Elas que lutam! Liderança premiada por documentário sobre agrotóxicos investe em formação internacional para defender direitos e territórios
A jovem liderança Lewaiki Suyá, do povo Khisêtjê, carrega um sonho e uma responsabilidade que andam juntos: fortalecer a luta pela proteção do território de seu povo para que suas filhas, Mawirá, de 11 anos, e Yambakhrety, de oito, assim como as futuras gerações, possam viver em paz na terra ancestral dos Khisêtjê, mantendo viva sua cultura e identidade.


“O grande sonho que eu tenho é de que um dia o meu povo possa viver em paz. Sem ameaças, sem se preocupar com o que pode acontecer amanhã. Todo dia a gente acorda pensando nisso, de que a qualquer momento a gente pode perder o nosso território, de que a gente pode não estar praticando a nossa cultura, nossas festas. Então esse é o meu medo. E o meu sonho é ter esse território para as futuras gerações”, afirma.
De família de lideranças indígenas, Lew – como é chamada pelos mais próximos – é diretora executiva da Associação Indígena Khisêtjê (AIK) e está celebrando uma conquista que fortalece sua luta e seu sonho: foi selecionada como bolsista do Programa para Representantes Indígenas da Organização das Nações Unidas (ONU), após ser indicada pela diretoria da associação para concorrer à vaga.
“Eu fico muito feliz, porque não é uma conquista só minha, mas do povo Khisêtjê. Fico feliz em estar representando o meu povo. Desde pequena eu ouço o nome ONU. Mas eu nunca imaginava estar participando nesse espaço, que é tão importante”, diz.

Inicialmente, as atividades aconteceram em Brasília. Em seguida, Lewaiki seguiu para Genebra, na Suíça, onde fica até julho. É a primeira vez que ela deixa o país. Ela vive na aldeia Khikatxi, no Território Indígena Wawi, anexo ao Território Indígena do Xingu, no Mato Grosso, e sempre morou com seus pais.
A luta de Lewaiki começa neste território: antes, ela vivia com sua família na aldeia ancestral Ngojhwere, um lugar de memória, reconquista e história do contato com os não indígenas. Mas o avanço do agronegócio e a pulverização dos agrotóxicos expulsaram seu povo desse território. E eles passaram a viver na aldeia Khikatxi.
É nesse cenário que nasceu o filme “Sukande Kasáká | Terra Doente”, narrado por Lewaiki e pelo cineasta indígena Kamikia Khisêtjê. O filme - lançado este ano e premiado em festivais como É Tudo Verdade e Ecofalante - denuncia o avanço silencioso dos agrotóxicos sobre os corpos e os rios.
“É uma ferramenta de luta contra a ameaça invisível”, define ela. “Quando a gente é liderança, a gente sabe dos perigos que pode correr. Mas a gente tem que proteger o nosso povo. Sempre coloca isso em primeiro lugar. E é isso que o meu avô, o cacique Kuiussi, nos ensina”, conta.
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Lewaiki vê na comunicação e na formação política instrumentos de resistência. Inspirada pelo trabalho de Kamikia, que levou a voz do povo Khisêtjê para além da aldeia, e no exemplo de seus avós, ela se tornou porta-voz de seu povo.
Para além de liderança, Lewaiki mantém no seu dia a dia na aldeia as atividades tradicionais. Cozinha, faz beiju, cuida da roça e tece cestos. “A gente não vive só de escritório. A gente precisa da valorização da nossa cultura. É ela que nos fortalece.”

Nas reuniões e decisões comunitárias, Lewaiki representa também a força dos jovens e das mulheres: guardiãs dos saberes, cuidadoras do bem viver, estão cada vez mais presentes nos espaços de decisão ao lado dos homens.
Formação na ONU
Agora, com a bolsa da ONU, prepara-se para aprender mais sobre direitos indígenas e mecanismos internacionais de proteção. “É um desafio estar nesses lugares, ocupar esses espaços. Você sendo uma liderança, uma mãe, ter que se ausentar para buscar conhecimento para defender o seu povo. Mas a gente resiste há centenas de anos. E a gente continua resistindo.”
Ela quer estar na ONU para aprender, voltar e multiplicar o conhecimento.“Eu quero me dedicar ao máximo para poder aprender, porque esse é um dos objetivos do programa: a liderança indígena aprende e passa a ser uma multiplicadora dentro do seu povo. E é isso que eu quero fazer com os jovens, que são o futuro do povo e precisam estar alinhados com os mais velhos. Os nossos anciãos vão orientar sobre o caminho a seguir. E a gente sempre tem que manter esse vínculo com essa raiz, com o nosso povo. Porque se a gente se desvincular disso, a gente erra o caminho”, reflete a jovem liderança.
O programa do qual Lewaiki participa está vinculado à Seção de Povos Indígenas e Minorias do Escritório do Alto Comissionado das Nações Unidas para Direitos Humanos (OACNUDH), em Genebra, e busca promover as condições de desenvolvimento econômico e social.
De acordo com a ONU, o objetivo é que os bolsistas conheçam o sistema e mecanismos das Nações Unidas, principalmente sobre questões indígenas, para que possam melhor ajudar a proteger e promover os direitos dos povos indígenas, além de compartilhar o conhecimento adquirido.
Em junho, ela deu início à viagem para participar do programa da ONU em Brasília e, logo após, seguiu para Genebra, para continuar com o seu sonho de fortalecer seu povo e seu território.
Lewaiki carrega em seu nome também a história de um sonho. Pela tradição Khisêtjê, os nomes começam com “Ngay”, “Pyi” ou “Koko”. Seu nome é único. Ela foi chamada de Lewaiki após seu tio Tony Suyá sonhar, em contato com o mundo espiritual, com esse nome, que é de uma planta. E ela segue semeando esperanças, seja no Khikatxi, em Brasília ou em Genebra.