Manchetes Socioambientais
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“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
Kayapó, Munduruku e Yanomami marcharam juntos no Acampamento Terra Livre (ATL), em Brasília, fortalecendo união histórica entre povos que já foram inimigos no passado
Unidos pela proteção dos seus territórios contra o garimpo ilegal, lideranças dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami estiveram presentes durante a maior mobilização indígena do país, o 18º Acampamento Terra Livre (ATL), realizado em Brasília, de 4 a 14 de abril de 2022.
Com o objetivo de fortalecer a Aliança em Defesa dos Territórios, oficialmente criada em dezembro de 2021, representantes das três etnias vindos das Terras Indígenas mais afetadas pela atividade ilegal que têm destruído suas comunidades, ecoaram suas vozes pela capital federal nesse momento dramático e urgente vivido pelos povos indígenas da Amazônia.
Juntas e juntos, eles reforçaram a determinação na continuidade da luta pela garantia dos seus direitos e no esforço em traçar estratégias de maneira conjunta contra as invasões e projetos de lei que ameaçam as Terras Indígenas com garimpo, hidrelétricas e outros projetos de morte. Apesar de viverem situações semelhantes, esses povos nunca tinham atuado juntos, o que começou a mudar a partir da implantação da aliança.
Com o tema "Demarcar Territórios e Aldear a Política", o ATL reuniu oito mil indígenas, de diferentes regiões do país, com uma agenda de discussões políticas e de fortalecimento da resistência. Homens, mulheres e crianças também marcharam por três vezes até o Congresso Nacional e se manifestaram contra a política genocida do atual governo.
Foi durante os dias do ATL que o relatório Yanomami Sob Ataque, produzido pela Hutukara Associação Yanomami (HAY), foi lançado. O documento mostrou a disparada do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami (TIY) e como a presença dos invasores no território tem trazido violações sistemáticas aos moradores das comunidades, com relatos trágicos de que os garimpeiros estão explorando mulheres e crianças indígenas.
Segundo dados extraídos do relatório, em 2021 o garimpo ilegal avançou 46% em comparação com 2020. No ano passado, já havia sido registrado um salto de 30% em relação ao período anterior. De 2016 a 2020, o garimpo na TIY (RR) cresceu nada menos que 3.350%, ressalta o estudo da Hutukara.
Como um todo, nas Terras Indígenas na Amazônia a área ocupada pelo garimpo cresceu 495% entre 2010 e 2020. Os territórios Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) são os mais impactados pela exploração ilegal de ouro, respectivamente.
Maurício Ye'kwana, diretor da HAY, e um dos representantes da Aliança em Defesa dos Territórios, afirmou durante o ATL que divulgar o relatório e se reunir com os povos que sofrem as mesmas consequências foram os motivos pelo quais deixou sua casa, localizada no estado de Roraima, para ir até a capital federal. "O que os Kayapó e os Munduruku passam não é diferente do que os Yanomami estão passando. Nós não queremos garimpo, pois ele destrói a saúde, cria conflitos entre as comunidades e cria dependência com os garimpeiros", lembrou.
Doto Takak Ire, líder Kayapó e relações públicas do Instituto Kabu, da Terra Indígena Mekrangnoti, no Pará, lembrou de quando essas duas etnias um dia se enfrentaram entre si, mas isso quando o inimigo não era um só: o garimpo. "Ao invés de Kayapó e Munduruku lutarem entre si, agora estão com a aliança contra o inimigo comum", pontuou.
Arnaldo Kaba, cacique-geral do povo Munduruku, também relembrou quando um povo tinha raiva do outro, mas assim como Doto, afirmou que o momento agora é de união. Para eles, a Aliança em Defesa dos Territórios é estratégica para que os povos consigam proteger-se um ao outro.
Alessandra Korap Munduruku engrossa o coro da coalização entre as etnias. "Esse cenário que nós estamos vivendo é de união mesmo, pois todos os povos sentem o impacto que o garimpo traz. A gente fala, a gente grita, mas as pessoas estão mesmo assim querendo entrar no garimpo. Eles querem acabar com os territórios indígenas, como se dinheiro comprasse vida", afirmou a líder indígena, que sofre ameaças constantes contra a sua vida por defender seu território contra o garimpo.
A união entre os povos
A Aliança em Defesa dos Territórios foi oficialmente criada em dezembro de 2021, em um evento em Brasília (DF) que reuniu 25 lideranças dos três povos. A semente foi plantada em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, realizado em Brasília. Lá foi firmado esse pacto histórico contra o avanço do garimpo ilegal, de projetos de lei que ameaçam as Terras Indígenas com mineração, hidrelétricas e diversos outros projetos de morte.
Uma carta-manifesto foi assinada em nome das organizações Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá (ABEX), Associação Floresta Protegida (AFP), Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima, (HAPYR) e Associação Wanasseduume Ye'kwana (Seduume). No documento, eles denunciam que o garimpo é uma doença levada pelos brancos para dentro dos territórios.
Mais informações sobre a Aliança em Defesa dos Territórios
Maria Fernanda Ribeiro: mfernandaribeiro@socioambiental.org
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Parceria entre ISA, Foirn e CNJ contribui para ampliar a compreensão de direitos de falantes do Nheengatu, Tukano e Baniwa
Um grupo de cinco indígenas dos povos Baré, Tukano, Tuyuka e Baniwa, que vivem na região do Rio Negro, no Amazonas, enfrentou o desafio de traduzir dois mundos diferentes. Eles foram convidados a transpor para suas línguas nativas cartazes com informações sobre audiências de custódia – quando o detido é levado à presença de um juiz logo após ser preso, na tentativa de facilitar do entendimento sobre os direitos e acesso ao Judiciário.
Uma das tradutoras foi Manuele Pimentel Serra, do povo Tuyuka, falante de Tukano. Mesmo sendo estudante de Direito da Universidade de Brasília (UnB) e fluente em Tukano, ela contou que precisou de ajuda para esclarecer dúvidas.
“Quando me foi proposto participar da iniciativa, achei que seria uma tradução simples e que daria conta, pois sou fluente em Tukano. Mas, depois, fui ver que era mais complexo, pois os cartazes têm muitos termos jurídicos. Por exemplo, audiência de custódia não existe em Tukano. O maior desafio foi traduzir o conceito sem sacrificar a clareza da ideia para os indígenas que vão ler e adquirir conhecimento”, disse.
O termo audiência de custódia foi traduzido com uma frase explicando ao indígena que, caso ele ou algum parente seja preso, deverá ser levado até uma autoridade judicial, no Fórum.
A produção dos cartazes traduzidos sobre audiência de custódia nasceu de uma parceria entre o Instituto Socioambiental (ISA), a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O lançamento aconteceu na Maloca - Casa do Saber da Foirn, em São Gabriel da Cachoeira (AM), em 29 de abril, com a presença de representantes do Poder Judiciário – CNJ e Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) – e do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes (UNODC).
No evento, houve apresentação das danças tradicionais Japurutu e Cariçu conduzidas pelo cacique e conhecedor Luiz Laureano, da etnia Baniwa, da Comunidade de Itacoatiara-Mirim.
Conforme o CNJ, além de informações sobre o direito à audiência de custódia, os cartazes abordam temas como direitos das pessoas presas, medidas cautelares e prevenção a maus-tratos e violência. A ação integra o programa “Fazendo Justiça”.
Os cartazes foram produzidos tendo por base cartilhas em português e serão encaminhados a órgãos de segurança pública locais e para comunidades indígenas nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, com apoio do ISA e da Foirn. O tema também será pauta do programa de rádio Papo da Maloca, da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas.
Com a parceria estabelecida, novos passos já começaram a ser dados. Ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e conselheiro do CNJ, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho participou da solenidade na Casa do Saber da Foirn e informou que está sendo articulada uma nova visita do CNJ a São Gabriel da Cachoeira ainda neste semestre.
A proposta é promover uma capacitação para implementar a Justiça Restaurativa, que prevê uma técnica de solução de conflitos que se orienta pela criatividade e sensibilidade a partir da escuta de ofensores e vítimas. “Estamos reunindo os colegas para ensinar e difundir essa cultura restaurativa no Tribunal de Justiça do Amazonas, mas teríamos um núcleo especial aqui. Dada a singularidade dessa cidade, a gente tem por obrigação fazer essa proteção e essa restauração”, afirmou.
São Gabriel é o município do país com maior concentração de população indígena, sendo que na região há 23 etnias falantes de 18 línguas, sendo quatro delas cooficiais: Nheengatu, Tukano, Baniwa e Yanomami.
Em seu discurso durante a solenidade, o ministro do TST lembrou da dívida histórica que o país tem com os povos originários. “Eu não vim falar de Justiça com os senhores, vim falar de respeito, de dignidade. A nossa presença significa o respeito aos povos indígenas, à cultura de vocês. Nós viemos buscar uma parceria, trazer um auxílio dos órgãos públicos, representar o sistema de Justiça para sermos parceiros dos senhores”, disse. “O futuro se constrói com compromisso, respeito e solidariedade de mãos dadas e não com destruição, violência e desrespeito. Não com retrocesso de conquistas que foram objetos de muitas lutas de muitas décadas e séculos”, completou.
Sócio-fundador do ISA, Márcio Santilli participou do lançamento na maloca e reforçou que o objetivo da parceria é viabilizar um atendimento adequado do Judiciário aos povos indígenas.
“É uma honra para o ISA poder ser parte do conteúdo fundamental dessa visita, que é democratizar o acesso ao Judiciário e viabilizar por parte da Justiça um atendimento adequado às pessoas indígenas. São Gabriel da Cachoeira é uma cidade que cresce e, com isso, crescem também os problemas, os conflitos, situações que requerem uma mediação do Poder Judiciário. Nós estamos no centro de um complexo interétnico composto por 23 povos diferentes, cujas relações entre si são complexas, assim como as relações com a sociedade. Diante disso, a presença e eficácia do provimento de Justiça é uma questão fundamental”, salientou.
Os representantes do Judiciário participaram de reunião da sede do ISA em São Gabriel com Santilli e com o coordenador-adjunto do Programa Rio Negro, Aloisio Cabalzar. O ISA atuou na facilitação do contato com os tradutores indígenas, com o trabalho conduzido pela advogada do Programa Rio Negro, Renata Vieira.
Durante o lançamento dos cartazes, o presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, falou da importância da parceria e não deixou de enumerar os desafios que os povos indígenas vêm enfrentando com os retrocessos do atual Governo Federal. Ele citou problemas como a pressão do tráfico de drogas e do garimpo, a violência contra as mulheres e o abuso do uso de álcool entre os indígenas.
“A Foirn vem sendo uma embaixada dos povos indígenas, pois são 18 línguas faladas, além do espanhol e português. Temos a responsabilidade de valorizar a cultura e manter a resistência dos povos indígenas diante de um governo que só traz retrocessos e perseguições", afirmou.
"Esse não é um momento só de conquista, a gente tem desafios e resiste para exigir. Esse é nosso parlamento indígena, nossa Casa do Saber. No momento em que vocês se unem aos indígenas e aos direitos humanos, a gente se junta a vocês para o acesso à Justiça”, pontuou Marivelton Barroso.
Liderança do povo Munduruku, Alessandra Korap participou do encontro como convidada da Foirn e do ISA e levou às autoridades denúncia de ataques ao seu povo, no Pará.
“A região do Rio Negro está preservada, a água do rio está limpa. Isso precisa ser preservado. A minha região também era assim, o rio era verde. Hoje está lamacento, com os peixes contaminados pelo mercúrio”, lamentou.
Direitos
Renata Vieira explica que os cartazes traduzidos para línguas indígenas são referentes à audiência de custódia, mas a iniciativa traz a garantia de ao menos outros três direitos: direito à cultura dos povos indígenas, direito a falar e ter acesso à informação na sua própria língua e direito de acesso à Justiça. “Não se pode falar de acesso à Justiça quando não se tem compreensão dos direitos”, enfatizou.
Ela atenta ainda para a importância da presença de representantes do Judiciário nacional e estadual em São Gabriel da Cachoeira.
“A emergência dos povos indígenas tem ganhado protagonismo dentro do Judiciário. Trazer o Judiciário para perto dos indígenas também é muito importante. É o Estado se abrindo para a pluralidade dos povos indígenas. Essas pessoas viram a floresta e o rio preservado, estiveram com os indígenas, vão se lembrar disso quando retornarem a seus gabinetes”, disse.
Defensora pública em São Gabriel da Cachoeira, Isabela Sales considera que a iniciativa é de extrema importância. Ela explica que, muitas vezes, o indígena que recorre à Defensoria sabe a língua portuguesa, mas não ao ponto de compreender termos técnicos do Direito. “Muitas vezes, a pessoa detida fala o português, mas não tem o entendimento da situação. Então pode até mesmo se comprometer ou se incriminar na frente do juiz. Em algumas situações precisamos de tradutor, intérprete. Nesses casos, pedimos apoio à Foirn”, explicou.
Em São Gabriel da Cachoeira, há uma delegacia de Polícia Civil com carceragem, onde os presos ficam detidos. A projeção dos órgãos de segurança locais é que aproximadamente 90% dos detentos sejam indígenas.
Ação pioneira
A produção das cartilhas de audiência de custódia em línguas indígenas é pioneira no país e mostra dois movimentos principais: o fortalecimento do movimento indígena e ações do sistema Judiciário para maior inclusão.
Desembargador do Tribunal de Justiça, conselheiro do CNJ e supervisor do Departamento de Monitoramento e Fiscalização Carcerária e Socioeducativa (DMF), Mauro Pereira Martins informa que a tradução dos cartazes é o primeiro passo para implementação da resolução 287 do CNJ, de 2019, que disciplina os direitos das pessoas indígenas nos processos criminais e determina que os tribunais dos Estados adotem providências para concretizar o previsto. Segundo ele, o objetivo é fazer com que a Justiça vá ao encontro das comunidades indígenas, respeitando a cultura e a tradição local.
Ainda de acordo com o magistrado, o CNJ indica que todo preso deve passar por essa audiência de custódia, ou seja, ser apresentado ao juiz até 24 horas após sua prisão. No encontro, o juiz pode verificar possíveis marcas de agressões e saber das circunstâncias da prisão. “A audiência de custódia é considerada primordial para assegurar que o processo da prisão ocorreu dentro da legalidade, coibindo abusos e torturas eventualmente cometidas pelos próprios agentes do Estado”, esclareceu.
Juíza da 5ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Amazonas (TJAM) e à frente da Coordenadoria de Audiências de Custódia no Estado, Andrea Medeiros afirmou que é necessário ensinar e explicar os procedimentos jurídicos. “Muitas vezes, o detento, quando é indígena, não fala o português e não compreende essa carga de palavras jurídicas. Pode ter dúvida, por exemplo, sobre o que é uma tornozeleira eletrônica”, exemplificou.
Coordenador da Unidade de Estado de Direito do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Nivio Nascimento disse que a entidade integra a parceria com o Programa Fazendo Justiça, desenvolvido pelo CNJ. Uma das iniciativas foi a produção de cartilhas informativas sobre audiências de custódia.
Tornozeleira eletrônica
As dificuldades de tradução de palavras e situações próprias do sistema de Justiça foram encontradas por todos os tradutores indígenas. Edson Gomes, do povo Baré, falante de Nheengatu, relata que o trabalho foi desafiador. Um dos problemas encontrados foi traduzir o termo tornozeleira eletrônica. Para passar aos indígenas o significado correto, usou a palavra que indica o que fica no tornozelo: takão pura.
Mestrando em comunicação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o comunicador Ray Baniwa participou do projeto e atuou junto a Alfredo Brazão, também do povo Baniwa. Como exemplo de dificuldade na tradução, Ray também citou o termo tornozeleira eletrônica.
“Na nossa língua Baniwa, não tem o termo tornozeleira eletrônica. Então, utilizei a palavra relógio, que já é bastante usada pelos Baniwa. E tornozeleira eletrônica foi explicada como sendo um tipo de relógio que monitora pessoas, que é colocado na pessoa para saber onde é que ela está”, explicou.
Ele acredita que, à medida que os indígenas forem se habituando com esse tema, as traduções serão adaptadas. “É um trabalho importante para mim, para nós como Baniwa, pois vai trazer pela primeira vez o acesso ao sistema Judiciário, o que não é comum. Quando apresentei o trabalho, expliquei que vai demorar um pouco para a gente conhecer melhor essa linguagem. Essa primeira versão terá que ser adaptada. Com mais pessoas se habituando, vamos achar novas formas de traduzir os termos que são, por enquanto, difíceis para nós”, finalizou.
Conheça os tradutores indígenas
Alfredo Brazão, do povo Baniwa - Tradução para o Baniwa
Professor, formado em magistério indígena e licenciado pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam) em Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável Indígena.
Ray Baniwa, do povo Baniwa – Tradução para o Baniwa
Comunicador da Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas, com formação em Marketing e mestrando em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Manuele Pimentel Serra, do povo Tuyuka – Tradução para o Tukano
Graduanda em Direito na Universidade de Brasília (UnB) e estagiária do Programa Rio Negro do ISA.
Dagoberto Lima Azevedo, do povo Tukano – Tradução para o Tukano
Doutorando em Antropologia pela Ufam, assessor técnico do Programa Rio Negro do ISA.
Edson Cordeiro Gomes, do povo Baré - Tradução para o Nheengatu
Licenciado em Educação Indígena pela Ufam, pesquisador da Política Linguística da Região do Alto Rio Negro e atualmente supervisiona as atividades da Confederação Nacional dos Agricultores e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer) na região do Rio Negro.
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Em nota, a Hutukara Associação Yanomami lembrou que outros casos de violência sexual foram registrados e publicados recentemente no relatório “Yanomami Sob Ataque”
A Hutukara Associação Yanomami (HAY) comunicou nesta quarta-feira (27/4) em nota que está acompanhando o caso do ataque de garimpeiros à comunidade Aracaçá, na região Waikás, Terra Indígena Yanomami e exigiu que os invasores ilegais sejam retirados do território.
Conforme relatos, garimpeiros teriam estuprado e matado uma adolescente de 12 anos, e sequestrado outra mulher e uma criança, que desapareceu nas águas do rio ao tentar fugir. A associação indígena disse que está apurando mais informações junto às comunidades para esclarecer os fatos e encaminhar o que for necessário junto às autoridades.
A HAY também destaca no documento que episódios de violência sexual contra crianças, adolescentes e mulheres Yanomami praticadas por garimpeiros invasores já foram registrados em outras regiões e publicados recentemente no relatório Yanomami Sob Ataque. O relatório também denuncia casos de violência armada e ameaças de garimpeiros contra a vida dos Yanomami e Ye’kwana.
A organização relembra que a região de Waikás é a mais impactada pelo garimpo ilegal na TIY, com 25% do aumento da devastação de 2020 a 2021. “E a comunidade Aracaçá já foi o centro de um estudo conduzido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), onde 92% das pessoas que participaram do estudo apresentaram índices elevadíssimos de contaminação de mercúrios no corpo, resultado do garimpo ilegal na região”, afirmou a Hutukara.
O nota também destaca que a comunidade Aracaçá está próxima à região de Palimiu, onde em maio do ano passado ocorreram seguidos ataques de garimpeiros armados e uma criança morreu afogada tentando fugir para se proteger dos invasores.
“Mesmo com toda a violência, a Base de Proteção Etnoambiental (Bape) da Funai, que deveria proteger o acesso ao Rio Uraricoera ainda não foi reativada e o garimpo continua atuando livremente”, diz o documento.
Confira na íntegra a nota da Hutukara que pede mais uma vez que o Estado brasileiro cumpra o seu dever constitucional e promova urgentemente a retirada dos invasores.
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Encontro em São Gabriel da Cachoeira, cidade mais indígena do Brasil, reuniu representantes dos mais de 20 povos da região em defesa de seus territórios e da diversidade cultural
Apesar de todos os ataques aos seus direitos constitucionais, os 23 povos indígenas do Rio Negro celebraram o Dia dos Povos Indígenas em São Gabriel da Cachoeira, Alto Rio Negro, valorizando sua diversidade cultural e territórios tradicionais, no Noroeste Amazônico, região mais preservada da Amazônia brasileira.
A comemoração começou dia 19 de abril pela manhã, com dabucuri (cerimônia de oferta de alimentos) na comunidade Waruá, do povo Dâw, na Terra Indígena Médio Rio Negro II, bem em frente à cidade de São Gabriel.
Os Dâw são um povo de aproximadamente 200 pessoas, falantes de sua língua do tronco linguístico Naduhup, e que vêm ampliando sua população nos últimos anos graças à demarcação do território e um melhor enfrentamento de diversas ameaças, que quase levaram o povo à extinção.
“Nossa luta em defesa do nosso território, do nosso rio e dos nossos igarapés, é grande. Porque sem a floresta nós não podemos viver. Nós não pensamos somente em nós, pensamos na geração que está vindo. Mas, se acontecer entrada de mineração, entrada de destruição da nossa natureza, seria uma morte para nós, para nosso povo”, afirmou a professora Auxiliadora Fernandes da Silva, liderança do povo Dâw.
Com grande valorização da fartura amazônica e das crianças da comunidade, os Dâw – conhecedores dos caminhos da floresta – caçaram por quatro dias para oferecer apenas comida tradicional durante o dia festivo, além de frutas, beiju, goma de tapioca, peixe moqueado e outros alimentos produzidos na comunidade ou colhidos na floresta e no rio.
Já a tradicional Maloca de Itacoatiara Mirim, do mestre Luiz Laureano, da etnia Baniwa, na comunidade de Itacoatiara Mirim, na área periurbana de São Gabriel, recebeu indígenas de cerca de 10 etnias, além de não indígenas, em sua celebração intercultural.
Luiz Laureano e seu irmão Mário Joaquim fizeram uma apresentação com as flautas japurutu, trazendo para a maloca suas músicas tradicionais. “Tenho que manter a maloca alegre, tenho que trazer felicidade para não deixar espaço para as coisas ruins”, disse o mestre Luiz Laureano.
Seu filho Moisés Baniwa, cineasta e fotógrafo da Rede Wayuri, foi o mestre de cerimônia da festa. “Essa é uma forma de incentivar a nossa cultura. As pessoas que participam dessa festa acabam voltando ou levando adiante as tradições”, contou. Em Itacoatiara Mirim vivem 45 famílias das etnias Baniwa, Wanano, Desano, Koripako, Bará e Tuyuka. Houve dabucuri, com oferta farta de alimentos em agradecimento aos parceiros.
A comemoração também envolveu os alunos e alunas da Escola Municipal Jerusalém, com incentivo da professora Marlene Domingos, da etnia Baré, e do professor Felisberto Montenegro, da etnia Wanano. Felisberto resgatou em um trabalho de pesquisa a dança do Choro do Tukano. Uma das alunas fez a leitura de um texto abordando a violência histórica dos invasores e a necessidade de proteção aos povos tradicionais.
Diversidade linguística
Um grupo da etnia Wanano que mora em uma comunidade próxima apresentou a dança Cariço. O professor Efrain Brazão Alana, Wanano, considera que a festa ajuda a reforçar a cultura, mas ressalta que está lutando pelo reconhecimento de sua língua – o Wanano – também como oficial no município.
São Gabriel da Cachoeira tem quatro línguas oficiais, além do português: Baniwa, Nheengatu, Tukano e Yanomami. “O ideal é que tivéssemos escolas que ensinassem a nossa língua”, avaliou.
As mulheres indígenas participaram das danças, entoaram cânticos em língua indígena e serviram rodadas de caxiri, bebida fermentada da mandioca. A agricultora Maria Madalena Alves Cabral, da etnia Desana, levou caxiri de cana e batata para servir na festa. Ela é falante da língua Desana e Wanano e fez apresentação de cantos indígenas durante o encontro.
Professora de dança da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Iara Costa fez uma performance durante a festa. Ela e a estudante de dança Tainá Andes, do povo Kokama, estão na comunidade de Itacoatiara Mirim para participar do projeto Residência Partilhada, que envolve Canadá, Colômbia e Brasil e é conduzido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Comunidades localizadas até mesmo em áreas remotas da bacia do rio Negro prepararam comemorações para o Dia dos Povos Indígenas. A Rede Wayuri de Comunicadores Indígenas divulgou localmente as centenas de atividades comemorativas dentro do território indígena, que incluíram torneios esportivos, gincanas e performances culturais.
Na área urbana de São Gabriel da Cachoeira houve programação durante todo o dia no Ginásio Arnaldo Coimbra, com feira e apresentação de dança de agremiações culturais do Festribal.
Dia dos Povos Indígenas e não Dia do Índio, defende deputada Joênia Wapichana
A Câmara dos Deputados realizou em 19 de abril, Dia dos Povos Indígenas, sessão solene para celebrar a data. Primeira mulher indígena a ser eleita deputada federal, Joenia Wapichana (Rede-RR) abriu a sessão denunciando que o governo segue incentivando o garimpo nos territórios indígenas e que as políticas públicas voltadas aos povos originários estão negligenciadas.
Os participantes da sessão se posicionaram contra o PL 191/20, do Governo Federal, que regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em terras indígenas. Houve repúdio também ao PL 490/07, que trata da demarcação de terras indígenas e traz o tema do marco temporal. Ambas as propostas estão tramitando no Congresso Nacional.
A deputada Joenia Wapichana também é autora do projeto de lei que muda o nome do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”. Segundo ela, a intenção ao renomear a data é ressaltar, de forma simbólica, não o valor do indivíduo estigmatizado "índio" mas o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira. As informações são da Agência Câmara de Notícias.
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Rede indígena de manejo ambiental descreve em diários de pesquisa mudanças climáticas tendo como referência as estrelas e constelações
“Quinta-feira, 8 de abril de 2021: manhã totalmente nublada. Dias 9, 10, 11 de abril: Verão de Umari. Nessa semana, meus parentes da aldeia Porto Amazonas, Colômbia, farão no Igarapé Zogue-Zogue Festa de Pupunha. É a última festa de verão pupunha. E logo em seguida terá cerimônia de Dabucuri de frutas silvestres com flauta sagrada. Feito isso, cunhados da aldeia Puerto Inajá e Santa Isabel (Komeña) já começam um novo ciclo de jejuar (…)”
Esse é um pequeno trecho do diário que Damião Amaral Barbosa, da etnia Yeba Masã, registra como Agente Indígena de Manejo Ambiental (Aima) em sua comunidade, no Igarapé Castanha, Rio Tiquié, na fronteira do Brasil com a Colômbia.
Neste ano, também nos primeiros dias de abril, Damião registrou outro cenário: a fruta umari veio na época certa, mas o chamado verão de Umari — que são alguns dias sem chuva — não apareceu. “O rio já encheu grande, enchente grande, encheu igapó, não teve mais verãozinho de três ou quatro dias. Veio a fruta, mas não verão do Umari”, descreve.
O relato foi feito pelo próprio Damião durante a oficina de AIMAs ocorrida de 5 a 15 de abril na comunidade Açaí-Paraná, no Baixo Rio Uaupés, município de São Gabriel da Cachoeira (AM). O encontro reuniu cerca de 30 agentes ambientais que vivem em comunidades indígenas dos rios Tiquié, Baixo Uaupés, Igarapé Castanha e Negro, para troca de experiências sobre as observações nas comunidades onde moram.
Essas comunidades estão numa das regiões mais preservadas da Amazônia, mas ainda assim os AIMAs vêm percebendo alterações nos ciclos naturais e falam em impactos da emergência climática. As percepções coincidem com as narrativas dos conhecedores indígenas, que também participaram da oficina.
O tema foi discutido no encontro, assim como lixo, manejo dos peixes, cadeia de valores e o reconhecimento dos agentes ambientais pelos órgãos oficiais. O último ponto está na pauta da Câmara Federal, conduzida pela Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, coordenada pela deputada federal Joenia Wapichana (Rede).
Ela está se reunindo com indígenas e organizações de defesa dos povos tradicionais para a elaboração de projetos de lei para regulamentação dos AIMAs e dos Agentes de Segurança Territorial Indígena (Gpvit).
Coordenador-adjunto do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), o antropólogo Aloisio Cabalzar está à frente do projeto Rede de AIMAs, desenvolvido em parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), por meio da coordenadoria Diawii. Ele participou da oficina em Açaí-Paraná e, em conversa com os pesquisadores, ressaltou a importância da rede, inclusive para a conscientização da importância dos territórios indígenas.
“São vocês que vivem aqui que conhecem melhor que qualquer um a região, os ciclos, a paisagem, serras, rios e cachoeiras. Sabem manejar esse território. Por isso existem as Terras Indígenas. Isso tem que ser entendido e reconhecido pelas autoridades. Esse trabalho com o registro de diários mostra esses conhecimentos, essas práticas de manejo e de governança do território”, disse no encontro.
Cabalzar explica que o projeto não surgiu com o objetivo de monitoramento de mudanças climáticas, mas esse tema vem aparecendo nos relatos dos agentes ambientais. “O projeto dos AIMAs é desenvolvido há mais de 15 anos pelo ISA e foi iniciado como demanda dos próprios indígenas de ampliação do projeto de manejo de peixes que foi desenvolvido no Rio Tiquié. Havia o entendimento de que o ciclo de vida dos peixes estava relacionado a outros ciclos ecológicos, biológicos e mesmo rituais”, conta. O projeto é desenvolvido com apoio de várias instituições, sendo que atualmente as principais parcerias são com o LIRA (GBMF/BNDES) e Nia Tero.
A Rede de AIMAs realiza pesquisas interculturais, com intercâmbio de saberes entre os indígenas de várias etnias — como Tukano, Tuyuka, Yeba Masã, Piratapuya, Baniwa –, de kumuãs (como os conhecedores rituais são chamados na região) e de conhecedores indígenas e não indígenas. “As observações partem do entendimento indígena da integração: as pessoas não são uma coisa e a natureza é outra. O manejo indígena é parte dos processos ecossistêmicos, são interdependentes, como mostram os diários e também a fala e os benzimentos dos conhecedores”, explica Cabalzar.
Em seus diários — as anotações são feitas em cadernos, agendas e tablets. Os indígenas acompanham as enchentes, os períodos de verão, os trabalhos, florações, migrações de peixes, aves e outros a animais, piracemas, doenças, festas e benzimentos — tendo como referência as constelações. Alguns dos diários ganham ilustrações de flores, frutos, peixes e outros animais.
Atualmente, a Rede de AIMAs conta com cerca de 40 agentes, com atuação nos rios já citados e no Rio Içana, onde há predominância de comunidades da etnia Baniwa, e na região de Barcelos.
Mulheres
“Escutando os pesquisadores, a gente entende que esses conhecimentos não são repassados na educação formal. O papel dos AIMAs é gerar um monitoramento diário de questões ambientais interligado com o sistema de constelação único, dentro do conhecimento deles”, afirma Marina Spindel, ecóloga e assessora do ISA que também participou da oficina de AIMAs em Açaí-Paraná.
“Em uma época em que se fala tanto de mudanças climáticas, os agentes mostram ter um conhecimento à frente do que vemos nas instituições acadêmicas”, completa.
Spindel explica que há interesse em reforçar a participação das mulheres indígenas na Rede de AIMAs. O grupo conta com apenas uma, Oscarina Caldas Azevedo, Desana, moradora de Acará Poço.
Segundo Oscarina, alguns temas de sua observação, como o clima, coincidem com a dos homens, mas há outras partes que se diferenciam, pois são da vivência da mulher indígena.
Entre elas estão os trabalhos na roça e os conhecimentos sobre as mandiocas. Durante o encontro, as mulheres presentes realizaram uma roda de conversa para compartilhar vivências.
Língua indígena
Na oficina, a principal língua falada foi Tukano. Dagoberto Azevedo, antropólogo, assessor e analista de pesquisa e desenvolvimento socioambiental do ISA, da etnia Tukano, fez a tradução não somente da língua, mas do entendimento, facilitando o diálogo entre os indígenas e não indígenas. “Nem sempre a tradução é literal. É necessário também explicar o que os indígenas estão querendo dizer e fazer uma espécie de mediação para o mundo dos brancos”, diz.
Azevedo reforçou a importância da Rede de AIMAs para o fortalecimento dos conhecimentos indígenas. “Esse trabalho vai além da pesquisa da forma que o não indígena faz. Essa pesquisa observa e registra questões culturais e conhecimentos. Alguns desses saberes estavam entrando em desuso”, observa.
“Embora os conhecedores continuassem a trocar experiências entre eles, não se falava abertamente sobre essas práticas, que conhecemos na língua Tukano como ‘Basese’. Aos poucos, esses conhecedores foram se abrindo e trocando experiências com a rede de AIMAs”, explica.
Conhecedores tradicionais também participaram da oficina, integrando rodas de conversas para compartilhamento de saberes.
Um deles é Rafael Azevedo, Tukano, morador de Acará-Poço, no Rio Tiquié. Segundo ele, no entendimento indígena, a desordem dos ciclos está ocorrendo devido à diminuição das práticas dos povos tradicionais.
“As constelações, nós temos entendido que nossos avós faziam com que elas funcionassem bem como eles queriam. Como perdemos nossos pais, a sabedoria, alguns conhecimentos, estamos passando a fase ruim para sustentar a família por meio da agricultura, da caça e do peixe”, lamenta.
“Isso para nós significa que o planeta hoje em dia está todo mudado. Não se sabe mais que tempo vai dar verão e que tempo vai dar inverno. Temos que aprofundar mais no conhecimento dos nossos antepassados, precisamos retomar os conhecimentos e os benzimentos.”
Nos relatos dos AIMAs, a alteração nos ciclos é uma constante. Entre os registros que indicam eventos climáticos inesperados, está o da comunidade Açaí-Paraná, onde aconteceu o encontro. Famílias perderam roças nas enchentes de 2021, quando foi registrada uma cheia histórica no Amazonas.
Morador dessa comunidade, o Aima Rosivaldo Miranda, da etnia Piratapuia, conta que vem observando alteração nos ciclos. “Vemos as mudanças climáticas realmente acontecendo. No ano passado, perdemos três roças, com o alagamento. As famílias perderam a alimentação, ficaram no prejuízo. Na comunidade vizinha também houve perdas”, comenta.
A agricultora Amélia Matos Lopes, da etnia Baniwa, moradora de Açaí-Paraná, viu sua roça virar um igapó, ou seja, ser toda inundada. “Para chegar na nossa roça, temos que pegar a rabeta [barco com motor] e seguir cerca de uma hora no rio. Meu marido seguiu para a pescaria, eu e minha filha ficamos na roça. Era abril de 2021, não lembro bem o dia. Quando cheguei lá, estava tudo inundado. A água estava na cintura, minha filha subiu num pé de ingá para não se molhar. Mesmo na inundação, eu apanhei um pouco de mandioca. Mas chorei muito quando vi aquela situação”, relembra.
Dona Amélia produziu 12 latas de farinha com a mandioca que conseguiu arrancar e contou com a ajuda de familiares que moram em outras comunidades para conseguir mais quantidade do alimento, que é a base da dieta dos moradores da região.
Rosivaldo Miranda diz que está preocupado com a instabilidade das chuvas deste ano e dos próximos períodos. “Tem pouco tempo, o rio encheu muito, mas depois voltou a baixar. Não sabemos como vai ser”, alerta.
A comunidade de Açaí-Paraná está numa região de caatingas e igapós extensos, onde não é possível a agricultura. Áreas propícias para colocação de roças são poucas. Por outro lado, a região é farta em peixe.
A comunidade cultiva roças em áreas relativamente próximas — cerca de uma hora de distância, entre trecho de rio e caminhadas — e ainda promove troca com outros grupos do Tiquié e Uaupés, recebendo farinha e outros produtos e oferecendo peixe.
Morador da comunidade de São Paulo, no Alto Rio Tiquié, o AIMA Lucas Alves Bastos, da etnia Tukano, também relata a percepção das mudanças nos ciclos. “A gente vê na nossa pesquisa sobre as mudanças dos tempos. Os velhos, nossos conhecedores, informam que hoje em dia não é como antes. As enchentes, os verões, as revoadas, as migrações de pássaros, também desova dos peixes, cada dia que passa não acontece mais como nos anos anteriores. As coisas estão mudando. Na época, cada ano tinha que fazer roça para queimar em certo período. Hoje em dia, alguns fazem a roça, mas não conseguem fazer a queima, pois chove, perde seu trabalho”, relata.
Durante as conversas, os indígenas sugeriram a formação de uma rede de conhecedores indígenas para fortalecimento de práticas como benzimentos e proteções. Outros dois encontros dos AIMAs para realização de oficinas de formação e troca de informações estão previstos para acontecer em 2022.
Saiba quais são as constelações que marcam os ciclos na região dos rios Tiquié e Uaupés

Aña — Jararaca
Pamo — Tatu
Muhã — Jacundá
Dahsiu — Camarão
Yai — Onça
Ñohkoatero — Plêiades
Waikasa — Jirau de Peixe
Kaisarirõ
Sioyahpu — Cabo-de-Enxó
Diayo — Ariranha
Uphaigu ou yurara — Jabuti-Grande
Yhe — Garça
Participantes do encontro
GRUPO ALTO TIQUIÉ
João Paulo Pimentel Tenório, Tuyuka, comunidade São Pedro
Lucas Alves Bastos, Tukano, comunidade São Paulo
Josimar Rezende Marques, Tukano, comunidade Caruru
Edécio Marques Meira, Tuyuka, comunidade Cachoeira Comprida
Osmail Azevedo Rezende, Tuyuka, comunidade São Pedro
MÉDIO TIQUIÉ
Rafael Antônio Azevedo, Tukano, comunidade Acará-Poço
Oscarina Caldas Azevedo, Desano, comunidade Acará-Poço
Aliete Laura Caldas Azevedo, Acará-Poço
Celestino Rezende Azevedo, Tukano, Pirarara-Poço
Vilmar Rezende Azevedo, Tukano, comunidade Pirarara-Poço
Rogelino da Cruz Alves Azevedo, Tukano, comunidade São José II
José Caldas Pedroso, Tukano, comunidade Cunuri
José William Sampaio Uribe, Siriano, comunidade Santo Alberto
Benjamin Sarmento Uribe, Siriano, comunidade Santo Alberto
IGARAPÉ CASTANHA/RIO TIQUIÉ
Damião Amaral Barbosa, da etnia Yeba Masã, comunidade São Felipe
Inácio Macedo Barbosa, Desano, comunidade Santa Rosa
Genésio Batista Silvano, Tukano, comunidade Assunção
Oziel Barbosa Macedo, Hupde, comunidade Santa Rosa
Mateus Gomes Macedo, Desano, comunidade Santa Rosa
Teodoro Rodrigues Barbosa, Yeba Masã, comunidade São Felipe
BAIXO UAUPÉS E RIO NEGRO
Rosivaldo Miranda, Piratauipa, comunidade Açaí-Paraná
Silvaldo Navarro da Silva, Tukano, comunidade São Pedro
Paulino André de Ribeiro, Tukano, comunidade Unuri
Alfredo Castro, Tukano, comunidade São Pedro
Germano Moreira, Tukano, comunidade Açaí-Paraná
Gabriel Moreira, Tukano, comunidade Açaí-Paraná
Edson Galvão, Tukano, comunidade São Pedro
Paulo Augusto Marques Araújo, Dãw, comunidade Waruá
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Mais de 7 mil indígenas de todas as regiões do país ocupam Brasília por direitos indígenas e demarcação dos territórios até 14 de abril
Há 18 anos, o Acampamento Terra Livre (ATL) ocupa a capital do país para lembrar que o Brasil é Terra Indígena. Em 2022, o acampamento acontece de 4 a 14 de abril no Complexo Cultural Funarte, e já reúne mais de sete mil indígenas, de 176 povos de todas as regiões do país. A mobilização é realizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e suas organizações de base*.
Com o tema ‘Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política’, a maior mobilização indígena do Brasil ocorre em um momento de extrema ameaça aos direitos indígenas e ao meio ambiente. Está na agenda prioritária do Congresso Nacional o “Pacote da Destruição”, um conjunto de projetos de lei que ameaçam o meio ambiente e os territórios indígenas.
Entre os projetos, estão:
- PL do Veneno (6.299/2002), que facilita a venda e o uso de agrotóxicos.
- PL da Grilagem (2.633/2020 e o 510/2021), que possibilita o roubo de terras públicas.
- PL 490/200, que permite que o governo retire da posse dos povos indígenas áreas oficializadas há décadas e escancara as terras indígenas a empreendimentos predatórios.
- PL do Licenciamento Ambiental (3.729/2004), que pode ampliar os riscos de proliferação de novos crimes socioambientais, como as tragédias ocorridas em Mariana e Brumadinho (MG).
Marcha Demarcação Já
Estamos na metade da nossa Marcha pela ‘Demarcação Já’ aproximando da esplanada dos ministérios, centro da política brasileira. Lugares onde muitas das vezes autorizam e buscam exterminar nossas vidas e territórios.
— Apib Oficial (@ApibOficial) April 6, 2022
SAIBA MAIS: https://t.co/QTD1lPoyAn
#ATL2022 pic.twitter.com/NfiIQ3pK55
Na tarde desta quarta-feira (6/4), a marcha ‘Demarcação Já’ ocupou o Eixo Monumental em direção ao Congresso Nacional. Nos quase oito quilômetros de caminhada, ida e volta, guerreiros e guerreiras, jovens, anciãos e crianças entoaram cantos de luta e carregaram faixas, cartazes e até mesmo o ‘mundo nas costas’ contra a agenda anti-indígena do governo federal e do legislativo, e pela demarcação das terras indígenas.
“Nós temos vários projetos de lei no Congresso Nacional que vão prejudicar e impactar diretamente a população indígena, com o fim da demarcação de terras indígenas e a liberação da mineração em terras indígenas”, explicou Oreme Ikpeng, ativista ambiental e técnico em Agroecologia Indígena do povo Ikpeng do Território Indígena do Xingu (TIX).
Agnaldo Francisco, liderança Pataxó Hã-Hã-Hãe e coordenador geral do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba), disse que sem as terras indígenas não haverá continuidade da vida no planeta.
“Se o território não for demarcado, um projeto de morte será implementado. Morte não só para nós [povos indígenas], mas para todos os brasileiros, para todo o planeta. A demarcação do nosso território significa a preservação do meio ambiente, significa preservar e diminuir o desgaste da camada de ozônio”, afirmou.
Pacote Verde
Enquanto marchavam, seguia no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento do Pacote Verde, referente às sete ações relacionadas à proteção do meio ambiente e ao enfrentamento das mudanças climáticas.
Em pauta, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 760, que exige a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM) e a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 54, que acusa o Governo Federal de omissão no combate ao desmatamento na Amazônia.
Ouça episódio do podcast Copiô, Parente
A ministra Cármen Lúcia concluiu seu voto determinando que o governo federal elabore, num prazo de 60 dias, um plano de retomada do efetivo combate ao desmatamento na Amazônia, garantindo a máxima proteção do meio ambiente e a execução de políticas públicas.
Na sequência, o ministro André Mendonça pediu vista do processo, o que suspende o julgamento até que o magistrado devolva o caso ao plenário.
Plenárias do ATL
Na quarta-feira, uma plenária virtual reuniu o Parlamento Europeu, representantes da Organização das Nações Unidas (ONU) e lideranças indígenas para discutir as urgências dos povos para preservação da vida e do planeta.
Na terça-feira (5/4), a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas lançou, em plenária, a Carta Aberta contra o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que recolhe assinaturas de parlamentares, personalidades, instituições, organizações e movimentos sociais do Brasil e do exterior.
“É um projeto que atropela a Constituição Federal e ataca, mais uma vez, os direitos dos povos originários do Brasil. O PL 191/2020 apresenta evidentes problemas jurídicos e de inconstitucionalidade, desconsidera tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, e afronta o próprio Regimento Interno da Câmara dos Deputados”, diz a carta.
O PL 191/20, apelidado de “Projeto X-Tudo”, abre as Terras Indígenas à exploração de petróleo, gás e minérios, permite a instalação de hidrelétricas e grandes projetos de infraestrutura, além do cultivo de transgênicos dentro dos territórios.
Com dez dias de programação e mais de 40 atividades, o ATL inclui em sua programação, além do enfrentamento da agenda anti-indígena, debates sobre educação e saúde indígena, povos isolados, protagonismo das juventudes, mulheres indígenas na política, indígenas LGBTQIA+, além de plenárias sobre impactos no judiciário, demarcação de terras indígenas e políticas públicas.
“Depois de dois anos de Acampamento Terra Livre online, pelas telas, voltamos a ocupar Brasília, a Esplanada dos Ministérios, e voltamos presencialmente a pintar Brasília de urucum e jenipapo. Trazemos a forma da diversidade dos povos indígenas do Brasil, essa resistência, que é secular da luta indígena, que traz ainda como principal bandeira a demarcação das terras indígenas”, afirmou Sônia Guajajara, da coordenação executiva da Apib.
* O Acampamento Terra Livre é realizado pela Apib e suas organizações de base – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme); Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab); Conselho Terena; Comissão Guarani Yvyrupa (CGY); Aty Guasu – a Grande Assembleia dos Povos Guarani e Kaiowá; Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul); e Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste) -, e organizações que apoiam o movimento indígena.
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Maior mobilização indígena nacional volta a acontecer presencialmente após dois anos de pandemia
Povos indígenas de todas as regiões do país estão ocupando Brasília na 18° Edição do Acampamento Terra Livre (ATL). O tema deste ano é: “Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”. O encontro começou no dia 4 de abril e se encerrará no dia 14 de abril.
Depois de dois anos em formato virtual em razão da pandemia, o acampamento acontece em um momento de enfrentamento de pautas urgentes que ameaçam as vidas, as culturas, os territórios e as tradições dos povos indígenas.
A demarcação das terras segue como bandeira principal e a defesa pela vida contra a agenda de destruições é prioridade.
Nos últimos dois anos, a destruição ambiental impulsionada por Bolsonaro resultou em uma série de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional.
Se esse Pacote da Destruição for aprovado, os ecossistemas brasileiros, os povos tradicionais e o clima global sofrerão danos irreversíveis.
O 18º ATL tem como um de seus objetivos evitar que a destruição vire lei.
O que está em jogo?
Em 2022, o Congresso pode aprovar uma série de projetos de lei que acabarão com direitos socioambientais conquistados a partir da Constituição de 1988.
Desde o início de seu governo, Bolsonaro tem emitido portarias e decretos em ataque ao meio ambiente e aos povos tradicionais.
Mas com a ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), a destruição socioambiental encabeçada por Bolsonaro e seus aliados entrou numa perigosa fase de proposições legislativas.
Dentre elas, há a expectativa de que se vote, na primeira quinzena de abril, o PL 191, que abre a porteira para a mineração em Terras Indígenas. O projeto pretende liberar principalmente a mineração e a construção de hidrelétricas em Terras Indígenas, inclusive naquelas com povos isolados, e é uma das pautas quentes desse momento no ATL pela expectativa de proximidade da votação.
No último dia 11 de março, a Câmara dos Deputados aprovou requerimento para tramitação em regime de urgência do PL, o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a pauta será incluída para votação ainda em abril. Ruralistas foram responsáveis por 54% dos votos que aprovaram urgência na mineração em terras indígenas.
Fique atento: na prática, o projeto 191/2022 funciona como um “libera geral” a grandes empreendimentos e a garimpo em terras indígenas. E o pior: o PL não considera a necessidade de consentimento dos povos indígenas.
Se aprovado, o PL deve impactar mais de 200 Terras Indígenas com pedidos de mineração só na Amazônia.
É o que indicam dados oficiais da ANM (Agência Nacional de Mineração) que recebeu, desde a década de 1970, pedidos de autorização para pesquisa mineral ou lavra garimpeira em áreas que invadem os limites de 204 terras indígenas registradas na Amazônia Legal.
Destas, 170 TIs já estão registradas junto à Funai (Fundação Nacional do Índio), enquanto as demais estão em alguma etapa do trâmite de homologação.

Nesta edição do ATL, outras pautas também estão em jogo. A Lei de Cotas nas Universidades, instituída em 2012, permite o acesso de estudantes pretos, pardos e indígenas, de pessoas com deficiência e daqueles que cursaram integralmente o ensino médio em escolas públicas às instituições de educação superior.
Mas a legislação prevê que o programa seja revisto no prazo de dez anos. Ou seja, se a Lei não for prorrogada ou renovada, em 2022 as cotas poderão ser extintas.
Outro ponto importante da mobilização deste ano no Acampamento é a campanha "Isolados ou Dizimados''.
A Fundação Nacional do Índio (Funai) ainda não renovou as portarias de restrição de uso das terras Jacareúba/Katawixi (AM) e Piripkura (MT), que venceram em dezembro de 2021 e março de 2022, respectivamente. As portarias das Terras Indígenas Pirititi (RR) e Ituna-Itatá (PA) foram renovadas por apenas seis meses e, em breve, elas também estarão desprotegidas.
Enquanto isso, a entrada de invasores nas terras indígenas segue a todo vapor, gerando desmatamento e colocando em perigo povos indígenas que vivem em isolamento.
O panorama segue também preocupante em outras terras indígenas no Brasil com a presença de isolados.
O que você tem a ver com isso?
A luta contra esses retrocessos tem a ver com você.
Para apoiar o Acampamento Terra Livre, use suas redes sociais para divulgar materiais, ações e atividades do Acampamento Terra Livre e para se posicionar contra as PLs que tramitam no Congresso.
Também é possível contribuir através do site doa.re/terralivre para viabilizar a logística da maior mobilização dos povos originários do Brasil.
E mais importante: as eleições de 2022 estão cada vez mais perto. E para mudar esse cenário de destruição é preciso votar em pessoas comprometidas com as pautas socioambientais, com os povos tradicionais, com o meio ambiente e com o bem viver. Para isso é necessário estar em dia com a Justiça Eleitoral, e o prazo para regularizar, transferir ou tirar a primeira via do seu título de eleitor é até o dia 4 de maio e todo o processo pode ser feito pela internet, basta acessar a plataforma Título Net, do TSE. Para aqueles que farão 16 anos até o dia do 1º turno da eleição, já é possível emitir seu título e votar esse ano.
A luta por um país e um por um futuro onde socioambiental se escreve junto não é somente uma emergência indigena, é uma urgência de todos e todas nós!
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Terras indígenas Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) já são as mais impactadas pela exploração ilegal de ouro
Os povos Kayapó, Munduruku e Yanomami estão unidos em uma aliança inédita pela proteção de seus territórios do garimpo ilegal e se mobilizam para barrar o projeto de lei 191/2020, que pretende regulamentar a mineração nos territórios.
Juntos e juntas, as lideranças definem ações e estratégias e combater a destruição provocada pela invasão da atividade ilegal, que destrói a floresta amazônica, envenena os rios, cria conflitos e ameaça a vida das futuras gerações.
A Aliança em Defesa dos Territórios foi oficialmente criada em dezembro de 2021, em um evento em Brasília (DF) que reuniu 25 lideranças dos três povos. Mesmo antes do PL 191 ser colocado em regime de urgência para votação, o encontro já alertava para o momento dramático e urgente na Amazônia, que concentra atualmente 93,7% da atividade garimpeira no território brasileiro, de acordo com levantamento do MapBiomas.
Apenas nas Terras Indígenas, a área ocupada pelo garimpo cresceu 495% entre 2010 e 2020. Os territórios Kayapó (PA), Munduruku (PA) e Yanomami (RR) são as mais impactadas pela exploração ilegal de ouro, respectivamente. Com a tramitação do PL, que já está sendo chamado de projeto da morte, a aliança ganha musculatura com a união de lideranças indígenas que dizem não à mineração.
Na Terra Indígena Yanomami, o garimpo é um pesadelo antigo. Ao longo da história, foram desmatados mais de três mil hectares de floresta, sendo quase mil hectares somente em 2021. Atualmente, os Yanomami enfrentam a segunda grande corrida do ouro desde os anos 1980, com 20 mil garimpeiros ilegais dentro do território.
"São 38 anos de luta contra o garimpo e estou muito contente com essa aliança para proteger nossos territórios", afirma o líder e xamã Davi Kopenawa Yanomami.
Para Maial Paiakan Kayapó, a Aliança em Defesa dos Territórios é sinônimo de resistência e de existência. "Passamos por um momento que querem aprovar a todo custo abrir as Terras Indígenas para a mineração e para outras atividades que irão destruir totalmente nossos territórios. Agora são três povos indígenas para lutarmos juntos, por uma defesa só, em defesa dos nossos direitos originários. Nossa união como povos da floresta é importante para vencer essa guerra."
Apesar de viverem situações semelhantes em seus territórios, esses povos nunca tinham atuado juntos. A semente da aliança foi plantada em agosto de 2021, durante o acampamento Luta Pela Vida, realizado em Brasília. Lá foi firmado esse pacto histórico contra o avanço do garimpo ilegal, de projetos de lei que ameaçam as Terras Indígenas com mineração, hidrelétricas e diversos outros projetos de morte.
Uma carta-manifesto foi assinada em nome das organizações Hutukara Associação Yanomami, Instituto Raoni, Instituto Kabu, Associação Bebô Xikrin do Bacajá (ABEX), Associação Floresta Protegida (AFP), Associação das Mulheres Munduruku Wakoborũn, Associação Indígena Pariri do Médio Tapajós, Hwenama Associação dos Povos Yanomami de Roraima, (HAPYR) e Associação Wanasseduume Ye'kwana (Seduume). No documento, eles denunciam que o garimpo é uma doença levada pelos brancos para dentro dos territórios.
"Meu povo está cansado de fazer tantas denúncias. O PL 191 é um projeto de morte e somos ameaçados porque são sempre as mesmas caras que estão falando, mas quando a gente se une, isso pode mudar. Temos que fazer algo para que esse governo pare de nos matar, de violentar nossos corpos e nossos espíritos, que estão pedindo socorro", convocou Alessandra Korap, líder indígena do povo Munduruku e vítima constante de ameaças contra sua vida.
Desmatamento e contaminação
Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) informa que, apenas em 2019 e 2020, garimpos ilegais foram responsáveis pelo desmatamento de 2.137 hectares na TI Kayapó e de 1.925 hectares na TI Munduruku.
Além disso, 13.235 km² de floresta amazônica desapareceram entre agosto de 2020 e julho de 2021, no maior desmatamento registrado em 15 anos pelo relatório anual do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), considerado o sistema mais preciso para medir as taxas anuais.
De acordo com o Prodes, o mais afetado dos nove estados que compõem a Amazônia Legal é o Pará, estado que só neste último período teve 5.257 quilômetros quadrados de área desmatada. É no Pará onde estão os territórios Kayapó e Munduruku.
Já um monitoramento inédito do Greenpeace Brasil mostrou que o garimpo ilegal destruiu 632 quilômetros de rios dentro das Terras Indígenas Munduruku e Sai Cinza, no Pará. Nos últimos cinco anos, houve um aumento de 2.278% na extensão de rios destruídos dentro desses territórios.
Megaron Txucarramãe, do povo Kayapó, afirma que todos que já viram a atividade garimpeira de perto sabem que o "garimpeiro traz para a terra indígena a destruição da terra, da floresta e dos rios." Além disso, a liderança lembrou os impactos entre os indígenas, afetados por doenças, prostituição e conflitos.
Violência e morte
Em artigo "Empresas do ouro enriquecem, indígenas padecem", publicado no jornal Le Monde Diplomatique, em 3 de novembro de 2021, os autores Luísa Molina e Rodrigo Magalhães de Oliveira, relembram histórias trágicas que o garimpo causou entre os Yanomami e que ganhou os noticiários em 2021.
Em 12 de outubro de 2021, na Terra Indígena Yanomami, duas crianças indígenas que brincavam em um rio morreram afogadas porque nas cercanias operava ilegalmente uma draga de garimpo. O corpo de uma delas, levado pela correnteza, só foi encontrado dois dias depois.
Cinco meses antes, outras duas crianças morreram da mesma forma após um ataque de garimpeiros em sua comunidade. Em julho, a vítima do garimpo ilegal foi um jovem indígena de 25 anos, que morreu atropelado por um avião que transportava garimpeiros.
O garimpo foi ainda o responsável pela disseminação de epidemias que, há três décadas, vitimaram cerca de 1.500 Yanomami e por um massacre que motivou a única condenação por crime de genocídio consumada no Brasil até hoje.
E não é apenas sobre a floresta que incide a devastação. Pesquisas recentes detectaram níveis alarmantes de mercúrio no sangue dos Munduruku e dos Yanomami. Entre os Munduruku do Médio Tapajós (município de Itaituba), nove em cada dez indígenas apresentaram níveis do metal acima do limite de segurança estabelecido pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
Entre os Yanomami, a situação também é assustadora. Segundo pesquisa realizada pela Fiocruz, em 2014, nas aldeias mais impactadas pelo garimpo, 92% da população apresentou níveis elevados do metal no sangue. A alta contaminação pode gerar graves danos neurológicos, imunológicos, digestivos e outras sequelas.
A proliferação de malária também é traço característico de áreas com forte atividade garimpeira; nelas são cavadas piscinas de água parada que fornecem o ambiente ideal para a reprodução do mosquito transmissor da doença (Anopheles).
Ao longo de 2021, chegaram da TI Yanomami notícias chocantes de crianças com malária e desnutrição; algumas faleceram sem assistência de saúde adequada. Nos territórios Munduruku, a situação é igualmente preocupante: de 2018 para 2020, saltaram de 645 para 3.264 as notificações de infecção por malária.
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A Rede Wayuri de Comunicação Indígena, sediada em São Gabriel da Cachoeira (AM), completa cinco anos de trabalho em 2022. Para marcar essa trajetória, que conta com mais de 100 podcasts produzidos pelos comunicadores indígenas, a Rede realizou sua quarta oficina de formação em comunicação com objetivo de produzir um podcast narrativo sobre a pandemia de Covid-19 na Amazônia, além de refletir sobre novos formatos e linguagens para narrar histórias com uso de tecnologias.
Assista ao vídeo da oficina:
O interesse pela oficina na região foi muito grande, sobretudo entre a juventude indígena. Com isso, o evento, realizado entre os dias 10 e 21 de janeiro passados, no Telecentro Comunitário do Instituto Socioambiental (ISA), recebeu 75 participantes, sendo 55 comunicadores de 15 etnias do rio Negro (entre os quais 25 mulheres comunicadoras indígenas), lideranças tradicionais e do movimento indígena, mestres conhecedores, antropólogos, documentaristas e jornalistas.
“A comunicação é uma prioridade para nós indígenas do Rio Negro. Queremos expandir mais esse trabalho fundamental para garantir direitos e a permanência em nossos territórios, cada vez mais ameaçados, tanto pelos invasores ilegais, quanto pelos interesses econômicos e predatórios do próprio governo e das empresas”, disse o presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), Marivelton Barroso, do povo Baré, de 30 anos.
Podcast narrativo
Wayuri, que significa “trabalho coletivo” em nheengatu, uma das quatro línguas indígenas co-oficiais em São Gabriel da Cachoeira, se materializou na quarta oficina. Com a condução das comunicadoras especializadas em podcasts, Letícia Leite, do Papo de Parente, Paula Scarpin, da Rádio Novelo – principal referência em podcasts no Brasil – e Cláudia Ferraz Wanano, da Rede Wayuri, os comunicadores produziram a edição 103 do podcast Wayuri, em formato narrativo, durante oito dias de oficina.
“A gente tem um país em que os Brasis se desconhecem e eu acredito mesmo que as histórias em áudio podem ajudar a conectar esses Brasis”, ressaltou Letícia Leite, jornalista da produtora Vem de Áudio e que há mais de 10 anos atua em parceria com os povos indígenas no Brasil. Paula Scarpin que trouxe para a Rede Wayuri seu aprendizado de três anos à frente da Rádio Novelo e os sucessos dos podcasts “Praia dos Ossos” e “Retrato Narrado”, ressaltou a importância da troca de saberes. “Eu estou aprendendo muito com vocês. Vocês são mestres na oralidade, mestres em contar histórias. Então, vamos pensar juntos em como fazer esse podcast narrativo do áudio Wayuri. Está sendo muito especial para mim”, comentou em entrevista à comunicadora Dani Yepá, da Rede Wayuri.
O trabalho foi realizado pelos comunicadores em cinco grupos, formados de acordo com a divisão geográfica e cultural da bacia do Rio Negro feita pelos povos da região.
O podcast abordou os seguintes temas: fake news sobre a pandemia, sobretudo sobre a vacinação, a valorização dos conhecimentos da medicina indígena, o aumento da violência contra a mulher indígena na região, as ameaças aos territórios, como o garimpo ilegal, e as mudanças climáticas e suas relações com a pandemia de Covid-19.
Coordenada pela jornalista do ISA em São Gabriel, Juliana Radler, a oficina recebeu o apoio e parceria do Instituto de Democracia e Mídia da Alemanha (IDEM) e da Cooperação Alemã, representado pela jornalista Tainã Mansani, que mora em Berlim e colabora também com a agência de notícias Deutsche Welle (DW).
Tainã fez uma exposição sobre a produção de fake news e como as notícias falsas podem impactar a política, as democracias e a própria saúde e bem estar das sociedades e comunidades.
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