Com direitos garantidos sobre seus territórios e com suas culturas valorizadas, povos indígenas e comunidades tradicionais buscam o reconhecimento do Estado, da sociedade e do mercado sobre a economia que praticam há séculos, em alguns casos milênios, baseada em técnicas produtivas ancestrais e no cuidado com as florestas.
Com essa economia da floresta - chamada também de Economia da Sociobiodiversidade, ou Economia do Cuidado - as comunidades priorizam a segurança alimentar, garantem o bem-viver e ainda produzem mais biodiversidade, o que beneficia todo o planeta. Contudo, o desenvolvimento a qualquer custo promovido pelo Estado prima por modelos econômicos altamente subsidiados, poluidores, predatórios e atividades ilegais que ameaçam, matam e destroem.
Em resposta a esse enorme e histórico desequilíbrio de forças, o ISA busca fortalecer o protagonismo das comunidades parceiras ao fomentar atividades produtivas, iniciativas de turismo de base comunitária e ações de restauração florestal nas bacias dos rios Negro, no Amazonas e Roraima, Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Ribeira do Iguape, em São Paulo.
Ao mesmo tempo, o ISA também busca sensibilizar o setor privado, os governos e o mercado consumidor para a necessidade de promoção de políticas públicas e relações comerciais justas e transparentes que valorizem as contribuições socioambientais dos povos e comunidades e respeitem seus modos de vida, territórios e culturas.
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Livros de bolso apresentam a arte indígena, feminina e ancestral das cerâmicas Tukano e Baniwa
Práticas e saberes para produção das peças são parte do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido em 2010 como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Iphan
Polimento de cerâmica com semente de inajá em São Joaquim do Ayari, Terra Indígena Alto Rio Negro (AM). Foto: Natália Pimenta/ISA
As cerâmicas produzidas pelos povos indígenas Tukano e Baniwa, da Terra Indígena Alto Rio Negro (AM), são uma arte feminina milenar. Da escolha da argila à modelagem, polimento, secagem, queima e acabamento, o caminho realizado das artesãs é de uma relação profunda com o sagrado e a floresta.
O leitor agora pode se sentir mais próximo a essa experiência com o lançamento dos livros de bolso Cerâmica Tukano e Cerâmica Baniwa, realizados em parceria entre a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Instituto Socioambiental (ISA), e com apoio de União Europeia e Nia Tero.
Organizados por Thiago Oliveira (Cerâmica Baniwa) e Juliana Lins (Cerâmica Tukano), as obras fazem parte de uma coleção mais ampla e se juntam aos também livros de bolso Arte Baniwa, Pimenta Jiquitaia Baniwa e Banco Tukano, lançados pelo ISA nos últimos anos.
O conjunto apresenta de forma condensada e plena de informações as riquezas do Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Para Dadá Baniwa, uma das coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn, é um “sonho” compartilhar os conhecimentos para que outros povos e culturas valorizem a produção das peças. “Não é um trabalho fácil. Dar visibilidade ao trabalho das mulheres a nível estadual, nacional e internacional é integrar essa cultura material e preservá-la pela via da educação”, disse.
“Esse conhecimento para mim, como neta e filha, é um patrimônio, uma herança da minha avó”, afirmou Larissa Duarte, ceramista do povo Tukano. “É um conhecimento que fica para nossa comunidade e para a região toda. Isso vai ficar comigo e pretendo passar meu conhecimento para minhas filhas também.”
“Para nós, mulheres indígenas, essa cerâmica não é um simples objeto. É uma parte de nós”, resumiu ela, que é também uma das coordenadoras do departamento de mulheres da Foirn. “Esse é nosso modo de lutar, nosso modo de viver. A mulher é muito mais resistente e pensa no bem-estar coletivo, da comunidade, do território.”
Os povos indígenas do Rio Negro têm, ao todo, 11 cadeias produtivas em diferentes graus de amadurecimento na região, com gestão indígena, para desenvolvimento e proteção dos territórios.
Para Luciane Lima, do departamento de negócios da Foirn, a comercialização das cerâmicas “é uma forma de sustentação para as famílias”. “É geração de renda e valorização da cultura”, disse. “Estamos investindo em processos que tenham resultados a longo prazo”, afirmou.
Respeito e limite
As cerâmicas Tukano e Baniwa sempre tiveram uma inserção na vida ritual nas comunidades indígenas do Rio Negro. A produção das peças, no entanto, foi levada ao limite do desaparecimento e, por isso, as publicações retomam saberes que estavam restritos a poucas artesãs.
“As mulheres não tinham mais o conhecimento completo sobre as cerâmicas, sabiam apenas parte do processo”, relembrou Oliveira, antropólogo e organizador de Cerâmica Baniwa. A pesquisa constatou, por exemplo, que existem no território apenas cinco jazidas de argila ideais. “Os locais de ocorrência são de conhecimento tradicional ligados às comunidades”, afirma.
Segundo Juliana Lins, bióloga e organizadora de Cerâmica Tukano, impressiona a complexidade do trabalho das artesãs para confecção das peças. “A história e o processo envolvem tempo e conhecimento. Uma peça pode levar até 10 dias para ficar pronta, e ver o resultado é como ver o mundo através de um olhar feminino”, disse.
“Uma coisa que chama muito a atenção nos povos indígenas é a noção de limite. Você não lida com a natureza sem limites. Você tem relações sociais com a floresta, com o barro e a cerâmica. É o respeito. É, por exemplo, o pedido de licença para pegar a ‘vovó’ argila para então produzir as peças”, observou.
É o que contou Larissa Duarte, ceramista Tukano. “Nós, povos indígenas, temos nosso ritmo, tempo de produção. As pessoas de fora têm que entender isso, conhecer nossa realidade aqui. As mulheres não trabalham 24 horas só no artesanato. Ela vai pra roça, faz comida para as crianças, cuida da casa e depois faz o artesanato. E faz uma peça.”
O que é o Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro?
O Sistema Agrícola Tradicional do Rio Negro, conjunto de práticas e saberes milenares dos povos do Rio Negro, agricultores por excelência, foi reconhecido em 2010 anos como patrimônio imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Estão catalogadas, ao todo, mais de 300 variedades de plantas cultivadas pelos 23 povos indígenas que vivem na região há milênios, além de 32 espécies de peixes comestíveis.
Fazem parte do sistema as técnicas de manejo dos espaços de cultivo (roça e quintais); do sistema alimentar; dos utensílios de processamento e armazenamento como a cerâmica e a cestaria; e, por fim, da conformação de redes sociais de troca de sementes e plantas que se estende de Manaus, no Amazonas, a Mitu, na Amazônia Colombiana.
O cultivo da mandioca brava, por meio da técnica de queima, plantio e manejo de capoeiras (conhecido como coivara), é a base desse sistema, compartilhado pelos povos indígenas da região.
Visitantes fazem imagens do Pico da Neblina antes de seguir para o cume, o mais alto do Brasil|Marcos Wesley/ISA
Na metade de abril deste ano, os turistas que participaram da expedição ao Yaripo – nome Yanomami para o Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil – estavam quase finalizando o trajeto de dez dias em plena floresta amazônica. Exaustos, pararam no último alojamento para passar a noite e tiveram um jantar especial com cogumelos e palmito Xirãkomi embrulhados em folha de bananeira e assados na brasa, acompanhado de peixe fresco. O prato foi preparado pela cozinheira Lucilene Souza Pereira, indígena da etnia Yanomami, com os ingredientes encontrados ali mesmo, na mata.
Essa foi uma das surpresas vivenciadas pelo grupo que subiu o Yaripo, que significa Serra dos Ventos, numa das primeiras expedições após a reabertura ao turismo. Os anfitriões – ou os Teri këpë – do Yaripo guiaram os visitantes. E, para muitos dos turistas, esse é o grande diferencial do projeto: caminhar pela floresta ao lado dos Yanomami.
Essa expedição foi acompanhada pela jornalista Sônia Bridi e pelo repórter cinematográfico Paulo Zero, da Rede Globo, para reportagem sobre o Pico da Neblina e o povo Yanomami que foi ao ar neste domingo (01/05) no Fantástico. Em suas redes sociais, a jornalista falou do privilégio em escalar o pico e de aprender “com os donos da casa”. “Muito antes de os brancos enxergarem essa montanha e chamá-la de Pico da Neblina, os Yanomami já a conheciam: Yaripo, a morada da ventania”, escreveu.
Com cerca de 3 mil metros de altitude, o Yaripo está localizado em território indígena Yanomami, em área de sobreposição do Parque Nacional Pico da Neblina, no Amazonas. Para os Yanomami, é um local sagrado, morada dos espíritos.
Turistas chegam no início da trilha (porto do rio Irokae) após pernoite na comunidade Maturacá, rumo ao Yaripo|Marcos Wesley/ISA
O Projeto Yaripo - Ecoturismo Yanomami é de base comunitária e busca o protagonismo dos indígenas, tendo como objetivo gerar renda, proteger o território e fortalecer a cultura. A gestão é dos próprios indígenas, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA), Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Nacional do Índio (Funai). Três operadoras atuam também em apoio aos indígenas: Amazon Emotions, Ambiental Turismo e Roraima Adventures.
Coordenador do Programa Rio Negro do ISA, Marcos Wesley de Oliveira participou da expedição no início de abril, sendo a terceira vez que completa o percurso. Ele considera que esse é um modelo de empreendedorismo indígena que visa à geração de renda por meio de atividade sustentável.
“Os Yanomami, com o projeto Yaripo, estão nos apontando um modelo de desenvolvimento sustentável para a Amazônia que valoriza duas das suas principais riquezas: os povos indígenas e suas culturas; e a própria floresta, com rios, cachoeiras, pedras, flores, árvores e todas as paisagens. Ter a oportunidade de andar alguns dias com os Yanomami nos apresentando a floresta e se apresentando a nós é uma experiência transformadora”, disse.
Grupo reunido no porto Irokae, início da trilha para o topo do Pico da Neblina|Marcos Wesley/ISA
Presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), José Mário Pereira Góes fez uma avaliação positiva do Projeto Yaripo após as duas primeiras expedições, com os indígenas atentos para a necessidade de ajustes. “Aqueles que estão envolvidos com o projeto estão vendo a realidade, que aquilo que pensávamos e sonhávamos está acontecendo. É um ponto positivo, agora acreditam que temos um projeto de ecoturismo Yanomami em funcionamento”, afirmou.
José Mário relembra que a reabertura do Pico Neblina ao turismo estava prevista para acontecer no início de 2020, mas foi adiada devido à pandemia. Depois disso, já em 2022, houve outro adiamento devido à variante Ômicron do novo coronavírus. Para participar da expedição, o turista precisa estar vacinado contra a Covid-19 e passar por testagem.
“O sonho do meu povo Yanomami está sendo realizado agora, está tendo resultado muito bom para dar suporte nas comunidades. Não é pensamento só de uma pessoa – é pensamento de todos. Várias reuniões e assembleias foram realizadas. É um projeto que não degrada a mata, o rio”, completou.
Visitantes
Vários dos visitantes que subiram o Pico da Neblina na reabertura para o turismo falaram que caminhar lado a lado com os Yanomami em meio à floresta Amazônica é uma experiência única. O administrador e empresário Oswaldo Toyofuku, de 69 anos, participou da expedição no início de abril e era o mais velho de seu grupo. Ele disse que fez viagens em várias partes do mundo, tendo inclusive subido até a base do Everest, mas, após ter a experiência do Yaripo e do contato com o povo Yanomami, decidiu conhecer mais o Brasil.
Acampamento Areal é o mais próximo ao Yaripo. De lá, no quinto dia, se ataca o cume|Marcos Wesley/ISA
Trabalhando e estudando desde os 13 anos de idade, ele conta que passou a se dedicar a subir montanhas quando viu todos os filhos criados. E vem cumprindo um ritual: faz uma “montanha” por ano, sendo que deixa o cabelo e a barba crescerem e só corta ao chegar ao seu destino. No caso do Yaripo, houve um componente especial, pois ele estava há três anos sem cortar o cabelo e a barba, já que precisou se recolher devido à pandemia. “Lá no cume do Pico da Neblina, cortei a barba e joguei para o lado da Venezuela. Depois cortei o cabelo e joguei para o lado do Brasil. Foi uma festa”, relatou. O Pico da Neblina fica na fronteira entre os dois países.
A médica Lilian Meissner, de 67 anos, também subiu o Yaripo. Ela sonhava em conhecer o Pico da Neblina desde a época do colégio, quando aprendeu sobre o ponto mais alto do país. Como sempre foi aventureira, fez expedições em várias partes do Brasil e em outras partes do mundo, com viagens ao Everest, Monte Roraima (RR) e Pedra da Gávea (RJ). “Essa foi a expedição mais desafiadora”, contou.
Para o jornalista Ivan Zumalde, de 43 anos, nessa expedição, o contato com o povo Yanomami é mais importante até mesmo que atingir o ponto mais alto do país. “A cultura indígena é maior que o pico em si”, resumiu. Ele participou da viagem como turista e não tinha intenção de escrever sobre o assunto. Mas ficou tão estimulado com a experiência que redigirá um artigo.
“Vendo que o projeto é realmente de base comunitária, isso me estimulou a escrever. Há negócios de impacto socioambiental atraindo investimentos. Mas esse projeto é totalmente diferente do que o mercado financeiro está enxergando. Quando eu vi, senti e vivi a realidade do povo Yanomami, eu percebi que não é preciso muito malabarismo. Precisa de gente trabalhando e fomentando isso, o povo Yanomami já está no protagonismo. Na verdade, é simples”, avaliou.
Jornalista Ivan Zumalde fotografa a expedição ao Yaripo, ponto mais alto do Brasil|Marcos Wesley/ISA
A empresária Katharina Brazil, de 46 anos, também se encantou com o povo Yanomami. Ela não é montanhista e está acostumada a outro tipo de aventura: o turismo em carro 4x4. Em suas viagens, já rodou quase todo o país e, mesmo com toda essa experiência, se surpreendeu com o Yaripo. “Foram os dias mais incríveis dessa minha descoberta do Brasil. A floresta é incrível e os Yanomami são muito o 'aqui o agora', o presente, a noção de tempo é diferente. Isso é aprendizado para quem vive na correria da cidade”, analisou a empresária.
Para o geólogo Luiz Antônio Pereira de Souza, de 65 anos, a viagem sem a presença dos Yanomami não teria graça. “Chegar ao ponto mais alto do Brasil é muito interessante, mas cruzar parte da Amazônia com os Yanomami e conversando com eles, conhecendo o que a gente pode comer no meio do mato, é uma experiência única. Estou na casa deles!”, celebrou.
Ovos de Inambú encontrados pelos Yanomami e que serviram para sua dieta alimentar|Marcos Wesley/ISA
O empresário suíço-brasileiro Hanspeter Gass, de 39 anos, vinha buscando informações sobre o Pico da Neblina desde 2008. Preparou-se para a primeira expedição, que seria em janeiro de 2020, mas o mundo foi surpreendido pela pandemia da Covid-19. Ele adiou a viagem e acabou participando da primeira expedição ao Pico da Neblina, em março de 2022. Chegou ao topo do Brasil em dia aberto, o que possibilitou que ele fizesse muitas fotos.
Ele elogia o acolhimento dos Yanomami e a trilha. “Minha rede rasgou no caminho e os Yanomami me emprestaram a rede deles. Ajudaram em tudo. Eu adorei a trilha, na minha opinião não precisa de pontes (sobre algumas áreas) ou conforto. Mas isso, é claro, vai depender do que os Yanomami querem”, afirmou. “Já fui a quase 100 lugares em expedições e posso dizer que essa foi uma experiência única que quase não existe mais no nosso planeta. A convivência com a selva foi intensa”, ressaltou.
Irokae, primeiro e último acampamento na caminhada até o ponto mais alto do Brasil|Marcos Wesley/ISA
Marcos Wesley, do ISA, explica que esse contato com os turistas é positivo também para os indígenas. “É importante que os não indígenas conheçam os Yanomami, sejam seus aliados. Esse contato reforça a pergunta sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para a Amazônia: é um desenvolvimento sustentável que valoriza os povos indígenas e a floresta ou é o desenvolvimento que está sendo incentivado hoje que destrói a floresta, que destrói os rios, que contamina a natureza, que invade Terra Indígena e causa caos humanitário? Diante das emergências climáticas, a resposta é só uma: a da economia sustentável. A gente tem que se posicionar hoje no Brasil diante das agressões que a floresta e os povos indígenas vêm sofrendo. E o projeto Yaripo nos inspira nesse sentido”, pontuou.
Sob o aspecto da proteção territorial, o ecoturismo se apresenta como alternativa ao garimpo. A data da segunda expedição ao Yaripo coincidiu com o lançamento pela Hutukara Associação Yanomami do relatório Yanomami Sob Ataque, que denuncia a crise humanitária provocada pelo garimpo em território Yanomami, mas em área localizada no estado de Roraima, onde o problema é mais grave.
Segundo o coordenador do Projeto Ecoturismo Yanomami Yaripo, Celso Lopes Góes, da etnia Yanomami, a comunidade está se mostrando satisfeita com o projeto. “É como se estivéssemos recebendo alguém de nossa família. A comunidade está se sentindo alegre vendo o turismo funcionar, com muito respeito dos visitantes, com geração de renda”, resumiu.
Yanomami descansam no trajeto de volta ao acampamento Areal|Marcos Wesley/ISA
E os indígenas que estão envolvidos diretamente na expedição também dizem que estão gostando da experiência. “Sempre tive vontade de conhecer a montanha porque minha avó contava dos caminhos do pico, com árvores de frutas como abiu, bacaba, pupunha. Eu fico cansada, mas estou acostumada a andar na floresta. Tenho experiência na comida dos brancos, tenho capacitação em culinária. E fiz de tudo: acompanhei, conversei, cuidei. Cantei junto com os visitantes!”, contou a cozinheira e agricultora Lucilene, que participou da expedição e ainda preparou as refeições do grupo, inclusive o jantar especial com cogumelos, palmito e peixe fresco.
Projeto
O Yaripo ou Pico da Neblina fica no território Yanomami, no Amazonas, em área de sobreposição com parque nacional sob gestão do ICMBio. Todo o processo para a construção do plano de visitação durou cerca de sete anos, envolvendo capacitação, reuniões e assembleias entre os agentes envolvidos. A primeira expedição após reabertura do turismo aconteceu de 20 a 29 de março. Já o segundo grupo subiu o Yaripo entre os dias 3 e 12 de abril.
Este ano, a previsão é que aconteça uma viagem por mês, respeitando o ritmo de trabalho dos Yanomami. Cada grupo tem até 10 turistas, que podem contratar Yanomami como apoio para carregamento das bagagens e alimentos. Os indígenas utilizam os jamaxis, cestos que são levados nas costas, para levar os materiais. O trajeto é considerado de montanha de alta dificuldade.
Área de charco no caminho do Pico da Neblina. Trajeto é considerado de montanha de alta dificuldade|Marcos Wesley/ISA
Para chegar ao Pico da Neblina, os turistas partem do município de São Gabriel da Cachoeira, no Noroeste do Amazonas, até a comunidade Yanomami de Maturacá, onde são recebidos e benzidos em ritual promovido pelos xamãs – lideres espirituais. Os visitantes ficam na sede da Ayrca até partirem rumo ao Pico da Neblina. O projeto não envolve etnoturismo, ou seja, os turistas não ficam em contato com a comunidade indígena.
Assessora do ISA para o Projeto Yaripo, Lana Rosa explica que o plano de visitação construído junto com os Yanomami prevê a implantação de turismo de base comunitária. Nesse tipo de proposta busca-se preservar a cultura e os modos de vida de comunidades, como indígenas, ribeirinhos ou quilombolas.
Um dos cuidados é a não interferência em atividades tradicionais. “No turismo de base comunitária, o cuidado não é só com o visitante, mas também com a comunidade tradicional. No caso dos Yanomami, alguns vão se dedicar a essa nova atividade, vão gerar renda a partir disso. Isso é importante, pois as comunidades costumam ser isoladas e com possibilidade limitada de renda. Mas é necessário cuidado para que eles não sejam afastados das atividades tradicionais, como a de fazer a roça”, explicou.
Coordenador do Programa Rio Negro do ISA, Marcos Wesley chega ao cume do Yaripo|Marcos Wesley/ISA
A técnica de turismo da Foirn, Tifane Máximo, da etnia Baré, informou que cerca de 80 indígenas Yanomami estão envolvidos diretamente no Projeto Yaripo. “Estamos fortalecendo o turismo de base comunitária para dar protagonismo ao povo Yanomami, os grandes guardiões de seu território. Como instituição, vamos dar o apoio necessário”, disse.
Dentro do projeto, os indígenas exercem funções de coordenação, guia, barqueiros, acompanhantes e cozinheiras. Eles recebem um valor pelo trabalho e, além disso, a cada expedição é destinado um montante para o fundo comunitário gerido pela Ayrca. Outra fonte de renda é a venda de produtos da agricultura indígena que são levados nas expedições. Também está entre os objetivos buscar o protagonismo das mulheres, inclusive com promoção de venda de artesanatos e participação no projeto da Associação das Mulheres Yanomami - Kumirayoma (Amyk).
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