas são essenciais para a manter as florestas em pé, os rios vivos e a vida no planeta funcionando. “É necessário que todos entendam que a nossa luta é a mesma luta de todos”, conclui.
Sobre o marco temporal, ela destaca que a tese coloca em risco principalmente aqueles povos que ainda não têm o seu território demarcado e estão em um processo de retomada.
“E é exatamente o que a gente tá vivendo, temos um limite de território demarcado, mas estamos buscando a ampliação e a gente vive esse constante conflito por conta da não demarcação. E é exatamente isso que acontece, quanto mais o processo demora, mais as nossas vidas são ameaçadas, mas a gente só vive violações e menos direitos a gente tem acesso”
Esse, por exemplo, é o caso da Terra Indígena Votouro/Kandóia, onde Cleci Pinto, do povo Kaingang vive. A TI está localizada nos municípios de Faxinalzinho e Benjamim Constant do Sul, no Rio Grande do Sul e aguarda há 14 anos pelo seu processo de demarcação. Enquanto isso não acontece, o povo Kaingang segue enfrentando uma série de conflitos e violências dos agricultores locais.
Para Cleci Pinto, a tese do marco temporal afeta muito as reivindicações do povo Kaingang. “Ela acaba com a gente”, desabafa. “Essa tese passando, é mais um ponto para esses agricultores”, avalia.
Delegação de mulheres indígenas do mundo
Para somar a luta das mulheres indígenas brasileiras, indígenas de 18 povos representando o movimento indígena da Malásia, África, Uganda, Estados Unidos, Peru, Quênia, Nova Zelândia, Bangladesh, Rússia, Indonésia, Guatemala e Finlândia, também marcaram presença na III Marcha.
Rosalee Gonzalez, do povo Xicana-Kickapoo e coordenadora da região norte da Continental Network of Indigenous, Women (ECMIA), uma organização continental composta por 23 organizações nacionais de mulheres indígenas em 19 países, era uma das mulheres indígenas integrantes da delegação internacional.
“Estamos aqui porque também compartilhamos as lutas.”, apontou. “Sabemos que a atenção a uma comunidade não é a atenção a todas as comunidades. E assim entendemos a diversidade dos povos indígenas em um país. Então estamos aqui para nos solidarizarmos com as mulheres indígenas que estão se organizando aqui hoje, para apoiar todos os que não têm voz. Estamos aqui para apoiar todos aqueles que se tornaram invisíveis”, afirmou.
Marcha das Mulheres indígenas chega a sua terceira edição no mês de celebração do Dia Internacional da Mulher Indígena|Webert da Cruz/ISA
Mobilização em Brasília pede pela proteção dos territórios tradicionais em todos os biomas|Webert da Cruz/ISA
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STF retoma julgamento, e placar agora está 4 a 2 contra o marco temporal
Mendonça votou a favor, Zanin e Barroso votaram contra. Julgamento retorna em 20 de setembro
Indígenas de diversos povos se reúnem na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, para dizer "não" ao "marco temporal"|Joédson Alves/Agência Brasil
O julgamento da tese do “marco temporal” foi retomado no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta quarta-feira (29/8). Votaram os ministros André Mendonça (a favor), Cristiano Zanin (contra) e Luís Roberto Barroso (contra).
O Ministro Fachin já havia votado contra o marco temporal e Kassio Nunes a favor. A sessão foi encerrada com placar de 4 a 2 contra a tese. A votação deve continuar no dia 20 de setembro. Ainda faltam votar os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Dias Toffoli.
A volta do julgamento aconteceu após André Mendonça ter pedido vistas, ou seja, mais tempo para analisar o processo, em junho deste ano.
O “marco temporal” é uma tese ruralista que busca restringir os direitos dos povos originários. De acordo com ela, só poderiam ser oficialmente reconhecidas as terras por eles ocupadas em 5 de outubro de 1988. Alternativamente, teriam de provar a existência de disputa judicial ou conflito pela área na mesma data, o chamado “renitente esbulho”.
A interpretação legitima violências e expulsões sofridas por essas populações. Também ignora que elas eram tuteladas pelo Estado e não tinham autonomia para acionar a Justiça até a promulgação da Constituição.
Em seu voto, Mendonça se posicionou contra a tese do indigenato, o direito originário dos indígenas sobre suas terras. Na mesma direção, ele se colocou favorável à condicionante de comprovação das expulsões forçadas apenas por conflitos que tenham perdurado até 5 de outubro de 1988 ou por ação judicial que já estivesse proposta nesta data. “Haverá uma grande insegurança jurídica se nós não fizermos as delimitações correspondentes da perspectiva de marco temporal”, afirmou.
Para ele, o marco temporal não causaria novos conflitos entre indígenas e não-indígenas ao estabelecer o dia da promulgação da Constituição Federal como a data limite em que os indígenas estariam em posse de suas terras para garantir o direito à elas.
Cristiano Zanin também votou ontem e foi contra a tese do marco temporal. Para ele, a garantia estabelecida na Constituição Federal, por si, “revela a precedência desse direito sobre qualquer outro”, não necessitando assim de um marco temporal.
Ele acrescentou ainda que a própria Constituição garante o direito ao território tradicionalmente ocupado pelos indígenas, mas que essa ocupação não se dá apenas pela presença física e local desde os tempos remotos, mas também pela utilização em atividades produtivas e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
Por outro lado, assim como Alexandre de Moraes, Zanin defendeu a indenização dos ocupantes não-indígenas de “boa-fé”. Para ambos, a indenização deve se referir não apenas às benfeitorias, mas também ao valor da terra nua. Isso se limitaria aos casos em que o próprio Estado foi o responsável pela titulação e venda das Terras Indígenas para particulares. Para Zanin, entretanto, cada caso deve ser avaliado em procedimento administrativo ou judicial próprio e não dentro do processo de demarcação.
O Ministro Barroso também votou e foi contrário à tese do marco temporal. Segundo especialistas que acompanham o caso, a tese do marco temporal deve ser superada pelo Tribunal. A discussão principal, agora, deve girar em torno da possibilidade de pagamento das indenizações da terra nua aos particulares que tenham títulos sobrepostos à Terras Indígenas.
Manifestações pelo Brasil
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Em Brasília, indígenas defendem direito originário e constitucional à terra|Ester César/ISA
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) fez um chamado geral para que indígenas de todo o país e aliados se unissem para dizer “não” ao marco temporal. Em Brasília, cerca de 800 indígenas, de 20 povos, de oito estados brasileiros, inclusive uma delegação dos Xokleng (SC), reuniram-se na capital para fazer coro contra a tese ruralista.
Liderança do povo Munduruku, Alessandra Munduruku disse que a data de 5 de outubro de 1988 apaga toda a história anterior dos povos indígenas. “A gente não existe apenas nessa data, a gente existe há milhares de anos. Por que vocês querem destruir a nossa história? Falam ‘Ah, mas os indígenas precisam voltar pra mata’. Mas como? Se a mata está sendo destruída, se a mata está sendo tomada, nossos rios estão sendo secos, estão sendo construídas usinas hidrelétricas. Onde nós vamos viver? Qual terra que eles vão dar? Então repudiamos o marco temporal!”
A proposta do marco temporal inviabiliza demarcações de terras e apaga o processo violento de expulsão pelos quais passaram notadamente antes da edição da Constituição Federal de 1988, quando o país vivia a ditadura civil-militar que durou mais de 20 anos no país.
Para o coordenador executivo da APIB, Dinaman Tuxá, se o STF admitir a teoria do marco temporal, os conflitos socioambientais irão aumentar: “ nós estamos aqui para clamar, para pedir e para reivindicar que se cumpra os direitos constitucionais dos povos indígenas, o direito originário, o direito defendendo a tese do indigenato, porque o direito dos povos indígenas antecedem, inclusive, a formação do estado brasileiro”. Para Tuxá “Nós precisamos garantir a dignidade dos povos indígenas e a nossa dignidade está vinculada à demarcação do nosso território. Estamos aqui todos mobilizados porque entendemos que esse vai ser o julgamento do século para os povos indígenas”, completa.
Movimentação em Boa Vista (RR)
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Indígenas Macuxi, Taurepang, Wapichana e Yanomami se uniram aos cerca de 6 mil participantes do Ato em Boa Vista para fortalecer a resistência contra o "marco temporal"|Fabrício Araújo/ISA
O Conselho Indígena de Roraima (CIR) estima que 6 mil pessoas se juntaram à manifestação nesta quarta-feira (30) na Praça do Centro Cívico de Boa Vista. O local possui uma estátua de garimpeiro bem ao centro e fica rodeado pelos três poderes do estado.
Por volta das 8h, os indígenas iniciaram o ato com uma explicação sobre o Marco Temporal, os seus prejuízos aos povos indígenas do Brasil e como funciona a dinâmica do julgamento no STF.
“Nós indígenas somos contra esta tese porque viola a demarcação dos territórios, apaga toda a história do Brasil. Se aprovada, essa tese vai aumentar uma série de violências que já ocorrem no Brasil”, declarou Junior Nicácio Wapichana, advogado do CIR.
Após as explicações, os Macuxi, Taurepang, Wapichana e Yanomami se reuniram para cantar sobre a resistência indígena com apresentações de danças e exposições de cartazes com posicionamento contrário ao Marco Temporal.
Indígenas do povo Xokleng, de Santa Catarina, marcaram presença no Ato em Brasília|Ester César/ISA
Juventude indígena mobilizada em Boa Vista contra o marco temporal|Fabrício Araújo/ISA
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Dez barbaridades do PL do licenciamento ambiental
Texto que pode ser votado pelo Senado a qualquer momento beneficia interesses imediatistas de grupos empresariais em prejuízo de toda sociedade
Pode ser votado a qualquer momento, nas comissões de Agricultura e Meio Ambiente do Senado, o Projeto de Lei (PL) 2.159/2021, que implode as regras do licenciamento ambiental no Brasil. Das comissões, segue ao plenário da Casa. Aprovado na Câmara num tratoraço em 2021, o texto é de interesse de dois dos lobbies mais poderosos do Congresso: o ruralista e o das grandes indústrias. Caso não seja muito aprimorado pelos senadores, tornará a maioria dos empreendimentos e atividades econômicas dispensada de licença e de estudos de impacto ambiental, beneficiando grandes empresários e socializando prejuízos ambientais e sociais, especialmente para a saúde. Na prática, será o fim do licenciamento para quase todas as obras e empresas que causam poluição e desmatamento, entre outros impactos.
O licenciamento é a peça central da Política Nacional de Meio Ambiente, estabelecida há mais de 40 anos. Antes dele, crianças nasciam sem cérebro por causa da poluição industrial em Cubatão (SP) e hidrelétricas alagavam milhares de quilômetros quadrados de florestas para gerar pouca energia. Por pretender desfigurar o licenciamento ambiental, o PL 2.159 ficou conhecido como a “mãe de todas as boiadas” ou o “PL da Devastação”. O relançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) aumenta a pressão pela aprovação da proposta, mesmo que ela esteja em franco desacordo com as promessas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de incentivar a transição ecológica, zerar o desmatamento, proteger o meio ambiente e a saúde da população.
O Instituto Socioambiental (ISA) e o Observatório do Clima (OC) publicaram uma nota técnica conjunta analisando o PL. O documento traz uma boa e uma má notícia. A má é que a proposta, como está, tem um conjunto de absurdos e inconstitucionalidades tão grande que será objeto de judicialização em massa — atravancando o que se propõe a agilizar. A boa notícia é que o projeto tem conserto: os próprios senadores já propuseram várias emendas que amenizam problemas ou eliminam trechos inconstitucionais, bastando que o Senado as adote em substituição ao texto-base. A seguir, dez horrores ambientais do PL, analisados na nota do ISA e do OC.
Lista de 13 tipos de empreendimentos que deixarão de ter controle ambiental e ficarão isentos de licenciamento, alguns com alto potencial de causar poluição, como estações de tratamento de esgoto. Também estarão dispensados de licenciamento obras classificadas de forma subjetiva, como serviços de “melhoramento” de estruturas já existentes, o que poderia abranger o aumento das barragens do Rio Madeira (RO) e o asfaltamento da BR-319 (Porto Velho-Manaus), que corta a região mais preservada da Amazônia.
2 – FREE BOI: AGRO SEM LICENÇA
Quem quiser literalmente passar a boiada Brasil afora poderá fazê-lo sem precisar de licença ambiental: o PL dispensa de licenciamento toda e qualquer atividade de agricultura e pecuária extensiva, inclusive para grandes fazendas. A dispensa contraria três julgamentos do STF. No Brasil, a produção rural é responsável por 3/4 das emissões de gases de efeito estufa causadores das mudanças climáticas. O desmatamento responde por 48% do total de emissões e as outras atividades propriamente agropecuárias representam 27% do total. É bom lembrar ainda que o país é um dos campeões mundiais no uso de agrotóxicos, responsáveis por problemas como câncer, lesões neurológicas, renais e na pele, além da malformação de fetos. Sem o licenciamento, o uso indiscriminado dessas substâncias vai aumentar ainda mais.
3 – ESTADOS E MUNICÍPIOS PODERÃO DISPENSAR OUTROS EMPREENDIMENTOS
Estados e municípios terão passe livre para dispensar do licenciamento outros tipos de obras e atividades econômicas impactantes. Esse poderá ser o caso de aterros sanitários, barragens de rejeitos ou uma indústria poluente. Isso tende a gerar uma “corrida antiambiental” de governos municipais e estaduais para rebaixar as exigências socioambientais na tentativa de atrair investimentos.
4 - AUTOLICENCIAMENTO PARA TODO MUNDO E NOVOS DESASTRES
Desde 1981, todo empreendimento que possa causar impactos ao meio ambiente ou à saúde da população precisa ser previamente autorizado pelo órgão ambiental após análise e estudos para medir e prevenir esses impactos. O PL 2.159 prevê que a regra agora será outra: a grande maioria das empresas e atividades econômicas poderá se “autolicenciar”: o empresário só vai precisar preencher um formulário na internet, jurando ter boa conduta, e vai receber uma licença automática, sem análise do órgão ambiental. Depois de grandes desastres, como o de Mariana (MG) e o da Braskem (AL), a norma será confiar na “boa-fé” do empreendedor. Se isso acontecer, a chamada Licença por Adesão e Compromisso (LAC) será usada de forma generalizada e indiscriminada. Segundo a nota técnica do ISA e do OC, 85% dos processos de licenciamento de atividades minerárias e barragens de rejeitos em Minas Gerais poderão ser feitos por LAC. O resultado será a proliferação de mais tragédias ambientais em todo o país.
5 – BRUMADINHO FEELINGS: RENOVAÇÃO AUTODECLARATÓRIA DE LICENÇA
O PL também permite ao empresário renovar sua licença vencida por autolicenciamento, sem nenhuma consulta aos órgãos ambientais, apenas preenchendo uma declaração na internet. Assim, mesmo que um empreendimento opere fora da lei ou descumprindo as condicionantes do licenciamento, poderá ter a licença renovada automaticamente. Imagine, por exemplo, que a renovação da licença de operação de uma barragem de rejeitos de alto risco poderá ser feita confiando apenas na boa-fé do empreendedor. Ou seja, a medida vai abrir caminho para mais tragédias como a de Brumadinho (MG).
6 – LUCRO PRIVADO, PREJUÍZO PÚBLICO: LIMITAÇÃO DE CONDICIONANTES
Pela regra vigente desde 1981, cada impacto de cada empreendimento deve ter medidas para sua prevenção, mitigação ou compensação. De forma inconstitucional, porém, o PL 2.159 quer restringir essas medidas que o órgão ambiental pode exigir do empresário, fazendo com que danos causados pela obra ou a empresa (que geraram lucros) sejam suportados por toda sociedade. Por exemplo, só no caso da rodovia Ferrogrão, entre Sinop (MT) e Itaituba (PA), a limitação das condicionantes ‒ em especial medidas contra o desmatamento induzido pela obra ‒ pode causar, até 2030, a destruição de 53 mil km² de florestas, o equivalente ao território do Rio Grande do Norte (saiba mais).
7 – O CRIME COMPENSA: LICENÇA CORRETIVA ANISTIA MALFEITOS
A Licença de Operação Corretiva (LOC) é aplicada quando um empreendimento está operando sem licença ambiental. É uma chance para o empresário adequar-se à legislação e continuar operando. Mas o PL do licenciamento é excessivamente generoso: além de perdoar as multas, ele anistia crimes ambientais passados e permite fazer essa regularização por autolicenciamento. Dessa forma, compensa para quem está “fora da lei” simplesmente ignorar o licenciamento na hora de planejar a obra. Depois, é só entrar nesse grande “Refis” ambiental baseado unicamente em sua boa-fé, sem análise do órgão ambiental
8 – AMEAÇA A INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E ÁREAS PROTEGIDAS
O PL 2.159 prevê restrições à análise e à adoção de medidas de prevenção a impactos de obras e empresas sobre terras indígenas, territórios quilombolas, unidades de conservação e o patrimônio histórico e cultural. É um grave ataque contra os povos e comunidades tradicionais e as áreas protegidas, essenciais para garantir nossa “segurança climática”, uma vez que resguardam nossas florestas e outros ecossistemas que regulam nosso clima.
9 – PRAZOS IRREAIS
O PL estipula prazos máximos para o licenciamento. Até aí, nenhum problema. Mas eles são tão curtos que vão inviabilizar a análise de casos de maior complexidade, que exigem estudos de impacto ambiental — a exemplo de grandes hidrelétricas na Amazônia. O problema tende a produzir mais tumulto no licenciamento e aumentar a judicialização.
10 – BANCOS LAVAM AS MÃOS: ZERO RESPONSABILIDADE POR SEUS INVESTIMENTOS
O PL 2.159 introduz um elemento inédito na legislação ambiental, que é impedir que os bancos sejam punidos por danos ambientais cometidos por empreendimentos que eles financiam. Atualmente, essas instituições financeiras devem verificar detalhadamente se seus investimentos podem incentivar danos ou ilegalidades ambientais. A mera apresentação de uma licença pelo empresário ‒ por exemplo, uma autolicença tirada na internet, que tende a se tornar a regra ‒ já exclui os bancos de qualquer responsabilidade. Isso conflita com a Lei da Política Nacional de Meio Ambiente e com várias normas nacionais e internacionais que determinam que as instituições financeiras devem ser criteriosas do ponto de vista ambiental.
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