Manchetes Socioambientais
As notícias mais relevantes para você formar sua opinião sobre a pauta socioambiental
“O encontro entre índios e brancos só se pode fazer nos termos de uma necessária aliança entre parceiros igualmente diferentes, de modo a podermos, juntos, deslocar o desequilíbrio perpétuo do mundo um pouco mais para frente, adiando assim o seu fim.”
Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo, um dos fundadores do ISA
O tema "Povos Indígenas" está na origem da existência do Instituto Socioambiental. Lá se vão pelo menos quatro décadas de comprometimento e trabalho com o tema, produzindo informações para a sociedade brasileira conhecer melhor seus povos originários. Desde sua fundação, em 1994, o ISA dá continuidade ao trabalho do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), que havia sido iniciado em 1980 e que, por sua vez, remonta ao começo dos anos 1970, quando o então governo da ditadura militar lançava o Plano de Integração Nacional, com forte componente de obras de infraestrutura na Amazônia, região que era então descrita pelo discurso oficial como um "vazio demográfico".
Por meio dos relatos coletados, dados produzidos e pesquisas empreendidas por uma rede de colaboradores espalhada pelas diversas regiões do País, o Cedi ajudou a derrubar essa tese. Ao dar publicidade às informações levantadas por essa rede social do tempo do telex, o Cedi colocou, definitivamente, os povos indígenas e suas terras no mapa do Brasil. Seus integrantes ainda participaram ativamente no movimento de inclusão dos direitos indígenas na Constituição de 1988 e, juntamente com integrantes do Núcleo de Direitos Indígenas (NDI) e ativistas ambientais, fundaram o ISA em 1994.
De lá para cá, ampliando sua rede de colaboradores em todo o País, o ISA se consolidou como referência nacional e internacional na produção, análise e difusão de informações qualificadas sobre os povos indígenas no Brasil. O site "Povos Indígenas no Brasil", lançado em 1997, é a maior enciclopédia publicada sobre as etnias indígenas no Brasil, com suas línguas, modos de vida, expressões artísticas etc. O site é uma das principais referências sobre o tema para pesquisadores, jornalistas, estudantes e acadêmicos.
A atuação hoje é transversal aos territórios onde atuamos, especialmente na Bacia do Xingu, no Mato Grosso e Pará, e Bacia do Rio Negro, no Amazonas e Roraima, e também envolve povos indígenas de todo o Brasil, por meio da atualização permanente do site e de seus mais de 200 verbetes, inclusão de novos textos sobre etnias emergentes e indígenas recém-contatados, além do monitoramento e cobertura jornalística sobre situações de violência e perda de direitos contra estas populações. O tema "Povos Indígenas" ainda é tratado no site "PIB Mirim", voltado ao público infanto juvenil e de educadores.
O monitoramento de Terras Indígenas também é um eixo central do nosso trabalho com o tema, e remonta à sistematização de dados e divulgação de informações iniciada pelo Cedi em 1986, e se dá por meio da produção de livros impressos e mapas temáticos sobre pressões e ameaças, como desmatamento, mineração, garimpo, obras de infraestrutura, entre outras, além do site "Terras Indígenas no Brasil".
Confira os conteúdos produzidos sobre este tema:
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Em formato de enciclopédia, é considerado a principal referência sobre o tema no país e no mundo |
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A mais completa fonte de informações sobre o tema no país |
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Site especial voltado ao público infanto-juvenil e de educadores |
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Painel de indicadores de consolidação territorial para as Terras Indígenas |
Adorno confeccionado por artesã indígena foi entregue pelo bispo da cidade, Dom Edson Damian, que integra comitiva de 17 religiosos da Amazônia brasileira no Vaticano
Um cocar multiétnico foi levado até o Vaticano pelo bispo Dom Edson Damian, de São Gabriel da Cachoeira (AM), cidade conhecida por ter a maior concentração de população indígena do país. Ele fez parte da comitiva de 17 bispos da Amazônia brasileira que participaram da reunião com o Papa.
A artesã e empreendedora indígena Gilda da Silva Barreto, do povo Baré, moradora de São Gabriel da Cachoeira, recebeu a encomenda para fazer o adorno. “Foi uma honra e pensei num cocar inspirado na Amazônia, com as cores, a beleza, mas também com os problemas do clima. As pessoas só pensam em enriquecer, mas não pensam em preservar. Coloquei penas na cor vermelha na parte de baixo por esse motivo”, explicou. “Vivo na cultura indígena e sou católica. Carrego as duas coisas juntas”, disse.
Ao receber o cocar, o Papa brincou perguntando se era uma mitra, a peça tradicionalmente usada pelo religioso para cobrir a cabeça durante cerimônias.
Participaram do encontro representantes do Regional Norte 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dos estados do Amazonas e Roraima e do Noroeste (Acre, Sul do Amazonas e Rondônia). O arcebispo de Manaus, Dom Leonardo Steiner, nomeado em 29 de maio como o primeiro cardeal da Amazônia brasileira, também fez parte do grupo.
A reunião já estava programada, mas coincidiu com o caso do assassinato do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo, no Vale do Javari, no Amazonas. O crime levou a mobilizações em várias partes do mundo com pedidos de Justiça e ainda gerou uma série de denúncias sobre o descaso do atual Governo Federal com a Amazônia e seus povos.
Conforme informações do site oficial do Vaticano, o Papa insistiu aos bispos para que “escutem os povos indígenas, escutem as comunidades de base". Após o encontro com o líder da Igreja Católica, Dom Edson Damian falou sobre a gravidade da situação do país e dos ataques à Amazônia. “O Brasil voltou outra vez ao mapa da fome. Há grande número de desempregados e os povos indígenas estão sendo ameaçados em seus territórios, no seu direito de viver, na sua cultura e tradições. As mineradoras, o agronegócio, o garimpo ilegal – tudo isso está acabando com a nossa Amazônia”, lamentou.
Dom Edson ainda agradeceu ao Papa Francisco pelo Sínodo para a Amazônia, realizado em 2019, mas também pela escuta dos povos indígenas que foi realizada antes desse encontro. “Em São Gabriel da Cachoeira, os moradores das comunidades mais distantes receberam questionários e foram ouvidos”, disse. “Essa é a igreja que vive a pluralidade, a diversidade de povos, línguas, cultura, religiosidades espalhadas pelo mundo inteiro”, completou.
O Papa também recebeu de presente um quadro produzido em 1989 por um artista indígena conhecido como Cardoso, com o título “SOS Yanomami” e que já denunciava as ameaças constantes aos povos dessa etnia. Esse presente foi entregue pelo monsenhor Lúcio Nicoletto, administrador apostólico de Roraima. Em abril, a Hutukara Associação Yanomami divulgou relatório sobre a crise humanitária gerada pelo garimpo na Terra Indígena Yanomami.
Recentemente, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) denunciou graves problemas relativos à saúde e ao das crianças Yanomami que vivem no Estado do Amazonas, instaurando um Procedimento para Apuração de Dano Coletivo (Padac) com o intuito de investigar possíveis violações aos direitos fundamentais dos Yanomami nos municípios de São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos.
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Segundo os indígenas, as duas meninas, de 12 e 14 anos, foram atacadas no território ancestral Tujury Guapo’y Mirin
No último dia 29 de maio, indígenas Guarani Kaiowá denunciaram que duas crianças de 12 e 14 anos foram sequestradas por fazendeiros em retaliação à retomada do território ancestral de Tujury Guapo’y Mirin, em Amambai-MS. Segundo os indígenas, elas foram estupradas e ameaçadas de morte.
Dois dias depois, a menina de 14 anos foi encontrada distante do território, com sinais de tortura e abuso sexual, mas a de 12 anos ainda permanece desaparecida. Os indígenas informaram que até o momento a Fundação Nacional do Índio (Funai) e os órgãos públicos locais não tomaram providências.
De acordo com a Organização de mulheres Kaiowá e Guarani - Kuñangue Aty Guasua, as vítimas foram arrastadas no meio do milharal por fazendeiros. De longe, podia-se ouvir os pedidos de socorro no galpão onde ficam os seguranças privados da fazenda localizada nos arredores da retomada. Para a organização, tudo indica que os “seguranças” sequestraram as crianças como forma de intimidar a ação do povo indígena.
Conforme relatos das lideranças Guarani, após o resgate da primeira criança, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e a polícia não quiseram prestar atendimento e registrar um boletim de ocorrência.
“Estamos retomando os nossos territórios por uma questão de sobrevivência. As crianças estão sendo violentadas, estupradas e a Funai, militarizada, não fez nada até agora. Ninguém apareceu no território para prestar atendimento médico a essa criança que foi torturada. Estamos com medo de novos ataques”, alertou uma integrante da Organização de mulheres Kaiowá e Guarani - Kuñangue Aty Guasua, que pediu para não ser identificada por motivos de segurança.
A luta pelo território indígena em Amambai-MS, localizado a 355 km de Campo Grande, começou em meados de maio de 2022. Segundo informações dos indígenas, eles foram esbulhados de suas terras por fazendeiros e os indígenas estão reivindicando seu território. “Resolvemos retomar a nossa terra tradicional”, diz o documento, que faz um apelo aos órgãos responsáveis para garantir a proteção do povo que está se organizando autonomamente pelos seus direitos.
Ataques
O povo Guarani Kaiowá vêm sofrendo ataques de fazendeiros locais de forma constante. Desde 21 de maio, outros dois indígenas foram assassinados. Alex Guarani Kaiowá, jovem de apenas 18 anos, foi morto brutalmente a tiros quando sua família tentava voltar para o Jopará, do Tehoka Takuapury, localizado no município Coronel Sapucaia e outro jovem indígena foi morto atropelado por uma camionete, nas margens da mesma região reivindicada pelos indígenas.
Por isso, o povo teme novos ataques e cobra a presença da Funai, do Ministério Público de Ponta Porã (MS) e dos demais órgãos públicos responsáveis.
“É fazendeiro que fuzila e assassina o nosso parente, é caminhoneiro que passa a carreta em cima da família Kaiowá e Guarani, tirando a vida de criança e mais duas pessoas de nossos povo, é o ódio, o racismo que percorrem os espaços urbanos e rodovias contra nós”, diz o povo Guarani em nota nas redes sociais.
O STF determinou a paralisação das reintegrações de posse contra indígenas até o julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.367 ou até o final da pandemia. A continuidade do julgamento do recurso estava prevista para o próximo dia 23, mas foi retirada da pauta pelo Presidente do STF.
De acordo com o Relatório “Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil”, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a violência contra os povos indígenas aumentou no governo Bolsonaro. As violências praticadas contra os povos indígenas e seus territórios são condizentes com o discurso e as práticas do presidente, que tem como projeto a abertura das Terras Indígenas à exploração predatória e desde a campanha prometia paralisar as demarcações de terras.
Diversas medidas foram editadas com a finalidade de disponibilizar essas áreas para a apropriação privada e favorecer os interesses de grandes empresas do agronegócio, da mineração e de outros grandes grupos econômicos, como a Instrução Normativa nº 9/2020 da Funai e o PL 191/2020.
Nos três anos de governo Bolsonaro, houve um considerável aumento dos assassinatos de indígenas no Brasil. Em 2020, segundo relatório do Cimi, 182 indígenas foram assassinados – um número 61% maior do que o registrado em 2019, quando foram contabilizados 113 assassinatos.
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Davi Kopenawa, xamã e grande liderança Yanomami, conduziu comemoração dos 30 anos da homologação da Terra Indígena Yanomami, que contou com 500 participantes, entre lideranças de outras regiões do território e aliados históricos
É noite de cinema na aldeia Xihopi, Terra Indígena Yanomami – uma imensidão de vida e floresta na maior Terra Indígena do país, distribuída entre os estados de Roraima e Amazonas. Na tela, iluminando as dezenas de olhos atentos na escuridão, um jovem Davi Kopenawa celebra a assinatura da homologação do território, ocorrida em 25 de maio de 1992.
Depois de anos de luta dentro e fora do Brasil, o xamã e liderança histórica dos Yanomami apontava que a conquista do direito constitucional dos indígenas – assediados na época pela invasão de mais de 40 mil garimpeiros –, não acabava ali. Era o início de um novo ciclo da luta permanente pelo direito à existência.
“O Yanomami é gente. Yanomami tem família. Yanomami tem criança. Yanomami sente fome, chora, fica triste”, buscava sensibilizar o Davi de 30 anos atrás, desde então situando a defesa da humanidade como caminho e finalidade de suas ações. Três décadas depois, ele foi o anfitrião de um encontro de mundos na Urihi A, a terra-floresta yanomami, a mata que Omama, o criador, deu para os Yanomami viverem, de acordo com a cosmovisão deste povo.
Abraçados pela floresta amazônica, 500 participantes, sendo cerca de 80 convidados de outros povos e nacionalidades, testemunharam o 3º Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana e também a consagração da luta de Davi nos 30 anos da Terra Yanomami.
Em uma cena carregada de força, ao final de um ritual de abertura da jornada, Davi foi alçado no ar por xamãs yanomami. No centro da maloca do Xihopi, Davi parecia segurar o céu.
Desembarcaram no Xihopi também diversos amigos e aliados históricos da luta dos Yanomami. "Os Yanomami são a terra. Vou levar comigo o cheiro daqui, a poesia que está expressa em tudo", reflete Ailton Krenak, ativista, pesquisador e escritor indígena.
Assim como há três décadas, a terra, a alma e a própria existência Yanomami estão gravemente ameaçadas. Os 30 anos da Terra Indígena Yanomami foram comemorados em meio a uma nova onda de invasão garimpeira, que avançou 46% em 2021, segundo o relatório Yanomami sob ataque, da Hutukara Associação Yanomami.
Dario Kopenawa, filho de Davi e vice-presidente da Hutukara, é atualmente um dos principais porta-vozes dos Yanomami na defesa dos direitos dos indígenas. “É muito importante denunciarmos o que está acontecendo”, afirma.
Jan Jarab, representante do Escritório da ONU de Direitos Humanos para a América do Sul, esteve no Xihopi durante toda a jornada e pôde escutar dos próprios indígenas denúncias de violências cometidas contra comunidades assediadas pelo garimpo.
"Depois de 30 anos da demarcação de suas terras, os Yanomamis estão enfrentando um novo desafio existencial. São inúmeros os testemunhos", observa Jarab. "O Estado tem que cumprir com suas obrigações – protegendo a legalidade, os Yanomami e outros povos indígenas, expulsando o garimpo das Terras Indígenas, como ocorrido em 1992", ressalta.
O sertanista Sydney Possuelo, também presente no evento, diz que se sente frustrado 30 anos após a homologação da Terra Indígena Yanomami. “É triste o momento, porque 30 anos depois, estamos vivendo uma situação tão ruim quanto”.
Na época, ele era o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) e liderou a desintrusão do território, antes mesmo da demarcação. Provou na prática que é possível expulsar o garimpo ilegal e a megaestrutura milionária que está por trás dele. “É preciso, sobretudo, vontade política”, destaca.
No entanto, mesmo com as ameaças do garimpo, Davi responde com confiança e lança a flecha que determinaria o tom do evento. “Meu sentimento é mais forte, contente e feliz. Estou vendo o futuro, vejo a geração que vai cuidar dos próximos 30 anos”, diz o xamã.
O futuro é indígena
A juventude foi lembrada nos discursos e falas de boa parte dos presentes ao Xihopi. E também se expressou na grande participação dos jovens nas atividades ao longo do evento. Um grupo de jovens comunicadores indígenas Yanomami fez uma cobertura própria, usando telefones celulares para produzir um material audiovisual sobre o encontro.
No último dia, Davi, Dario e diversas lideranças foram ao centro da maloca e formaram com letras pintadas em preto a frase “o futuro é indígena”, eternizando em imagens a esperança de renovação da luta. Correndo ao redor, dezenas de crianças da aldeia atendiam ao chamado do xamã.
“A terra é o direito primordial dos povos indígenas. As novas gerações precisam manter seus valores e seguir defendendo a terra”, lembra a deputada federal pela Rede-RR, Joenia Wapichana – primeira mulher indígena a ser eleita para o Parlamento –, presente na aldeia.
Ela chegou acompanhada da senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ambas integrantes de comissão de parlamentares que apura violações de direitos humanos na Terra Indígena Yanomami. “Garimpo é crime e assim deve ser tratado. É necessário que o Estado aja conforme a lei”, destaca Joenia.
O alvo primordial dos aliciadores do garimpo são os jovens, segundo Maurício Ye’kwana, diretor da Hutukara e originário da região de Auaris. Lá, os casos de malária explodiram 247% de 2019 para 2020, de acordo com o relatório Yanomami sob ataque. Além disso, a desnutrição infantil atinge 63% das crianças menores de cinco anos na região, localizada na fronteira com a Venezuela.
Maurício conta que é um desafio para a sua geração convencer a juventude a não entrar para o garimpo, pois a promessa de dinheiro fácil é sedutora em um contexto de forte degradação social e abandono do Estado.
“Mas explico que a luta traz muito mais do que dinheiro. Traz a proteção da terra, que é o bem mais importante que temos. Sem a terra, não somos nada.”
Maurício é um dos porta-vozes da Aliança em Defesa dos Territórios, coletivo de lideranças indígenas Yanomami, Ye’kwana, Kayapó e Munduruku, formado em dezembro de 2021. As três Terras Indígenas onde vivem esses povos são as mais devastadas pelo garimpo ilegal no país.
Mulheres indígenas
“Precisamos mostrar aos jovens que nós sabemos produzir de um modo que não destrói a natureza”, diz Alessandra Munduruku durante debate entre membros da aliança.
A liderança, que sofre constantes ameaças por sua luta contra o garimpo no Rio Tapajós, no estado do Pará, reforça a importância de os povos indígenas se unirem frente a uma conjuntura política hostil. “Nossos inimigos estão fortes e articulados, mas nós temos a maior riqueza de todas, que é a nossa união.”
Alessandra e outras lideranças femininas promoveram uma reunião com as mulheres Yanomami para trocar experiências e fortalecer os laços. O encontro de mulheres indígenas de diferentes povos e estados rendeu frutos imediatos, como articulações para futuros intercâmbios.
“Estou há sete anos na luta e não estou nela à toa. Estou para fortalecer a voz das mulheres”, sublinhou Erica Vilela, Yanomami da região de Maturacá (AM) e presidente da Associação de Mulheres Yanomami Kumirãyõma (AMYK). “Quando encontrei mulheres de outros povos aqui, me emocionei muito. Nós vamos fortalecer nossa luta cada vez mais. Estou aqui para lutar junto com outras parentes guerreiras.”
O dia 25 de maio de 2022 terminou coroado com um arco-íris cruzando o céu do Xihopi. Naquela noite, os alertas e propostas dos dias de encontro deram origem a uma carta com reivindicações de lideranças Yanomami, Ye'kwana e de outros povos para interromper a destruição da Terra Yanomami e do planeta.
Se no passado Davi levava praticamente sozinho o grito do povo Yanomami, 30 anos depois a resistência se multiplicou por muitos corpos, gerações e, em muitas vozes, que garantem: o futuro é Yanomami, o futuro é indígena, o futuro é sem garimpo!
As comemorações dos 30 anos da Terra Yanomami e o 3° Fórum de Lideranças Yanomami e Yek’wana aconteceram no final de maio na aldeia Xihopi, Estado do Amazonas e contaram com o apoio da Fundação Rainforest da Noruega, Embaixada da Noruega e Global Wildlife Conservation.
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Dono de bravura e delicadeza, Teseia Panará foi fundamental na vitória judicial histórica do povo Panará sobre o Estado Brasileiro. Ele morreu no dia 13 de maio de 2022, na cidade de Colíder (MT)
“Teseia Panará, era o índio mais alto que eu conhecia. Por causa dele, achavam que os Panará eram gigantes. Ao mesmo tempo que ele era forte e corajoso, era a pessoa mais carinhosa que você poderia conhecer. Ficava tirando carrapicho do seu pé, cuidando de você”, disse André Villas-Bôas, secretário-executivo da Rede Xingu+, na manhã do dia 13 de maio durante o 5º Encontro Xingu+, na aldeia Khikatxi do povo Kisedje. O encontro aconteceu entre os dias 9 e 14 de maio de 2022.
Visite o hotsite "Panará, a volta por cima dos índios gigantes"
Todos sabiam das complicações de saúde que Teseia enfrentava nos últimos tempos. O amigo foi homenageado pelo cacique Kayapó, Megaron Txucarramãe, que estava presente no primeiro contato com o povo Panará e contou a história daqueles momentos. “Nós fomos ameaçados pelos parentes dele e ele falou, conversou, até normalizar aqueles que queriam atacar nós. É assim o trabalho dele, é por causa dele que estou aqui”, contou emocionado.
Nascido por volta de 1945 na aldeia Jowpyjapo, Teseia Panará, filho de Tepã Panará e Pete Panará, faleceu no dia 13 de maio de 2022, na cidade de Colíder (MT). As razões do óbito foram síndrome respiratória aguda grave, pneumonia bacteriana não especificada, doença pulmonar obstrutiva crônica, escarcebação aguda e hipertensão arterial primária sistêmica.
Casado com Kianrasã e pai das lideranças Panará, Perankõ e Parinkô, Teseia foi um grande guerreiro, grandeza que talvez só se iguale com sua doçura e humildade. Segundo o antropólogo João Paulo Denório, pesquisador que recentemente morou com o povo Panará para realização de sua pesquisa de doutorado no Museu Nacional (UFRJ), Teseia era “generoso, tinha uma fala bonita, não falava mal dos outros, era muito trabalhador, gentil, simpático e cativante. Era um topytun, que ao longo da vida construiu algo, uma liderança que convivia com o cacique, tinha fala de autoridade, e sempre se comportou da melhor forma", afirma João. “Teseia tinha essa fala de poder, era o modelo de pessoa bonita, sendo para os Panará o oposto de feiticeiro."
“Partiu um homem de coração gigante, um guerreiro do qual eu só conheci o lado doce, que misturava o sotaque divertido Panará com a sabedoria da idade e de tudo que viveu”, escreveu Manuela Otero, assessora do Instituto Socioambiental (ISA).
Comunicador da Rede Xingu+ e membro da Associação Iakiô, Kunity Metuktire Panará lembrou da história do tio. “Quando ele era jovem, fizeram contato com irmãos Villas-Bôas no Rio Peixoto, onde tem o município de Peixoto de Azevedo. Depois do contato, o povo Panará foi transferido para o Parque Indígena do Xingu [hoje Território Indígena do Xingu], onde meu tio lutou juntamente com cacique Raoni, e participou de vários movimentos e reuniões. Lutou pela Constituição de 1988 junto com cacique Raoni e outras lideranças para defender os direitos dos povos indígenas do Brasil. Também participou de grande movimento em Altamira, junto com outras lideranças para que não construíssem a barragem Kararaô. Ele também lutou muito para que os Panará conseguissem votar no seu território”, narrou.
“Ele nos deixou, mas nós continuamos lembrando dele, da luta dele. Nesse momento nós, Panará, estamos de luto e alguns de nós vamos estar levando um mês para passar o luto. Mas família de verdade, como netos, netas, filhos e filhas vão levar mais tempo”, contou Kunity Metuktire Panará ao se emocionar.
Vitória dos Panará na Justiça
Teseia foi figura central no reconhecimento dos 176 Panará mortos pelo Estado brasileiro durante a abertura da BR-163 (Cuiabá-Santarém). Teseia, juntamente com as anciãs Sarkyarasã, Kyutakriti e Suakiê, identificou as pessoas que morreram de 1973 a 1976 com sua idade aproximada e o clã a que pertencia. Assim, não só não indígenas passaram a ter nome, história e homenagens, mas também os Panará foram humanizados com sua memória.
Este processo foi essencial para que o Estado fosse condenado a indenizar os Panará no início deste século em 4.000 salários mínimos, sendo o primeiro povo indígena a lograr êxito neste tipo de ação no Judiciário responsabilizando o Estado brasileiro e sua desastrosa política para os indígenas. Os Panará assim assumiram um “novo status interétnico” segundo a antropóloga da Universidade de Brasília (UnB), Alcida Rita Ramos.
Isto está bem retratado no livro Panará: A volta dos índios gigantes com ensaio fotográfico e relato de Pedro Martinelli de Ricardo Arnt, Lúcio Flávio Pinto & Raimundo Pinto. Mas a parte mais tocante do livro é o capítulo 6 em que Teseia conta como foi para ele a chegada dos brancos: "Agora acabaram com a nossa terra. Sonsênasan, onde eu cresci, acabou. A terra do meu sobrinho acabou. Acabou minha terra, e não foi eu que pedi eles entrarem lá. Eu entendo da terra. Por isso já peguei de volta o que sobrou". (Teseia, pg. 106)
“Embora ele já não fosse presença constante na última década por não ter mais força de ficar na luta política, ele certamente marcou presença na história do indigenismo da região, na luta dos povos indígenas, dos Panará e das trocas com outros povos, incluindo os brancos”, disse Fabiano Bachelany, antropólogo pela UnB que estudou a caça com os Panará em seu doutorado.
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Com participação de pesquisadores tradicionais, Programa Parinã realiza escavação arqueológica na cidade mais indígena do Brasil e encontra cerâmicas e terra preta que indicam ocupação de até 2.000 anos
Escavação arqueológica em espaço público e visitas realizadas por pesquisadores indígenas e não indígenas a paisagens que fazem parte, ao mesmo tempo, das narrativas de origem dos povos do Rio Negro, da história colonial e de seu presente. Essas atividades foram desenvolvidas em São Gabriel da Cachoeira (AM), na região do Alto Rio Negro, durante a primeira oficina presencial do Programa Arqueológico Intercultural do Noroeste Amazônico (Parinã), realizada na sede do Instituto Socioambiental (ISA) entre os dias 10 e 20 de maio.
Nas escavações, foram encontradas cerâmicas e artefatos que indicam ocupações indígenas de até 2.000 anos, sendo que pesquisas realizadas em 2019 mostram que o povoamento pode ser mais antigo, de até 2.700 anos.
“Essa área tem a história da nossa existência. Podemos ver no concreto as histórias que contamos na oralidade”, disse o conhecedor indígena Arlindo Maia, do povo Tukano, sobre a paisagem de São Gabriel. Ele foi um dos participantes da oficina do Parinã, que contou com a presença de pesquisadores não indígenas e indígenas de diversas etnias, como Baré, Baniwa, Piratapuya, Desana e Tukano.
“É um encontro de grande importância, que traz trocas de vários grupos étnicos, com esclarecimentos entre nós. É muita coisa a ser repassada para o futuro. Aumenta a esperança de preservarmos a identidade e a cultura dos povos”, completou Maia.
Mesmo com as diferentes linguagens e abordagens, é possível encontrar um ponto de convergência apontado pelos integrantes do Parinã: São Gabriel da Cachoeira – conhecido como o município mais indígena do Brasil – é um lugar que conecta narrativas dos povos indígenas à história colonial de séculos passados e vivências contemporâneas. Além disso, os povos indígenas que vivem hoje no Alto Rio Negro podem ser os descendentes das pessoas que deixaram os vestígios arqueológicos.
Essas características estão presentes na área urbana e em comunidades indígenas, sendo um motivo de atenção especial para políticas públicas que reconheçam, protejam e preservem o território e as narrativas em suas diferentes formas. Um dos pontos do programa é propor, junto com os indígenas, uma reconstrução intercultural do sentido do patrimônio cultural para além do que está definido na legislação.
O historiador, antropólogo e pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Márcio Meira, integra a equipe do Parinã e reforça a importância da abordagem interdisciplinar. “Não viemos ensinar para os indígenas a história. Pelo contrário, estamos aqui mais para aprender do que para ensinar. Conhecedores indígenas têm um conhecimento que precisa ser valorizado. Por isso, o Parinã tem a proposta de pesquisa intercultural, misturando saberes e perspectivas indígenas e não indígenas”, explicou.
Uma exposição arqueológica e patrimonial está prevista para acontecer em São Gabriel da Cachoeira, no próximo mês de setembro, no encerramento da primeira etapa do Programa Parinã.
A organização ficará a cargo do Museu da Amazônia (Musa), com curadoria colaborativa envolvendo os participantes e parceiros do programa.
Poderão ser vistos na exposição objetos, narrativas e documentos reunidos no âmbito do projeto. O cineasta e comunicador da Rede Wayuri, Moisés Baniwa, filmou narrativas de conhecedores indígenas para que essas histórias também façam parte da mostra.
O programa Parinã foi iniciado em 2018 e envolve diversos parceiros, como o ISA, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), o Museu da Amazônia (Musa), o Instituto de Arqueologia da University College London (UCL) e a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), com participação do professor, pesquisador e antropólogo Geraldo Andrello. A Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) também apoia a iniciativa.
Descobertas arqueológicas
As escavações arqueológicas realizadas dentro do Programa Parinã aconteceram em uma área de 16m2 na praça em frente à Diocese e à catedral de São Gabriel. Durante os trabalhos, foram encontrados fragmentos de cerâmica de objetos como pratos e fogareiros, além de machados e instrumentos líticos que indicam povoações de até 2.000 anos.
Também foi encontrada a chamada "terra preta de índio", tipo de solo enriquecido pela atividade humana e presente em outros pontos da Amazônia. “É um legado dos povos antigos para a composição da floresta”, diz a arqueóloga e professora Helena Pinto Lima, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, que participa das escavações em São Gabriel.
Ela explica que o local da escavação reúne características estratégicas para a localização de um povoamento indígena, como estar numa área de elevação natural, com vista ampla para o Rio Negro.
Também participaram das escavações o coordenador do Parinã, o arqueólogo Manuel Arroyo-Kalin, do Instituto de Arqueologia da University College London (UCL); o diretor-adjunto científico do Musa, o arqueólogo Filippo Stampanoni Bassi; a coordenadora do núcleo de Arqueologia e Etnografia do Musa, Meliam Gaspar, e o coordenador do Laboratório de Arqueologia do Musa, Iberê Martins.
Os trabalhos de escavação no sítio arqueológico foram acompanhados por estudantes do curso de arqueologia da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) – Campus São Gabriel.
Um dos alunos é Junildo Rezende Costa, da etnia Tukano, que observou semelhanças entre objetos retirados da escavação arqueológica e narrativas que ele escuta em casa, contadas pelos seus pais e avós.
“A terra preta está em algumas roças. Machadinhas e cerâmicas são semelhantes às que meus avós contam que eram usadas por aqui”, lembrou o estudante.
Filippo informa que na área de São Gabriel há um extenso sítio arqueológico, com partes ocupadas por construções de órgãos públicos e outros.
Ele participou das escavações em frente à Diocese de São Gabriel e, em 2019, fez escavações em área do escritório local do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), onde foram encontradas terra preta e artefatos de até 2.700 anos.
“São pesquisas iniciais, em sítio arqueológico ainda pouco conhecido. Pode ser que as ocupações sejam mais antigas”.
Manuel explica que estudos indicam que em São Gabriel já houve um povoamento indígena, sendo que a cidade carrega a importante característica de, possivelmente, ter entre seus moradores os descendentes dos povos que viveram aqui em um passado remoto.
“Temos uma justificada esperança de que os povos indígenas atuais são descendentes das pessoas que foram responsáveis por criar os vestígios arqueológicos, os sítios antigos. É uma hipótese razoável”, sustentou o arqueólogo.
No município há cerca de 750 comunidades e sítios onde vivem indígenas de 23 etnias. Em São Gabriel da Cachoeira, há quatro línguas indígenas cooficiais além do português: Nheengatu, Tukano, Baniwa e Yanomami.
Manuel Arroyo considera que a Bacia do Rio Negro, onde está São Gabriel, é uma encruzilhada histórica etnográfica e arqueológica muito interessante. “Isso nos deixa várias perguntas sobre o que foi o passado dessa região, desde quando houve ocupação humana aqui, se foi uma ocupação humana densa, se alteraram a paisagem, se os povos que moravam aqui tinham relação com povos de outras regiões da Amazônia.”
As descobertas feitas até agora na região conversam com outras pesquisas que indicam que, na Bacia do Rio Negro, houve povoamentos antigos – de até 9.000 anos atrás – com intensas trocas entre os povos. Alguns desses estudos foram conduzidos pelo arqueólogo Eduardo Neves, que já realizou pesquisas na região de Iauareté.
Plataforma digital
Outra proposta do Parinã é o desenvolvimento e atualização de um banco de dados digital georreferenciado reunindo material de pesquisa já produzido na região do Rio Negro pelo ISA e colaboradores há pelo menos 20 anos. Esse trabalho está em andamento e é conduzido pela ecóloga e analista de geoprocessamento Renata Alves, do ISA, e pela antropóloga Aline Scolfaro, consultora do programa.
“Estamos trabalhando numa plataforma digital que mostre as várias camadas das teorias históricas indígenas, do período pré-colonial e pós-colonial, livros, fotos, localização, toponímia, mapas e narrativas. Algumas das histórias indígenas não acontecem nesse plano, sendo que a marca não está na paisagem, mas faz parte da história deles e precisam estar registradas tanto quanto os outros conhecimentos”, afirmou Renata Alves.
Exemplo do que poderá ser encontrado nessa plataforma é referente à Cachoeira de Ipanoré, localizada no Rio Uaupés, onde os primeiros ancestrais emergiram para este mundo, depois de longa viagem subaquática a bordo da cobra-canoa. Fotos, vídeos, narrativas e outras informações sobre a cachoeira estarão disponíveis na plataforma.
Uma das narrativas míticas conta que uma cobra-canoa saiu do Baía de Guanabara, subiu pelo litoral brasileiro, chegou ao Rio Amazonas e adentrou até o Negro e outros rios importantes da região, como o Uaupés. Esse caminho é marcado por lugares que são recordados na narrativa. Parte dessa história é contada no filme “Pelas Águas do Rio de Leite”, dirigido pela antropóloga Aline Scolfaro.
Outra proposta discutida durante a oficina Parinã foi a criação de um museu virtual com o acervo do Museu Goeldi de peças recolhidas no Noroeste Amazônico durante a viagem de Theodor Koch-Grünberg nos primeiros anos do século XX. Imagens com algumas dessas peças foram mostradas aos pesquisadores indígenas durante a oficina da antropóloga e pesquisadora do Goeldi, Lúcia van Velthem, conduzida com André Baniwa.
Durante a oficina, grupos de pesquisadores indígenas e não indígenas visitaram alguns pontos da paisagem de São Gabriel da Cachoeira.
Uma dessas caminhadas foi proposta por Márcio Meira, que conduziu o grupo até a Pedra da Fortaleza – hoje um ponto turístico da cidade, com vista para o pôr do sol e para a serra do Cabari e onde já esteve localizado um forte instalado por colonizadores portugueses.
O cenário da história colonial está registrado em aquarela de 1785 que foi reproduzida em um banner para ser levado até o local pelo grupo.
No caminho até a Pedra da Fortaleza, os indígenas encontraram pontos importantes de suas narrativas históricas. Um deles, uma rocha na rua da beira rio que, segundo a história indígena, é parte de uma cobra que foi morta ali durante uma batalha.
Meira explica que o diálogo entre os diversos saberes é primordial para o entendimento da região. “Essa possibilidade de diálogo entre história, arqueologia e conhecimentos tradicionais é a forma que temos para a gente entender melhor essa realidade social da região. Não há como entender se não houver esse diálogo entre os saberes”, salientou.
Segundo ele, a história colonial na região foi marcada por violência contra os indígenas, muitas vezes utilizados como mão de obra escrava para o extrativismo de produtos da floresta. “Foi um processo violento e duradouro, mas não foi suficientemente forte para apagar o modo de vida dos povos que vivem no Rio Negro”, refletiu.
De pai para filho
Também estão integrados à equipe do Parinã pesquisadores indígenas bolsistas que atuam de formas diversas, como em atividades em laboratório de arqueologia e tradução.
O objetivo é que as pesquisas sejam realizadas também em comunidades indígenas, atividade que foi limitada devido à pandemia.
Um dos bolsistas é o estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Juka Sarmento Fernandes, nome desana Diakuru, que vem resgatando as narrativas tradicionais contadas por seu pai, o conhecedor tradicional Durvalino Moura Fernandes, nome desana Kisibi.
Eles são Desana do clã Wari Dihpotiro Porã. As narrativas podem variar de acordo com o povo e até com o clã.
Durante a oficina em São Gabriel, Durvalino Moura ponderou que alguns objetos e documentos vão aparecer durante os trabalhos dos pesquisadores, mas outros não são visíveis, pois existem apenas em narrativas sagradas que atingem outras esferas.
“Essa é uma reunião para resgatarmos alguns conhecimentos. Mas há saberes que não revelamos, que só são passados entre familiares”, explicou o conhecedor.
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Reunidos na Aldeia Khikatxi, do Povo Khisetje, lideranças de 25 Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais reafirmaram a luta contra os ataques do governo e de invasores; leia a carta-manifesto
Lideranças de 25 Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais da Rede Xingu+ se reuniram na última semana para defender seus direitos e territórios. O encontro aconteceu na Aldeia Khikatxi, do Povo Khisetje, do Território Indígena do Xingu.
Foi um momento de escutar as lideranças desses povos, realinhar as prioridades e reforçar a união pela defesa da floresta em toda a Bacia do Xingu.
Oito organizações se juntaram à luta da Rede Xingu+, que se expande em um momento crucial de ataques aos direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais. Também, foi um espaço de troca entre os mais velhos e a juventude, onde lideranças mais antigas apresentaram ao coletivo as mais novas e mostraram que a luta seguirá viva e ativa.
Ao final do encontro, foi escrita conjuntamente uma carta-manifesto sobre os principais pontos abordados no encontro e sobre as principais definições da rede.
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Os desafios da região são tão grandes quanto sua extensão geográfica
Publicado originalmente em https://midianinja.org/marciosantilli/para-onde-vai-a-cabeca-do-cachorro/
São Gabriel da Cachoeira é o município do Amazonas em que se situa a fronteira trinacional entre o Brasil, a Colômbia e a Venezuela. Com 109 mil km2, é o terceiro mais extenso do país. A região é também conhecida como “Cabeça do Cachorro”, por causa do desenho que conforma o mapa no extremo noroeste do Brasil. É, também, o município mais indígena do país, tanto no seu núcleo urbano quanto na zona rural, onde há 750 comunidades de 23 povos indígenas diferentes. Além do Português, são as línguas oficiais da cidade o Tukano, o Baniwa e o Nheengatu (língua franca no Brasil colonial difundida pelos jesuítas, e hoje só falada lá).
Não há estrada ligando Manaus a São Gabriel. Pode-se ir de carro até Novo Airão. Barcelos, Santa Isabel e São Gabriel, no Alto Rio Negro, só são acessíveis por via aérea ou fluvial. Isto faz da Cabeça do Cachorro uma das regiões mais preservadas da Amazônia e das mais úmidas do mundo. É um pouco mais a oeste deste fundão da floresta que os ventos alísios, que movem os chamados ‘rios voadores’, encontram a barreira natural da Cordilheira dos Andes e fazem uma inflexão rumo ao sul, levando as chuvas amazônicas para o centro-sul do Brasil, o norte da Argentina, o Paraguai e o Uruguai.
Esta é, também, uma região estratégica, em razão das fronteiras, onde há forte presença militar. Uma brigada do Exército foi transferida para lá há 18 anos atrás, tendo um general no seu comando. Há, também, um radar do Sistema de Vigilância da Amazônia (Sivam), operado pela Aeronáutica, além de uma unidade da Marinha. O Negro é um rio internacional, que nasce com o nome de Guainia, na Colômbia, e se conecta ao Rio Orinoco (que desagua no Mar do Caribe) pelo Canal do Cassiquiare, antes de adentrar em território brasileiro. Já houve, ou ainda há, presença de guerrilhas e do narcotráfico operando na região.
Desafios econômicos
A vida não é fácil na Cabeça do Cachorro. A concentração de aldeias é maior do que em outras regiões indígenas, enquanto a disponibilidade de peixes é relativamente menor em rios de águas pretas. Onde há melhores solos para agricultura, o peixe é mais escasso; e onde tem mais peixe, não se encontram terrenos propícios para as roças. As roças são diversas e abundantes. Mais de cem variedades de manivas são cultivadas. Porém, o aumento da população e da sua sedentarização, principalmente nas comunidades maiores e nas cidades ribeirinhas, obriga o plantio de roças a maiores distâncias. Quando secas ou enchentes afetam a produção, ocorrem situações de insegurança alimentar e de maior dependência de alimentos de fora.
Os excedentes são comercializados na região e poucos produtos chegam a Manaus e a outros lugares, como as cestarias de arumã, bancos rituais de madeira e outros artesanatos. Farinhas e pimentas, devidamente embaladas, também podem alcançar outros mercados. O turismo de base comunitária afirma-se e é promissor, a exemplo do ecoturismo Yanomami ao Pico da Neblina, chamado de Yaripo pelos Yanomami. Reportagem da jornalista Sônia Bridi no Fantástico, da Rede Globo, há alguns dias, mostrou a expedição ao ponto mais alto do Brasil, assim como a diversidade cultural e de paisagens do Alto Rio Negro.
Grandes distâncias dos mercados consumidores, limitações e os altos custos do transporte constituem barreiras logísticas desafiadoras para melhorar as condições econômicas locais. Mas o que mais agrava essa situação - e pode ser resolvida - é a dependência em relação ao óleo diesel, que chega a São Gabriel a preços extorsivos. O diesel, hoje essencial para o transporte, a iluminação e o funcionamento de equipamentos, consome grande parte da renda indígena e limita demais a economia local. A geração de energia limpa é fundamental para superar o problema, além de contribuir para a redução de emissões de gases do efeito estufa.
Políticas Sociais
Aposentadorias rurais e programas de renda mínima contribuem de forma significativa para a economia regional. No entanto, o pagamento dos benefícios sociais, concentrado na sede de São Gabriel, tem causado migrações para a zona urbana e a periferia da cidade. Esse impacto tem potencial desagregador, sobretudo para as comunidades mais distantes, e também agrava o déficit de habitações e a dependência de insumos externos para o consumo da população local.
Descentralizar esse pagamento é um objetivo importante para estabilizar as condições de vida nas aldeias. Mas requer um conjunto articulado de medidas, como a definição de núcleos de serviços nas calhas dos rios mais populosos, o que depende da disponibilidade de internet menos precária, terminais e cartões digitais, algum dinheiro em espécie e cantinas para a compra de produtos de consumo básico, reduzindo deslocamentos e facilitando a vida.
Para isso, será preciso mobilizar as instituições públicas, como a agência local da Caixa Econômica Federal, a Fundação Nacional do Índio (Funai), a prefeitura e o Exército, que poderia prover as condições de segurança para a instalação de núcleos de serviços, próximos aos locais que estão instalados batalhões de fronteira. Essa mobilização depende da decisão e da vontade política do governo federal, hoje inexistentes.
Serviços socioambientais
A região da Cabeça do Cachorro certamente seria elegível para receber compensações pela prestação de serviços ambientais. A floresta preserva um formidável estoque de carbono e viabiliza um especial regime de chuvas. O complexo multicultural também impressiona, com a prevalência de casamentos interétnicos e a profusão de pessoas poliglotas. Os conhecimentos tradicionais estão diretamente associados ao manejo de condições ecológicas específicas. A permanência das comunidades nas suas regiões e a gestão ambiental dos territórios cumprem funções essenciais para o país e para toda a humanidade.
Com a regulamentação do mercado compensatório de carbono florestal na última conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada no ano passado em Glasgow, Escócia, a possibilidade de se construir um programa de escala para terras indígenas deixou de ser uma hipótese vaga, como antes, para se tornar mais efetiva. Porém, considerando o status jurídico das terras indígenas no Brasil, que são de propriedade da União e destinadas à posse permanente e usufruto dos povos ocupantes, é importante que esse caminho seja construído por uma parceria entre o governo e as populações indígenas, o que não é viável agora, mas poderá ocorrer a partir do próximo ano, sob um novo governo.
Nesse caso, o alto Rio Negro teria grandes chances de dispor de uma fonte de recursos perene e significativa para promover o desenvolvimento sustentável em bases mais promissoras do que em outras regiões da Amazônia, mais impactadas pelo desmatamento e pela ocupação predatória. Cada vez mais, os projetos de futuro dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais estarão associados ao enfrentamento, pela humanidade, das consequências das mudanças climáticas globais. A Cabeça do Cachorro poderá ocupar a linha de frente neste processo.
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Em nota, a Hutukara Associação Yanomami apresentou levantamento que evidencia rotina de terror imposta aos indígenas e cobrou a expulsão dos invasores da Terra Indígena Yanomami
Em comunicado divulgado nesta sexta-feira (06/05), a Hutukara Associação Yanomami reforçou que segue acompanhando as investigações em torno da denúncia de estupro seguido de morte de uma menina de 12 anos na comunidade de Aracaçá, na região de Waikás, em Roraima, e apresentou informações “que revelam um grave histórico de tragédias associadas ao garimpo na comunidade”.
Read Hutukara's statement in english
O levantamento cruzou relatos coletados junto a dois Yanomami esta semana com dados oficiais do distrito de saúde (censos populacionais de 2017 e 2022 e registros de óbitos), tornando possível identificar a cronologia dos episódios narrados.
“Até o momento, foi possível levantar que o histórico de tragédias na comunidade teve início em 2017, com o assassinato de um homem conhecido como C. Sanumá”, durante uma briga com garimpeiros. Segundo a Hutukara, o indígena tinha duas esposas e, depois de sua morte, as mulheres ficaram em uma situação de “extrema vulnerabilidade”, sendo prostituídas nos acampamentos de garimpo.
Uma delas teria morrido logo em seguida ao falecimento do esposo. “Há diferentes versões sobre sua morte, mas foi possível confirmar no registro de óbitos o falecimento de uma pessoa da mesma faixa etária, em 2018, tendo por causa de óbito envenenamento auto provocado”, afirma o comunicado.
De acordo com relatos colhidos pela Hutukara, uma das filhas dos indígenas, de 16 anos na época, teria sido vítima de seguidos abusos após ser levada para se prostituir em um acampamento localizado próximo a Aracaçá, onde teve uma criança que veio a falecer com poucos meses de vida. No registro de óbitos oficiais consta o falecimento de uma criança por traumatismo intracraniano em 2019.
A adolescente também teria ficado com uma deficiência física permanente após seguidos abusos. Ela então teria engravidado de um garimpeiro conhecido como “Pastor” e seu filho teria sido levado à cidade. “Desesperada, tirou a própria vida se enforcando”. A morte por suicídio possui lastro no registro de óbitos de 2021.
“A sequência de tragédias que marcaram a família de C. apresenta um cenário na aldeia de Aracaçá de casos generalizados de abusos e violência”, afirma a organização no comunicado. “A vulnerabilidade das pessoas da comunidade é tamanha que é bastante provável que episódios assim se repitam cotidianamente. Os fatos narrados corroboram a percepção dos Yanomami da região de Palimiu que, em 2021, relataram o receio de que vivessem uma tragédia similar à de Aracaçá, que estava levando ao desaparecimento desta comunidade”.
A região de Waikás, onde fica Aracaçá, foi a que teve o maior avanço de exploração de garimpeiros, de acordo com o relatório "Yanomami Sob Ataque", divulgado pela Hutukara em abril. Com quase metade da área degradada concentrada ali, a região registrou uma devastação de 296,18 hectares – 25% em um ano. Em 2016, estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) detectou que 92,3% da população de Aracaçá estava contaminada com níveis altos de mercúrio – metal líquido extremamente tóxico usado por garimpeiros para extrair ouro.
Já existem decisões judiciais nacionais e internacionais que orientam as autoridades brasileiras a protegerem a Terra Indígena Yanomami dos invasores. Conforme salientou o advogado da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Luiz Eloy Terena, em 2020 a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu medidas cautelares de proteção aos indígenas e, desde maio do ano passado, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a proteção integral desses povos. Também há decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, de 2020, determinando a extrusão dos garimpeiros ilegais.
Segundo Eloy, um dos advogados da ação no STF, o “governo brasileiro, de forma reiterada, vem descumprindo preceitos fundamentais dos povos indígenas”. A Apib protocolou nesta quinta-feira (05/05) uma peça com vários pedidos emergenciais e a denúncia de que a cautelar deferida pelo ministro Luís Roberto Barroso, em 2021, não está sendo cumprida.
Metade das aldeias sob assédio
No documento, a Hutukara reforça os dados alarmantes que constam no relatório “Yanomami Sob Ataque” e que revelam crescimento de 46% das áreas destruídas em 2021, com um incremento anual de 1.038 hectares, atingindo um total acumulado de 3.272 hectares. “As denúncias sobre Aracaçá só podem ser compreendidas dentro desse cenário, no qual praticamente metade das aldeias da Terra Indígena Yanomami está sujeita ao assédio dos invasores”, afirma a nota da Hutukara.
A organização Yanomami defende a condução de uma apuração mais ampla e aprofundada do histórico de violências vivido pelos indígenas em Aracaçá por consequência do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami.
“Por se tratar de um povo indígena que vive conforme seus costumes tradicionais e falante de sua língua ancestral, esse trabalho exige a participação continuada de especialistas com formação técnica em antropologia e com domínio da língua, e durante tempo suficiente para que os fatos sejam analisados com a profundidade que merecem”, sublinha o comunicado.
No documento, a Hutukara reforça a urgência da retirada dos garimpeiros do território para o restabelecimento do bem estar dos indígenas. “Precisamos impedir a tragédia humanitária que está se passando com os Yanomami. Queremos ver nossas famílias novamente saudáveis e em segurança. (...) Precisamos do comprometimento do poder público e do apoio da sociedade para a proteção das Terras Indígenas, da terra-floresta, e das vidas indígenas.”
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"Até o gosto do peixe aqui é diferente, ainda tá bom. Aqui podemos comer peixe sem preocupação. Lá na minha terra não tem mais como comer, não", alertou a liderança indígena
“Que não aconteça aqui nesse rio (Negro) tão bonito, limpo e vivo o que está acontecendo com o Tapajós, que era lindo, verdinho, e agora é barrento e contaminado pelo mercúrio”. Assim falou repetidamente aos seus parentes de 23 povos indígenas do rio Negro, Alessandra Korap, liderança Munduruku, em sua primeira visita ao município mais indígena do Brasil, São Gabriel da Cachoeira (AM), na fronteira com a Colômbia e a Venezuela, região mais preservada da Amazônia.
Ganhadora do prêmio de Direitos Humanos Robert F. Kennedy, em 2020, pela defesa do seu território, no Pará, frente às ameaças do garimpo ilegal, madeireiros e projetos do agronegócio, Alessandra participou da I Oficina Participativa de Formação Política promovida pelo Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), em São Gabriel da Cachoeira, nos dias 27 e 28 de abril, em parceria com a Rede Wayuri de Comunicação Indígena e com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Assista à entrevista completa com a liderança Alessandra Munduruku no canal da Foirn
Alessandra esteve em Brasília entre 4 e 14 de abril participando do Acampamento Terra Livre (ATL), maior mobilização indígena do planeta, para alertar contra a liberação de mineração em Terra Indígena que vem sendo puxada pelo governo por meio do Projeto de lei (PL) 191. No dia 19 de abril, Korap foi convidada pela comunicadora Fátima Bernardes, da TV Globo, a expor ao grande público a defesa que vem fazendo do seu território Munduruku como presidente da Associação Indígena Pariri e vice coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará (Fepipa), que reúne 57 etnias.
Em meio a essa agenda cheia, ameaças de perseguição e morte, Alessandra – que atualmente estuda Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), em Santarém, foi ao Rio Negro dar uma aula de defesa territorial, comunicação, persistência e coragem frente às violências e invasões sofridas pelos Munduruku na terra indígena Sawré Muybu, no Pará.
“Vocês acham que eu queria estar aqui? Eu não queria ficar viajando. Eu queria ficar com meus filhos, cuidar da roça, banhar no rio, brincar, pescar. Não posso mais fazer nada disso. Isso dói. Mas, eu não vou desistir, eu vou estudar e lutar pelo meu povo contra o retrocesso, não posso me calar vendo o homem branco destruir a terra dos meus filhos. Ver outros povos sofrendo também, crianças sendo abusadas, como as Yanomami. Defender o território é defender a vida”, frisou durante debate com os diretores da Foirn, Janete Alves, do povo Desana, e Nildo Fontes, Tukano, na mesa sobre ameaças aos povos indígenas no Brasil atual.
“Em 2018 começou a entrada de invasores, em 2019 era máquina de todos os lados, os caciques saíram das aldeias, começaram a aliciar muitas lideranças e o nosso território começou a ser violado. Várias carretas, o rio sendo ocupado pelas balsas. Nossos jovens entrando no mundo da bebida, chegando em casa drogados e as moças se prostituindo”, lembrou Korap, dizendo que os caciques pediram que denunciasse e lutasse pelo povo.
O avanço do garimpo ilegal que despejou mais de 100 toneladas de mercúrio nas águas amazônicas em 2019 e 2020 também ameaça a bacia hidrográfica do Rio Negro, a maior bacia de águas pretas e mais extensa área úmida protegida do planeta. Ocorrências de garimpo ilegal cresceram nos últimos dois anos e vêm sendo denunciadas pela sociedade civil. Com a falta de fiscalização territorial dos órgãos competentes, os próprios indígenas vêm tendo que se expor em defesa do seu território, trazendo insegurança e ameaças às suas vidas, como foi colocado pelo presidente da Foirn, Marivelton Barroso, do povo Baré, durante a oficina.
Contaminando os maiores tucunarés do mundo
Projetos sustentáveis como o de pesca esportiva em Terra Indígena, iniciativa que gerou o recorde no Guineess book de maior tucunaré pescado e atrai centenas de turistas do Brasil e do mundo, estão ameaçados por conta da ação ilegal de garimpeiros e narcotraficantes, que agem associados e invadem as terras indígenas no Rio Negro. Além da destruição do meio ambiente e da fauna, a bandidagem leva o medo, ameaças e violência às comunidades indígenas em regiões remotas e até então protegidas da Amazônia, diante da inércia e negligência do Estado brasileiro.
“A garimpagem é um problema muito sério na Amazônia, que não pode ser deixado de lado. A gente não quer isso aqui. A gente aqui usufrui das nossas frutas, da nossa caça, da nossa pesca, ainda temos nossos rios limpos. Por isso, precisamos seguir nossa luta política e o fortalecimento das nossas lideranças para a melhoria e proteção das Terras Indígenas demarcadas do Rio Negro”, ressaltou a diretora e comunicadora Janete Alves, do povo Desana, que no fim deste mês irá a Haia, Holanda, receber o prêmio Estado de Direito do projeto Justiça Global, pelos trabalhos realizados pela Rede Wayuri de comunicadores indígenas no combate as fake news e defesa dos direitos indígenas.
Nos tempos que a Funai existia
Também se somaram ao encontro dois ex-presidentes da Funai de tempos passados quando a Fundação Nacional do Índio ainda defendia os direitos indígenas: Márcio Santilli e João Pedro Gonçalves da Costa. O primeiro foi também deputado federal (1983-1987) e é sócio fundador do ISA, tendo participado como figura central na articulação pelos artigos 231 e 232 da Constituição Federal que colocaram os direitos indígenas na Carta Magna.
Santilli compartilhou com as lideranças indígenas as histórias de bastidores da Constituinte, algumas vividas ao lado de Mário Juruna (primeiro deputado federal indígena) e Ailton Krenak, na ocasião presidente da UNI (União das Nações Indígenas), cujo discurso histórico no dia 4 setembro de 1987 reverteu a conjuntura política anti-indígena naquela legislatura do Congresso Nacional, sendo decisivo para a aprovação dos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 pelos parlamentares constituintes.
“A Constituição é fruto de uma briga enorme, resultado de uma negociação dura que garantiu aos índios os seus territórios e a defesa dos seus direitos. Aquela coisa de tratar os índios e os seus direitos como algo provisório acabou a partir da Constituição de 88. Isso foi a grande vitória”, lembrou Santilli.
João Pedro, também ex-senador pelo Amazonas (2007-2011), pôde dividir sua experiência na vida pública e no poder Legislativo, neste momento no qual esperamos o maior número de candidaturas indígenas já lançada na história do Brasil. No último ATL, várias mobilizações de convocação para uma bancada do cocar foram feitas, com grande disposição das mulheres indígenas em “aldearem a política” de Brasília para derrotar o lobby da mineração e a bancada ruralista. Atualmente, só existe uma parlamentar indígena, Joenia Wapichana, deputada federal por Roraima (Rede).
“Formação política que motiva a estudar, pensar e refletir deve ser permanente. É preciso que a sociedade esteja organizada, a juventude, as mulheres. Por isso, é importante essa iniciativa de vocês. A Foirn, os rios, as aldeias, vocês precisam estar com o pensamento organizado para nunca aceitar a falta de liberdade e a falta de democracia”, enfatizou João Pedro, que está lançando essa semana em Manaus o livro “Nossas Utopias – A Esquerda de Manaus em 13 Atos”, pela editora Valer, na banca do Largo (em frente ao Teatro Amazonas).
Recordar é viver
Recordar, do latim re-cordis, significa voltar a passar pelo coração. A origem da palavra evoca o sentimento do encontro de João Pedro com Alessandra na oficina, ao lembrarem que foi em sua gestão na Funai, no dia 19 de abril de 2016, que foi publicado o relatório no Diário Oficial da União que delimitava a terra indígena Sawré Muybu, dando continuidade ao processo de demarcação do território de 173 mil hectares.
Na ocasião, a região sofria a pressão do setor energético para a construção da usina hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que previa inundar boa parte do território ocupado historicamente pelos Munduruku, inclusive alagando áreas sagradas. Com a divulgação do estudo da Funai, a construção da obra ficou mais difícil.
A oficina de formação política contou com a participação de cerca de 50 lideranças indígenas ligadas à Foirn, incluindo jovens e mulheres, com intuito de debater sobre democracia, sobre os três poderes do Estado, assim como fazer uma análise conjuntural sobre as principais ameaças aos direitos indígenas e à jovem democracia brasileira, com foco especial no debate eleitoral, fake news e a importância da imprensa livre.
Na conclusão do evento, os participantes fizeram uma exposição sobre suas reflexões em relação à democracia, à proteção de seus direitos e territórios, assim como sobre o combate às notícias falsas e desinformação. “Informar, consultar, dialogar e só assim decidir. Isso é democracia. Uma liderança não pode decidir sozinha. E temos que colocar em prática os nossos protocolos de consulta”, concluiu Max Tukano, liderança e ex-presidente da Coiab (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira), durante as apresentações finais.
A Rede Wayuri participou da formação e fez a cobertura da oficina. Quem quiser saber um pouco mais sobre a atividade pode escutar o podcast Wayuri dessa semana pelo Spotify da rede, eleita como um dos 30 herois globais da informação mundial pelos Repórteres Sem Fronteiras. Todo o evento foi gravado pela Rede Wayuri para posterior circulação para as comunidades e transcrição dos debates.
Juliana Radler é articuladora de políticas socioambientais do Programa Rio Negro e organizadora da oficina
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Advogado de indígenas afirma que valor de compensação de linha de transmissão ainda está sendo calculado. Senado aprova projeto que libera empreendimentos indiscriminadamente

Reportagem atualizada em 6/5/2022, às 14:22.
Por meio de um de seus advogados, o povo indígena Waimiri Atroari avisou que não aceitará alterações nos compromissos firmados com a Transnorte Energia S.A, responsável pela construção da linha de transmissão de energia Manaus-Boa Vista, que vai atravessar a Terra Indígena (TI) Waimiri Atroari (RR-AM).
O acordo entre a empresa e a comunidade para o pagamento das compensações pelos danos socioambientais da obra foi anunciado, na terça (3), depois de mais de dez anos de negociações, disputas judiciais e polêmicas. No dia seguinte, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que autoriza o governo federal a pagar parte das compensações.
Horas depois, na noite de quarta (4), o plenário do Senado aprovou um projeto que, na prática, autoriza prévia e indiscriminadamente a implantação de sistemas de transmissão nas TIs em todo país, desconsiderando impactos específicos em cada território. O Projeto de Lei Complementar (PLP) 275/2019 viabiliza a medida ao declarar esse tipo de empreendimento como de “relevante interesse público da União”. A proposta segue para a Câmara.
Organizações da sociedade civil e alguns parlamentares da oposição temem que, além de abrir caminho à degradação dos territórios indígenas, a aprovação do PLP possa prejudicar as negociações feitas com os Waimiri e a execução da norma editada pelo Palácio do Planalto.
De acordo com Jonas Fontenele de Carvalho, advogado da Associação Comunidade Waimiri Atroari (ACWA), qualquer tentativa de interferência externa no entendimento firmado entre a Transnorte Energia e a comunidade, no entanto, poderá implicar seu cancelamento.
“Qualquer coisa fora do que foi acordado nós cancelamos o acordo e acabou”, afirmou. “Qualquer deslize da empresa, os indígenas vão proibir a entrada na Terra Indígena”, reforçou. Carvalho deu entrevista à reportagem do ISA ainda na noite desta quarta, minutos após a sessão do Senado que aprovou o PLP 275.
O decreto de Bolsonaro regula aspectos do sistema de energia da Amazônia, mas não menciona o linhão especificamente nem qualquer valor a ele referente. Após reunirem-se com Bolsonaro, porém, políticos de Roraima afirmaram à imprensa que até R$ 90 milhões poderiam ser disponibilizados para as compensações da obra que vai atravessar a TI Waimiri. Outros R$ 33 milhões seriam cobertos pela Transnorte Energia.
Apesar disso, Carvalho afirmou que o total das compensações ainda está sendo calculado. O advogado negou que as tratativas e os procedimentos para o início da construção tenham sido concluídos. Ele contou que os termos do acordo deverão ser chancelados pelo Ministério Público Federal e a Justiça Federal, onde tramitam ações que paralisaram a obra.
“Depois disso tudo aceito, vamos dizer assim, nós vamos traçar um protocolo de ações. As pessoas têm me ligado aqui e acham que amanhã vai começar a passar a linha dentro da Terra Indígena. Não vai. Não é assim que funciona”, alertou.
O advogado explicou que todas as negociações são feitas diretamente entre a Transnorte e a comunidade e que o mesmo se dará com o pagamento das compensações socioambientais da obra aos indígenas. “A nossa conversa é com a empresa que vai passar a linha. E essa conversa está muito bem costurada”, salientou. De acordo com ele, os recursos autorizados pelo decreto e que serão aportados pelo governo não serão destinados aos Waimiri, mas servirão para ressarcir parcialmente a firma pelos custos de compensação.
A Transnorte Energia foi procurada pela reportagem, mas a assessoria informou que a empresa não se manifestaria.
Projeto do Senado
“O PLP 275 amplia desproporcionalmente, sem critérios, as hipóteses de empreendimentos que podem ser classificados como de ‘relevante interesse público da União’. Além disso, restringe as formas de consulta e diálogo com as comunidades indígenas”, analisa a advogada do ISA Juliana de Paula Batista.
Ela explica que, de acordo com a Constituição e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), os povos indígenas devem ser consultados sobre qualquer obra, medida administrativa ou legislativa que os afetem. Portanto, antes da aprovação do projeto, o Senado deveria ter ouvido essas populações.
Batista também avalia que a proposta limita as formas de compensação por danos socioambientais e também erra ao não prever a possibilidade de pagamento de royalties às comunidades.
“Sem estudos técnicos que assegurem que a obra não vai ameaçar a sobrevivência física e cultural dos indígenas e garantias de compensação adequada pelos danos socioambientais, as comunidades afetadas estarão em risco”, aponta a advogada.
Nota técnica elaborada pelo ISA lembra que, segundo a Constituição, a regulamentação do uso de áreas em TIs e da compensação por ele deve ser feita por lei complementar, e não por decreto presidencial, como prevê o PLP.
“Muito embora, é bom a gente destacar, o projeto tenha melhorado muito [em relação] ao que foi a proposta original, ainda temos preocupação em relação à constitucionalidade. Entendemos que poderá ainda haver brechas para a judicialização”, avaliou a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA). “[A aprovação do projeto] traz grande preocupação, sobretudo neste momento em que os povos tradicionais têm sofrido de forma muito intensa vários prejuízos”, completou.
Só Rede Sustentabilidade e Cidadania orientaram voto contrário ao projeto. Todos os outros partidos, inclusive da oposição, indicaram voto favorável. Apenas os senadores Eliziane Gama, Flávio Arns (Podemos-PR), Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Zenaide Maia (Pros-RN) votaram contra a proposta. Mara Gabrilli (PSDB-SP) absteve-se.
Impactos da obra
A principal justificativa usada pelo autor do PLP, senador Chico Rodrigues (União Brasil-RR), e o relator, Vanderlan Cardoso (PSD-GO), para defender a proposição foi justamente a de viabilizar o linhão Manaus-Boa Vista. Nenhum mencionou o acordo feito com os indígenas, no entanto.
Os dois repetiram o argumento incorreto de que a obra não traria impactos significativos porque o linhão será instalado às margens da rodovia BR-174, que já atravessa a TI Waimiri.
“Não estamos aqui limitando qualquer direito das comunidades indígenas”, defendeu Rodrigues. “A regulamentação delineada pelo projeto evitará novas e intermináveis disputas nesse tipo de processo”, argumentou.
Roraima é o único estado não conectado ao sistema nacional de energia e vem sendo abastecido por usinas termelétricas. Até 2019, a eletricidade vinha da Venezuela, mas o fornecimento foi interrompido. Há apagões frequentes ainda hoje. O linhão Manaus-Boa Vista pretende resolver o problema.
Ao contrário do que disseram os parlamentares, o empreendimento deverá ampliar o desmatamento e a circulação de pessoas no território indígena, com impactos sobre fontes de alimentação e matérias-primas, a segurança e a o modo de vida tradicional das comunidades. O Projeto Básico Ambiental-Componente Indígena (PBA-CI) elaborado pela ACWA aponta, entre outras consequências, o aumento da violência, da pressão por invasões e do risco de acidentes, assoreamento e contaminação de fontes de água, disseminação de doenças contagiosas. Do total de 37 impactos, 27 seriam irreversíveis, conforme o documento.
Chico Rodrigues foi o parlamentar flagrado pela Polícia Federal, em outubro de 2020, tentando esconder R$ 33 mil na cueca. Ele já foi envolvido em suspeitas de uso ilegal de verbas de gabinete e doações eleitorais, segundo o site De Olho nos Ruralistas. Rodrigues já foi bem próximo ao presidente Jair Bolsonaro e é um dos principais defensores da legalização do garimpo em TIs no Congresso.
Empreendimento paralisado
Dos 715 km do linhão, 122 km estão previstos para atravessar a TI Waimiri Atroari. Há mais de dez anos, as comunidades indígenas lutam para ser consultadas sobre o projeto. A Justiça Federal paralisou a obra até que os indígenas sejam ouvidos e que as medidas de compensação propostas por eles sejam cumpridas.
Com o custo estimado de R$ 2,3 bilhões, o empreendimento foi leiloado em 2011, mas sofreu repetidos atrasos por causa da negativa do governo em realizar a consulta prévia às populações indígenas.
Além disso, a administração federal não fez as alterações exigidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) nos estudos de impacto ambiental. No ano passado, sob orientação da gestão Bolsonaro, Ibama e Fundação Nacional do Índio (Funai) liberaram o licenciamento ambiental sem que as exigências fossem atendidas. A empresa responsável, a Transnorte Energia, e o governo também não se entendem sobre o preço da obra. Apesar disso, durante anos, políticos de Roraima alegaram que os responsáveis pela obra não sair eram os Waimiri.
Os indígenas foram quase exterminados durante a construção da BR-174, nos anos 1970. Cerca de 90% da população à época morreu por causa da violência de agentes do governo ou de doenças. Os Waimiri também sofreram os impactos severos da construção da hidrelétrica de Balbina e da mineração em seu território (veja linha do tempo abaixo e leia mais).
Linha do Tempo
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