16ª Feira de Sementes e Mudas Tradicionais celebra resistência quilombola no Vale do Ribeira
Em agosto, encontro vai reunir povos e comunidades tradicionais da região para cultivar identidade, trocar saberes e fortalecer a luta pela educação quilombola
Nos dias 15 e 16 de agosto, a cidade de Eldorado (SP), no Vale do Ribeira, recebe a 16ª edição da Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas, um encontro que conecta territórios, biodiversidade, cultura e luta por direitos. O tradicional evento promove ainda trocas de sementes e mudas e diálogos sobre o futuro dos quilombos.
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Liderança do Quilombo Nhunguara, Dona Rosana de Almeida, participou da Feira trocando mudas e sementes com os participantes|Júlio César Almeida/ISA
Organizado há 15 anos pelo Grupo de Trabalho da Roça – GT da Roça, composto por 19 Associações das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira e parceiros como a Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) e o Instituto Socioambiental (ISA), dentre outros, a feira deste ano reúne lideranças de diversas gerações para refletir sobre os desafios e as conquistas do Sistema Agrícola Tradicional Quilombola (SATQ), reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil pelo IPHAN, educação quilombola, segurança alimentar, acesso à renda e outras questões importantes para uma população tradicional historicamente responsável por preservar o maior maciço de Mata Atlântica do país.
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Durante o evento, quilombolas do Vale do Ribeira compartilham variedades de espécies de seus territórios|Júlio César Almeida/ISA
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Além das sementes e mudas, produtos como mel, palmito, temperos e farinha de mandioca ficam disponíveis para venda|Júlio César Almeida/ISA
Programação
Na sexta-feira (15/08), as atividades começam com o seminário “Educação Quilombola: transmissão de saberes e os desafios da juventude quilombola nos territórios”, com mesas que discutem o passado, presente e futuro das comunidades.
Ainda no dia 15, a programação traz conversas sobre experiências inspiradoras, como a inclusão da comida quilombola na merenda escolar pelo programa Catrapovos, a conservação de sementes nativas e crioulas, com participação da Embrapa, CATI e redes de sementes do Ribeira e do Xingu, e debates sobre o manejo integrado do fogo, em parceria com o Prevfogo/IBAMA.
No sábado (16/08), a feira toma conta da Praça Nossa Senhora da Guia, no centro de Eldorado, promovendo trocas de sementes e mudas, venda de produtos da roça, apresentações culturais e o tradicional almoço quilombola.
Serviço
16ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas
Dias 15 e 16 de agosto em Eldorado, SP
Participação gratuita
Informações para a imprensa: imprensa@socioambiental.org
Programação completa 15/08 das 9h30 à 12h30
Seminário: Educação Quilombola, transmissão de saberes e os desafios da juventude quilombola nos territórios.
Mesa redonda 01: No tempo dos Avós.
Mesa redonda 02: Os tempos de hoje e o futuro ancestral - começo, meio e começo.
15/08 das 14h30 às 16h
Momento da prosa: Confluência de saberes
Comida quilombola na escola, a experiência da política pública CATRAPOVOS no município de Iporanga/SP.
Sementes agrícolas e florestais: desafios de conservação e manutenção de variedades.
Manejo Integrado do Fogo - Programa Prevfogo.
16/08 das 9h às 14h
16ª Feita de Trocas de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira com tradicional almoço quilombola
Local: Praça Nossa Senhora da Guia/Eldorado/SP.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
“Dar a terra à Terra”: Redário e Socorro Lira lançam clipe com coletores e coletoras de sementes para plantar as florestas do futuro
Videoclipe foi gravado em encontro nacional com 27 redes e grupos coletores de sementes de todo o Brasil, e marca o caminho rumo à COP30
Com a força de quem há anos transforma palavras em poesia, a multiartista e produtora cultural Socorro Lira apresenta, em parceria com o Redário e o Instituto Socioambiental (ISA), o videoclipe da música “Dar a terra à Terra”.
A canção, com melodia de Alisson Menezes, mistura elementos da música popular brasileira com uma batida envolvente de funk e traz uma mensagem clara sobre a necessidade de aprofundar a restauração ecológica no Brasil, e indica que é preciso devolver à natureza o que lhe pertence, sem barganha e sem exploração.
Parte do clipe foi gravada pela equipe de Comunicadores da Rede Xingu+ durante o 4º Encontro Nacional do Redário, realizado em Nova Xavantina (MT), e dá protagonismo a coletoras e coletores de sementes nativas de todo o Brasil. Mais de 150 pessoas de quase 30 redes participaram do encontro, marcado pela troca de saberes, defesa da biodiversidade e fortalecimento das lutas comunitárias pela conservação ambiental.
Assista ao clipe!
O clipe também apresenta ao público gravações no Estúdio 185 de Alldry Eloise, Fabricio Mascate, Jaque da Silva, João Maia e Socorro Lira nos vocais, da percussionista Valentina Facury e do saxofonista Chico Macedo, com arranjos de Cintia Zanco, que fez a direção musical. A mixagem é de Ricardo Vignini e a masterização de Homero Lotito, do Reference Mastering Studio. A identidade visual é do Estúdio Arado e a produção audiovisual da Cama Leão.
“Dar a terra à Terra” propõe outro ritmo para pensar o planeta. Mais leveza, mais dança, mais alegria e conexão com as novas gerações se mostram como estratégia de conscientização e resistência. Em um momento em que o Brasil se prepara para sediar a COP30, em 2025, a música em ritmo de funk surge como uma ponte entre arte e política, convocando cada um, cada uma, a refletir sobre seu papel diante da emergência climática e da urgência de conservar o que ainda resta.
Com mais de 20 anos de carreira, Socorro Lira já percorreu o Brasil e o mundo com sua arte e foi vencedora do Prêmio da Música Brasileira em 2012, na categoria “Cantora Regional”, pelo CD “Lua Bonita – Zé do Norte, 100 Anos”. Seus álbuns dialogam com literatura, ancestralidade, justiça social e ativismo ambiental. Neste novo trabalho, ela continua em sua trajetória que une palavras e movimentos para semear ideias.
Sobre o Redário
O Redário é uma articulação entre redes e grupos de coletores de sementes nativas, para estruturação da base da cadeia de restauração em larga escala, através da oferta de sementes de qualidade adequadas a cada projeto.
Atualmente, com mais de 2500 coletoras e coletores reunidos em 27 redes, a maioria de base comunitária, está com ações concentradas em 4 biomas, 11 estados e Distrito Federal.
Sobre o Instituto Socioambiental (ISA)
O Instituto Socioambiental (ISA) é uma associação sem fins lucrativos, qualificada como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip), fundada em 22 de abril de 1994, por pessoas com formação e experiência marcante na luta por direitos socioambientais no Brasil.
Ouça a música no seu aplicativo de música favorito e compartilhe!
Ficha técnica
Dar a terra à Terra
Letra: Socorro Lira
Música: Álisson Menezes
Direção artística, produção fonográfica e voz: Socorro Lira
Arranjo e produção musical: Cíntia Zanco
Programação: Gigi Magno (Estúdio Eletrola Produções)
Produção executiva: Instituto Socioambiental (ISA) e Redário
Preparo da muvuca de sementes durante o IV Encontro do Redário|Fernanda Medeiros/ISA
Muvuca de sementes no IV Encontro das Redes do Redário|Yamony Yawalapiti/ISA
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Sesc Pompeia exibe documentário “Do Quilombo pra Favela”, seguido de roda de conversa
Bate-papo neste domingo (22/6) contará com a presença de quilombolas do Vale do Ribeira e trará temas como resistência negra e fartura de solidariedade, saberes, alimentos e economia dos povos e comunidades tradicionais
Distribuição de alimentos da Cooperquivale na comunidade de São Remo, São Paulo|Rodrigo Kees/ISA
Cerca de 130 quilômetros separam as cidades de Eldorado e Itaoca, no Vale do Ribeira (SP), em trecho onde estão pelo menos 15 quilombos. E é dessa região que vem a história de resistência, fartura de alimentos e solidariedade que inspirou o minidocumentário “Do quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”.
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Cartaz do minidocumentário Do Quilombo pra Favela, ilustrado por Amanda Nainá e Deco Ribeiro
O filme será exibido neste domingo, dia 22 de junho, às 17h, no Sesc Pompeia, em São Paulo. Em seguida, haverá roda de conversa com Rosana de Almeida, coordenadora executiva da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) e moradora do Quilombo Nhunguara; Carlos Ribeiro, do Instituto Socioambiental (ISA) e morador do Quilombo São Pedro; e Catarina Godoi, voluntária da Associação de Moradores do Jardim São Remo, Zona Oeste de São Paulo. A mediação é de Maíra Silva, do Quilombo Ivaporonduva, também no Vale do Ribeira.
O minidocumentário “Do Quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra” (Brasil, 2022, 22 min) mostra como a Cooperquivale conectou suas raízes negras a uma favela da zona oeste de São Paulo através do alimento e da solidariedade. Assim, quilombo e favela, que pareciam distantes, tornaram-se parceiros de lutas semelhantes.
As ações de distribuição de alimentos quilombolas aconteceram durante a pandemia da Covid-19, mas continuam reverberando em outras ações que buscam a adequação de políticas públicas para fortalecimento dos sistemas agrícolas e de saberes dos quilombolas do Vale do Ribeira.
Participantes
Carlos Lionan Ribeiro Furquim
É técnico em agropecuária e atua como analista em desenvolvimento de pesquisa socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), em Eldorado, Vale do Ribeira (SP). Mora no Quilombo São Pedro. Em seu trabalho, atua com as associações das comunidades quilombolas em apoio à promoção da sociobioeconomia, fortalecimento de territórios e direitos dos Quilombos do Vale do Ribeira, valorização do sistema agrícola tradicional quilombola, segurança alimentar e geração de renda. Um dos projetos que acompanha é o de políticas públicas de aquisição de alimentos: Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Rosana de Almeida
Rosana de Almeida assumiu a coordenação executiva da Cooperativa dos Agricultores Quilombolas do Vale do Ribeira (Cooperquivale) em março de 2025. É agricultora e liderança, moradora do Quilombo Nhunguara. Vem atuando na defesa dos territórios quilombolas do Vale do Ribeira e na valorização das economias da sociobiodiversidade, que é a economia praticada pelos quilombolas e outros povos e comunidades tradicionais.
Catarina Godoi
Cozinheira e voluntária da Associação de Moradores do Jardim São Remo, zona oeste de São Paulo. Tem 51 anos, é casada e tem dois filhos. Durante a Covid-19, ela e o marido trabalharam como voluntários da Central Única das Favelas com uma série de apoios comunitários. Está sempre ativa e envolvida em ações coletivas, buscando reforçar os laços de união e respeito entre os moradores.
Maíra Silva
Maíra Silva é bióloga, pesquisadora, consultora da pauta socioambiental e clima e quilombola. É uma ponte viva entre o conhecimento ancestral e a pesquisa acadêmica. Da vida no quilombo ao impacto de suas pesquisas, Maíra nos convida a repensar ciência, território e pertencimento.
Serviço:
Exibição do filme “Do quilombo pra Favela - Alimento para a resistência negra”
Roda de conversa: Do Quilombo pra Favela: Encontro com fartura de solidariedade, saberes, alimentos e economia dos povos e comunidades tradicionais.
Convidados: Carlos Furquim, ISA; Rosana de Almeida, Cooperquivale; Catarina Godoi, Jardim São Remo (SP).
Mediação: Maíra Silva, Quilombo Ivaporunduva.
Quando: Domingo, 22 de junho, das 17h às 19h
Onde: Sesc Pompeia - Rua Clélia, 93, Pompeia (SP)
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Governador de SP, Tarcísio de Freitas, promete titular "100%" dos quilombos no estado
Quilombos Praia Grande e Pedro Cubas de Cima receberam seus títulos parciais na última semana (20/02). Outras 52 comunidades ainda esperam o documento
Integrantes do Quilombo Pedro Cubas de Cima receberam título de regularização fundiária|Pablo Jacob/Governo do Estado de SP
O governo de São Paulo entregou, no dia 20 de fevereiro, títulos parciais de regularização fundiária às comunidades quilombolas de Praia Grande e Pedro Cubas de Cima. As comunidades ficam no Vale do Ribeira, no sudoeste do estado.
A entrega dos títulos ocorreu durante o evento "Nosso Agro tem Força", no Palácio dos Bandeirantes, com a presença de sete quilombolas, da Secretaria de Agricultura, da Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (Eaacone) e da Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), além de outros atores do setor agropecuário da região.
Durante a solenidade, o governador de São Paulo, Tarcisio de Freitas (Republicanos), prometeu titular "100%" dos quilombos no estado.
“Tenho que agradecer o trabalho do Itesp, que está proporcionando essa regularização fundiária. Acabou o agradecimento, agora eu vou cobrar. Vamos embora porque pretendo fazer o 100%. Eu digo assim: a gente tem pouco tempo para comemorar, pouco tempo para celebrar. A gente já tem que começar a trabalhar em busca da próxima meta”, disse.
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Integrantes do Quilombo Praia Grande receberam o título de regularização fundiária|Transmissão ao vivo no YouTube do Governo do Estado
Para Rafaela Santos, advogada quilombola da Eaacone, titular esses territórios é uma questão de reparação histórica. “O estado de São Paulo construiu sua riqueza à custa da vida do nosso povo e tem poucas comunidades quilombolas se compararmos com outros estados”, afirmou após o evento. “Ouvir hoje do governador que tem que titular 100% das Comunidades Quilombolas é algo importante, uma conquista do movimento quilombola que se articula na luta diariamente para ver nossos territórios titulados e vamos cobrar para que essa promessa seja de fato realizada em um prazo razoável”, ressaltou.
Edilene Geralda de Matos, liderança do Quilombo Praia Grande, nutre esperanças de que os outros territórios serão titulados em breve. “Pelo o que o governador disse, estou confiante que virão mais títulos e quero estar firme e forte para ver isso”. Edilene lembra com pesar do senhor Benedito Messias, que começou a luta pela titulação do Quilombo Praia Grande e faleceu em janeiro sem ver a conquista da Comunidade. “Ele que me sustentava de pé. Ele falava ‘filha, não desiste’. Ele se foi, mas eu sinto ele comigo a todo momento me dando força para continuar. A minha esperança é ver mais território titulado e a nossa terra titulada integralmente”, disse.
Mas os títulos entregues às comunidades não são da integralidade dos territórios tradicionais, ademais os não quilombolas ainda não foram de fato retirados da área titulada, acirrando os conflitos fundiários. Ou seja, ainda há muito trabalho de regularização fundiária e entrega de títulos a serem feitos nas comunidades de Praia Grande e Pedro Cubas de Cima.
Os títulos entregues têm cláusulas diferentes dos anteriores, entregues a outras comunidades. Foram retiradas cláusulas de reversibilidade, ou seja, de devolução das terras ao Estado em alguns casos como, por exemplo, por supostas e eventuais ações de degradação ao meio ambiente. Essa possibilidade violava o direito constitucional à titulação definitiva das comunidades.
A antiga cláusula era ainda uma expressão do racismo ambiental, pois não constava de títulos de terras entregues a não quilombolas no processo de regularização fundiária previsto na Lei 17557/2022. Ou seja, só os títulos entregues a quilombolas tinham essa restrição, justamente para os sujeitos que detêm as maiores porções de Mata Atlântica preservadas em todo o país.
Também, foi adicionada uma cláusula que prevê a imprescritibilidade, ou seja, os territórios agora ficam protegidos de eventuais tentativas de usucapião de suas terras por outras pessoas.
Outra cláusula adicionada foi a de impenhorabilidade dos territórios tradicionais coletivos, o que significa que eles não podem ser penhorados por dívidas.
Segundo Fernando Prioste, advogado popular no Instituto Socioambiental (ISA), as alterações nos títulos são fruto da ação das comunidades, que buscaram dialogar com a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo sobre o tema. “Após receber a solicitação formal feita pelas comunidades, a PGE analisou o caso, deu razão às comunidades, e alterou as cláusulas dos títulos”, explicou.
Histórico das titulações
No Estado de São Paulo há 56 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares, mas apenas as Comunidades de Ostras e Ivaporunduva receberam os títulos integrais do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
Passados 36 anos de vigência da Constituição Federal e 27 anos da lei paulista nº 9.757/1997, apenas 10 dez comunidades foram tituladas parcialmente: 1) São Pedro, 2) Maria Rosa, 3) Pedro Cubas,4) Pedro Cubas de Cima, 5) Pilões, 6) Nhunguara, 7) Sapatu, 8) Galvão, 9) Praia Grande e 10) Ostras.
No ritmo atual, seriam necessários aproximadamente 150 anos para titular integralmente os 54 Quilombos no estado de São Paulo que ainda aguardam regularização fundiária.
A regularização fundiária é ferramenta indispensável para a garantia de direitos e a preservação da história e da cultura dessas comunidades, que são responsáveis por conservar o maior maciço de Mata Atlântica do país. Entre suas práticas, está o Sistema Agrícola Tradicional (SAT) ligado ao modo de fazer as roças de coivara, que é reconhecido como Patrimônio Cultural e Imaterial do país pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
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Durante o evento, quilombolas presentes foram impedidos de usar a camiseta e subir ao palco com o seguinte questionamento: Quanto tempo para titular os mais de 50 Quilombos do estado?|Thalyta Martins/ISA
“Nós Quilombolas do Estado de São Paulo e do Brasil enfrentamos ainda muitos desafios na regularização fundiária de nossos territórios. A maioria das comunidades está há dezenas de anos aguardando reconhecimento e titulação conforme o comando constitucional. Mesmo estando como prioridade desde 2014 no convênio INCRA e ITESP, o Quilombo Praia Grande foi somente agora parcialmente titulado, mas sem que, de fato, os não quilombolas sejam retirados”, disse Rafaela.
“Precisamos lembrar também que muitos tombaram nessa batalha. Seu Laurindo Gomes foi assassinado na Comunidade de Praia Grande, Seu Messias faleceu pouco antes de receber o título. É uma tristeza para a gente, porque são pessoas que lutaram muito para ter esse momento aqui hoje, esse título e a retirada de terceiros de suas comunidades”, completou.
Edvina Tie (Dona Diva), liderança do Quilombo Pedro Cubas de Cima, ressaltou que a luta continua. “Estou muito contente com essa vitória, mas a luta continua. Nós vamos vencendo e começando outras etapas. São 30 anos de luta, fundei a Associação em 2003 e não parei mais”, disse.
As comunidades quilombolas cobram do ITESP e da Secretaria de Agricultura a realização de um plano estadual de titulação dos territórios quilombolas. A política pública de titulação não pode depender apenas da vontade política dos gestores, ela deve ser planejada, com objetivos, metas e indicadores bem definidos, para que as titulações ocorram em prazo razoável.
No entanto, apesar de trabalhar há quase trinta anos com essa agenda, o ITESP não se deu ao trabalho de planejar sua ação de forma a titular todos os quilombos em prazo razoável.
Esse planejamento também é importante para que as ações do ITESP possam prever os recursos necessários para as ações, e para que as leis orçamentárias possam prever esses recursos.
Comunidades que ainda esperam o título integral:
Fazenda Silvério
André Lopes
Sapatu
Cangume
Morro Seco
Mandira
Caçandoca
Bombas
Cafundó
São Pedro
Varadouro
Ariri
Porto Cubatão
Taquari
São Paulo Bagre
Santa Maria
Reginaldo
Pilões
Fazenda Caixa
Sertão do Itamambuca
Cambury
Brotas
Fazenda Pilar
Porto Velho
Pedro Cubas de Cima
Terras de Caxambu
Paraíso e Pedra Preta
Ribeirão Grande
Cedro
Terra Seca
Jaó
Castelhanos
Carmo
Nhunguara
Praia Grande
Capivari
Galvão
Maria Rosa
Abobral Margem Esquerda
Poça
Pedro Cubas
Frade, Raposa, Caçandoquinha e Saco Das Bananas
Espírito Santo da Fortaleza de Porcinos
José Joaquim de Camargo
Piririca
Aldeia
Bairro Peropava
Ilhas
Rio Das Minas
Engenho
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Lei baterá em quilombola e não baterá em fazendeiro: a criminalização das práticas tradicionais e o PL 3339/2024
Aplicação da lei deve considerar as diferenças entre grandes degradadores e atividades sustentáveis de comunidades tradicionais
A emergência climática é indiscutível. O planeta passa por transformações no clima que já afetam toda a vida na Terra, inclusive a humana. Também não há dúvidas de que a ação humana é o fator preponderante, senão único, que desencadeia a alteração drástica do clima no planeta.
A emissão de bilhões de toneladas de monóxido de carbono na atmosfera, as guerras, o crescente desmatamento e degradação da vegetação nativa em todos os biomas, o crescimento das monoculturas extensivas de commodities agrícolas, a poluição e sobreutilização das águas dos rios, a mineração em grande escala e o uso desenfreado de agrotóxicos, entre outras, são ações humanas que degradam o meio ambiente e colocam em risco a nossa existência.
A forma mais eficaz de enfrentar esse problema é uma mudança profunda na maneira como a sociedade hegemônica reproduz seu modo de vida. Ou seja, é necessário repensar como os alimentos e produtos agrícolas são produzidos, alterar os modais de transporte individual e de massas, reduzir drasticamente a quantidade e alterar as formas de distribuição e de consumo de energia, entre outras tantas ações já mapeadas por estudos.
Ou seja, se a humanidade efetivamente quer continuar a viver, precisa superar o capitalismo. A crise climática é, em sua essência, uma crise do sistema capitalista. Mas essa tarefa não é nada simples
Populismo penal
Entre as ações que não são difíceis de adotar, justamente por não desafiarem o modo capitalista de viver, estão os crimes e as penas. O direito penal existe no capitalismo para ser utilizado de forma ostensiva, extensa e profunda para garantir a liberdade de alguns para trocar produtos, explorar a natureza e o trabalho.
Ora, prender, por longo tempo, quem degrada o meio ambiente sem autorização do Estado, cumpriria com as tarefas essenciais e não declaradas do direito penal no capitalismo, e ao mesmo tempo, geraria sensação de combate às causas da emergência climática.
Mas, infelizmente, a realidade, as Artes, as Ciências Biológicas e o Direito já demonstraram que o populismo penal do estabelecimento de novos tipos penais e do aumento de penas é absolutamente ineficaz para os fins declarados a que se destina.
De um lado, porque grande parte do problema da crise climática não está nas ações ilegais. Agrotóxicos, mineração, desmatamento, sobreutilização e poluição das águas, monocultivos em extensão e a mineração em grande escala, entre outras, são atividades que podem e são legalmente desenvolvidas.
Contudo, apesar dessas atividades serem desenvolvidas legalmente, com fundamento em procedimentos de licenciamento ambiental, o direito não é capaz de impedir ou limitar significativamente os impactos dessas atividades no meio ambiente. Todas essas atividades, entre outras tantas, são legais perante o direito e degradadoras para o planeta.
Mas é evidente que coibir ações ilegais que degradam o meio ambiente são necessárias, como apoio residual e pontual às ações estratégicas. Degradar ilegalmente o meio ambiente causa danos, assim como a degradação em massa promovida pela humanidade sob a benção do Direito.
Contudo, a questão que se coloca é avaliar quais os impactos negativos, e os eventuais positivos, do incremento de penas na lei de crimes ambientais para auxiliar a coibir os abusos que incrementam a emergência climática.
De saída, em especial sob a ótica da criminologia crítica, é possível dizer que a intenção do PL 3339/24 – que amplia a penas para quem comete crimes ambientais – é boa na superfície, porém, pouco eficaz no solo das delegacias e dos tribunais. Trará poucos e residuais impactos nas situações que atinjam os detentores do poder político e do capital. Mas serão significativamente impactantes para quilombolas e povos e comunidades tradicionais.
Peso desigual da lei
Aumentar as penas para os crimes ambientais pode parecer uma solução rápida, justa e efetiva. Mas é necessário questionar como essas medidas serão aplicadas. Os grandes degradadores ambientais, como fazendeiros, grileiros, mineradores e todas as corporações transnacionais, detêm meios e recursos para evitar punições severas.
Os responsáveis pelos crimes contra o meio ambiente, com o rompimento das barragens em Brumadinho e Mariana, não deixaram de ser responsabilizados penalmente pela ausência de tipos penais ou pela diminuta pena aplicada pelos delitos previstos em lei. O mesmo se deve dizer sobre o vazamento de petróleo na bacia de campo em 2011 e as queimadas ocorridas em massa no Brasil em 2024.
Tipos penais, como o de crime organizado, e fundamentos jurídicos para manter sob prisão preventiva aqueles que mandaram ou executaram ações criminosas de incêndio, com grande impacto no ano de 2024, estão à disposição da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
E sempre há possibilidade de incrementar mecanismos, especialmente de investigação, para obter provas robustas dos ilícitos cometidos e das pessoas e instituições envolvidas nas ações. Seria possível, e desejado, realizar ações de inteligência que previnam crimes e que viabilizem provas robustas para ações penais. Seria igualmente desejado que a imposição de embargo em áreas degradadas fosse efetivamente fiscalizada quando do seu não cumprimento.
Mas mesmo que se desconsidere a ineficácia da persecução penal, o legislador poderia fazer alterações mais eficazes, como estabelecer agravantes que estivessem relacionadas às ações que têm potencial danoso relevante por suas características, como nos casos de crimes cometidos por concurso material, com uso de explosivos ou agrotóxicos, mediante promessa de paga, por motivo fútil ou torpe ou pela extensão dos danos ambientais
Mas o simples incremento das penas, conforme previsão do PL 3339/24, acabará penalizando com severidade povos e comunidades tradicionais, ao passo em que aqueles responsáveis pelas grandes degradações ambientais continuarão a se servir da seletividade penal para continuar a degradar o meio ambiente sem serem punidos com mínima severidade. Os poucos casos em que um grande degradador ambiental vier a ser penalizado será apenas um exemplo dos limites e das contradições do direito penal.
Comunidades tradicionais, como quilombolas, que manejam a biodiversidade de forma sustentável, acabarão sendo criminalizadas por práticas que, embora beneficiem o meio ambiente, são estigmatizadas, mal compreendidas e criminalizadas. Práticas que as ciências e os conhecimentos tradicionais indicam serem importantes para a conservação ambiental são vistas pelo estado, em especial pelas forças policiais, como atividades degradadoras.
Ou seja, o aumento indiscriminado das penas pode levar à criminalização de populações vulneráveis que dependem de recursos naturais para sobreviver, como quilombolas e indígenas. Em vez de resolver o problema ambiental, essa medida pode aprofundar as injustiças socioambientais e ampliar o racismo ambiental.
A aplicação da lei deve considerar as diferenças entre grandes degradadores e atividades sustentáveis de comunidades tradicionais. Parece óbvio, mas não é o que ocorre nas delegacias e nos fóruns. Nesse espaço a lei que bate em quilombolas não costuma bater em fazendeiros.
Veremos, num futuro não muito distante, quilombolas sendo presos por construírem uma canoa de madeira, ou por realizarem uma pequena roça de coivara. Suas penas serão agravadas, pois muitas dessas comunidades têm seus territórios sobrepostos por Unidades de Conservação.
E os grandes poluidores? Esses continuarão a ganhar dinheiro, mas parte desses ganhos será transferida a excelentes escritórios de advocacia.
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Nota de pesar pelo falecimento de Dona Antônia, liderança histórica do Quilombo Cangume
Antônia Gonçalves de Pontes tinha 91 anos e deixa um legado de compromisso e dedicação à luta quilombola
Dona Antônia em frente ao seu fogão a lenha no Quilombo Cangume|Felipe Leal/ISA
Faleceu nesta segunda-feira (06/01), aos 91 anos, Antônia Gonçalves de Pontes, liderança quilombola da comunidade Cangume, no Vale do Ribeira (SP). Mais conhecida como Dona Antônia, ela teve 10 filhos e uma trajetória de dedicação à luta pela terra.
Com apoio da família, lutou contra as barragens e empreendimentos de mineração na região, trabalhou em prol da titulação do território e teve a felicidade de ver o reconhecimento do Quilombo Cangume pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), no ano passado.
Dona Antônia também foi uma das médiuns e benzedeiras mais experientes do Cangume, quilombo formado por negros que fugiram do recrutamento forçado para a Guerra do Paraguai, por volta de 1870.
Localizado no município de Itaóca, o Cangume pratica o espiritismo kardecista desde meados da década de 1930, que envolve a atividade de médiuns como Dona Antônia. Ela começou a desenvolver suas capacidades aos 17 anos e, desde então, não parou. Parentes e amigos comparecem nas reuniões para dar conselhos, se comunicar com os vivos e ouvir hinos com orientações sobre o caminho a seguir após a passagem.
Dona Antônia foi grande contadora de histórias, prezou pela memória dos mortos e vivenciou muitas celebrações que não existem mais, como Santa Cruz e homenagem em louvor a Santo Antônio.
Seu legado permanece vivo nas vivências da comunidade, nas histórias em volta da mesa e memórias de danças. Todas as pessoas que visitavam a comunidade, chegavam primeiro na casa de Antônia e lá eram recebidos com o seu famoso café, que ela mesma torrava, socava no pilão e preparava no fogão a lenha.
O sobrinho e atual coordenador da Associação do Quilombo Cangume, Odair Dias dos Santos (Seu Odair), também homenageia a tia.
“Ela foi, praticamente, uma das vozes principais na luta pela terra quilombola. A casa dela era muito cheia porque ela contava muitas histórias. O sonho dela era ver o território titulado e ela conseguiu. Deixou só boas lembranças”, disse. “Ela foi uma pessoa maravilhosa, amou as pessoas, amou a comunidade, amou a família, passaram por tanta coisa e ela nunca reclamou de nada”, completou.
O Instituto Socioambiental (ISA) lamenta a morte de Dona Antônia e se solidariza com os familiares e amigos neste momento de tristeza.
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“Agora é a vez dos quilombolas”: comunidades do Vale do Ribeira exigem justiça fundiária na Alesp
Em audiência pública, cerca de 200 lideranças pediram ações concretas para garantir direitos constitucionais e preservar seu modo de vida tradicional
Na última quinta-feira (28/11), aproximadamente 200 quilombolas de diversas comunidades do Vale do Ribeira representaram seus territórios ocupando o Auditório Teotônio Vilela da Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).
Sob o mote “Regularização Fundiária Quilombola: ‘Semear o futuro com planejamento e reparação histórica”, eles reivindicaram o andamento dos processos de titulação das comunidades e a implementação de políticas para garantir os direitos fundamentais, como acesso à saúde, educação, energia e estradas de qualidade, que permitam o ir e vir.
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Participantes da audiência pública “Regularização Fundiária Quilombola: ‘Semear o futuro com planejamento e reparação histórica”|Claudio Tavares/ISA
Entre as outras demandas colocadas na pauta, esteve também a reformulação do Grupo Gestor instituído pelo Programa de Cooperação Técnica e de Ação Conjunta (Decreto nº 41.774/1997).
O evento, organizado pela Equipe de Articulação e Assessoria às Comunidades Negras (EAACONE), em conjunto com a Coordenação Estadual da Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ-SP), as frentes parlamentares do PT, PCdoB e PV e da Rede e PSOL e o Grupo de Trabalho Fundiário de lideranças quilombolas do estado, foi construído para denunciar a morosidade extrema nas titulações dos territórios e pedir providências efetivas.
O direito quilombola à titulação do território está previsto no Art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988 e na Lei paulista nº 9.757/1997. Contudo, passados 36 anos de vigência da Constituição e 27 anos da lei paulista, o Governo do Estado de São Paulo titulou integralmente apenas dois territórios quilombolas, sendo que outros sete foram titulados parcialmente.
A reunião destacou ainda o papel da regularização como uma ferramenta indispensável para a garantia de direitos e a preservação da história e da cultura dessas comunidades, que são responsáveis, por meio de seus modos de vida e práticas tradicionais, por preservar a floresta em pé – serviço socioambiental fundamental no contexto de emergências climáticas.
“Agora é a vez dos quilombolas”
André Luiz Pereira de Moraes, liderança do Quilombo André Lopes e articulador da EAACONE abriu a segunda mesa “A luta quilombola no estado de São Paulo pela titulação”. Ele compartilhou que fazia dez anos que não havia audiência pública daquele tipo na Alesp, mas que era de suma importância estar ali.
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André Luiz de Moraes, liderança do Quilombo André Lopes e articulador da EAACONE|Claudio Tavares/ISA
“É a partir daqui que é pensada as leis, que é pensado a questão orçamentária, que é pensado as políticas públicas que vai nos beneficiar. Nós estamos com bastante dificuldade no estado de São Paulo de essas políticas públicas chegarem até as Comunidades Quilombolas. E uma das políticas públicas que é um dos eixos principais nossos aqui é a questão da regularização fundiária”, afirmou.
“O governo brasileiro, seja ele estadual, municipal ou federal, ele tem uma dívida muito grande com o povo negro do Brasil por conta do processo de escravidão que houve no Brasil. O que nós estamos fazendo hoje, nós não estamos pedindo favor pra ninguém, mas para vir reivindicar o que é direito nosso!”, completou.
Tania de Moraes, do Quilombo Ostra, coordenadora na EAACONE contou que estar ali era um processo difícil, visto que as regras vão mudando com o passar dos meses. “A gente vai resistindo, vai tentando conversa, diálogo, seja em processo, em impedimentos, mas a gente vê que é cada passo. Primeiro é uma conversa, depois é um levantamento, um diálogo, uma construção. A gente luta por isso, esse contexto todo para que esse processo venha diminuindo e todas comunidades sejam reconhecidas em menos tempo possível”, disse.
Tania de Moraes, liderança do Quilombo Ostra e coordenadora na EAACONE, foi uma das mediadoras da audiência|Claudio Tavares/ISA
Moraes trouxe o dado que, dos 31 municípios da região do Vale do Ribeira em São Paulo e no Paraná, 11 têm Comunidades Quilombolas. A região possui 80% dos quilombos do estado de São Paulo. Segundo ela, o mesmo estado levou 25 anos para titular parcialmente sete quilombos e integralmente dois.
No ritmo atual, seriam necessários aproximadamente 150 anos para titular os 54 quilombos restantes no estado de São Paulo. Sobre a demanda de reestruturar o Grupo Gestor de Quilombos, o articulador da EAACONE acrescentou que isso deve ser feito com participação efetiva de representantes quilombolas junto às instituições públicas e um orçamento adequado.
Luiz Francisco Melo, do Quilombo de Porcinos, em Agudos, e da CONAQ falou da importância de deliberar pautas de interesse nacional, estadual e municipal com os sujeitos de direito, em respeito à Convenção 169 da OIT, que reconhece o direito fundamental à consulta prévia, livre e informada de comunidades tradicionais.
“Nós não vamos permitir deixar as nossas tradições, os nossos costumes, os nossos saberes, porque muitos e muitas, tanto as universidades, os doutorados, os sábios têm aprendido com nós, que temos receitas de [...] muitas coisas que estão se perdendo pelo desmatamento, pelo inundamento de barragens. Nós somos os guardiões da floresta!”, lembrou.
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Luiz Francisco Melo (Melo), do Quilombo de Porcinos, em Agudos, e da CONAQ, também defendeu maior celeridade nas titulações|Claudio Tavares/ISA
Melo advertiu a Fundação Instituto de Terras de São Paulo (ITESP) sobre a destinação dos recursos. “O que mais interessa pra nós? Titulação de terras. ITESP, sua função você sabe, deixou bem claro o interesse de outros, mas agora é a vez dos quilombolas”, expôs. “O estado de São Paulo está deixando a desejar. Uma vergonha! Bahia titula, Maranhão titula [...] Chega de falar que não tem dinheiro. [...] Cadê o dinheiro do INCRA, que cuida do pobre? Vamos balancear a coisa? Colocar um pouquinho para cada um?”, reforçou.
Por fim, Melo também somou esforços para pedir a volta da subcomissão dos quilombos na casa. Segundo ele, durante a atuação, eles avançaram bastante em questões de formação dos quilombolas, de empoderamento político, só não em titulação porque não depende só deles.
Outras lideranças, como Dona Diva (Quilombo Pedro Cubas de Cima); Benedito Alves da Silva (Ditão), Rodrigo Marinho e Laudessandro (Ivaporunduva); Neimar Lourenço dos Santos e Seu Antônio (Quilombo Caçandoca); Zeca (Quilombo de Poça) e Nodir Dias (Quilombo São Pedro e da Cooperquivale) também falaram sobre educação, a luta quilombola na época da ditadura, a influência do agronegócio nos órgãos públicos, titulação e desenvolvimento das Comunidades Quilombolas, a importância de não dispersar a luta e da representatividade política.
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Dona Diva, liderança do Quilombo Pedro Cubas de Cima|Claudio Tavares/ISA
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Benedito Alves da Silva (Ditão), do Quilombo de Ivaporunduva|Claudio Tavares/ISA
Frente parlamentar
Leci Brandão (PCdoB), Marcia Lia (PT) e Simão Pedro (PT), deputados estaduais, se somaram à discussão. Leci Brandão aproveitou a sua fala para criticar a ausência do Governo do Estado e seus secretários na sessão, assim como a mudança do ITESP e da pauta da Secretaria da Justiça para a Secretaria da Agricultura. Também, falou sobre a folclorização dos quilombolas, cujas origens estão no racismo e na manutenção de privilégios da elite brasileira, e colocou mais uma vez o seu mandato à disposição para ajudar.
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Deputada estadual Leci Brandão esteve presente e criticou a ausência do estado na questão|Claudio Tavares/ISA
Já Marcia Lia defendeu a titulação com o argumento da segurança jurídica, endossado em outros momentos da audiência, e protestou contra a Lei 17.557/2022, conhecida como a “Lei da Grilagem”, que beneficia latifundiários com um desconto de até 90% de desconto no valor final das terras públicas ocupadas ilegalmente.
Simão Pedro citou o racismo ambiental como um empecilho para as titulações, visto que o estado tem, sim, sido ágil para titular terras de grileiros. Essas barreiras atingem a segurança jurídica, mas também o modo de vida quilombola, que experimenta impactos negativos na saúde e na educação. Segundo ele, a garantia ao território é fundamental para preservação da cultura e isso será alcançado com mobilização, pressão e luta.
Poder público
Estiveram presentes também Elvio Aparecido Motta, da Superintendência Federal do Desenvolvimento Agrário de São Paulo; Maria Cristina Tarrega, gestora da recém criada Divisão de Territórios Quilombolas do INCRA São Paulo; Thiago Francisco Gobbo diretor adjunto de Regularização Fundiária e Andréa João assessora de Quilombos e outras Comunidades Tradicionais do ITESP; Rodrigo Luiz de Azevedo, assessor parlamentar do gabinete da Secretaria de Agricultura e Abastecimento; e Eduardo Baecker, coordenador auxiliar do Núcleo Especializado de Promoção da Igualdade Racial e de Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais da DPE (NUPIR) da Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
O INCRA expôs a dificuldade de estrutura dentro do órgão, justificando que a equipe é pequena, mas que estão lutando para levar o trabalho adiante e dar maior transparência ao processo como um todo, citando, inclusive, um grupo do WhatsApp com lideranças quilombolas de São Paulo. Disse ainda que está se esforçando para aprovar seis RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação), e citou os três decretos que serão publicados a favor das Comunidades Quilombolas: São Pedro, Galvão e Porto Velho, todos nos municípios Eldorado e Iporanga, em São Paulo.
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Da esquerda para a direita: Thiago Francisco, diretor da regularização fundiária da Fundação ITESP; Elvio Aparecido Motta, Comunidade Terreiro Ilê Axé Yansã, Pai de Santo Tata Kejessy; Andreia, da Fundação ITESP; e Rodrigo Luiz, representante do secretário da Agricultura|Claudio Tavares/ISA
Já o ITESP recuperou o encontro do dia anterior à audiência de representantes da CONAQ e EAACONE com o Secretário de Agricultura, Guilherme Piai, onde ficou acordado que a Procuradoria Geral do Estado, a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística e a Secretaria de Agricultura deverão constituir uma comissão para tratarem sobre as titulações dos territórios quilombolas com reuniões, a cada quatro meses, com ITESP e comunidades, e reforçou que ainda em 2024 irão titular duas comunidades, Pedro Cubas integralmente e Praia Grande parcialmente.
Ainda, após provocação das Comunidades Quilombolas, pela primeira vez o ITESP apresentou um cronograma, ainda que parcial, das titulações dos territórios quilombolas, indicando que até 2027 trabalharão para titular 11 comunidades no Vale do Ribeira que, segundo Piai, os territórios escolhidos são aqueles em que há menos situações de conflitos fundiários. No entanto, esse planejamento não foi feito com as Comunidades, e segundo o secretário e o ITESP, podem ser alterados por sugestão das mesmas.
Outro ponto foi relacionado ao orçamento. O Secretário de Agricultura afirmou que não tem recursos para fazer as titulações avançarem e pediu às comunidades que o ajudassem com esse tema, inclusive para disponibilização de recursos via emenda parlamentar. Representantes do ITESP e da Secretaria de Agricultura afirmaram que estão trabalhando para a realização de um concurso no órgão, e que a Secretaria não tem pessoal e estrutura para viabilizar um trabalho mais célere.
“As respostas dadas estão longe de fazer frente às demandas por titulações e a programação apresentada na reunião é uma iniciativa inicial e, ainda, tímida frente à demanda. O tratamento desigual e injustificável dado pela Secretaria e pelo ITESP para viabilizar a titulação de não quilombolas precisa ser revisto, e quilombolas precisam ser tratados com prioridade no órgão e na Secretaria de Agricultura para que as titulações avancem”, expôs Fernando Prioste, assessor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).
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Elvio Motta parabenizou o posicionamento da Defensoria Pública do estado e a mobilização das Comunidades Quilombolas para suas demandas|Claudio Tavares/ISA
A Superintendência Federal do Desenvolvimento Agrário de São Paulo, na pessoa de Elvio, disse que posicionamentos como o da Defensoria Pública ajudam a direcionar a ação dos governos, e resgatou que as comunidades quilombolas passaram praticamente seis anos com ausência de políticas públicas. Mas a reconstrução do MDA e da divisão quilombola do INCRA ocorreram por uma reivindicação das Comunidades. Segundo ele, o concurso do INCRA vai ser um avanço, um novo momento e uma nova possibilidade para esse grupo social.
“Lutaremos para que as próximas gerações tenham o direito à terra efetivado”
Para finalizar a audiência, Edna Ferreira (Comunidade Abobral Margem Direita, que aguarda a publicação do Relatório Técnico Científico pelo ITESP há anos) e Ataíde (Quilombo Pedro Cubas de Cima), fizeram a leitura da carta com todas as reivindicações expostas ao longo do encontro.
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Edna Ferreira, da Comunidade Abobral Margem Direita, que aguarda a publicação do RTC pelo ITESP, fez a leitura da primeira parte da carta|Claudio Tavares/ISA
“A falta de titulação dos nossos territórios afeta diretamente nosso modo de vida, nossa cultura, nossa forma de trabalhar, viver, criar e ser feliz [...] Nossa identidade como quilombola fica ameaçada, e muitos dos nossos, como Carlito do São Pedro, Laurindo de Praia Grande, e a Mãe Bernadete, da CONAQ, são assassinados quando ousam lutar por terra.”, diz a carta.
“Nós vamos continuar mobilizando nosso povo, mas também precisamos de apoio dos deputados e das organizações parceiras e, em especial, o Ministério Público do Estado de São Paulo, a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União atuem de forma coordenada, no âmbito de suas competências, para que nossos territórios sejam titulados”, pediu.
“Nossos antepassados lutaram para que nós, quilombolas, pudéssemos chegar até aqui. E nós, hoje, lutaremos para que as próximas gerações tenham o direito à terra efetivado”, finalizou o documento.
'A Amazônia é a Amazônia, porque lá resistem e sobrevivem populações tradicionais que cuidam, que têm compromisso com a biodiversidade.' Valéria Carneiro | Ester Cezar / ISA
Durante participação na 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP 16), em Cali, Colômbia, a Coordenação Nacional das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) apresentou dados que comprovam o papel dos territórios dessas populações tradicionais na conservação da diversidade biológica da Amazônia.
De acordo com eles, de 2003 a 2022 os quilombos perderam apenas 1,4% de florestas, ou 82% a menos que o entorno, segundo análise do Instituto Socioambiental (ISA). A conservação e a regeneração da vegetação nativa nessas áreas também são maiores do que nas áreas privadas.
Clique aqui e baixe o material produzido pelo ISA em parceria com a Conaq
Os dados foram apresentados na mesa de debates “Territórios Quilombolas na Defesa da Vida e da Biodiversidade na Amazônia”, no dia 21, que também contou com a participação do ISA e do Processo de Comunidades Negras da Colômbia (PCN). O evento aconteceu na chamada “Zona Verde” da COP, onde ocorreram atividades paralelas da sociedade civil.
“A Amazônia tem floresta, mas a Amazônia é a Amazônia porque lá resistem e sobrevivem populações tradicionais que cuidam, que têm compromisso com a biodiversidade”, afirmou Valéria Carneiro, integrante da diretoria da Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) e da coordenação da Conaq. Para ela, o espaço da COP 16 é essencial para expor as agressões ao bioma e aos seus povos tradicionais.
“Eu venho de uma região que está sendo engolida pelo agronegócio e chegar até aqui também é um momento oportuno de trazer os desafios que nós, quilombolas da Amazônia, vivenciamos lá”, apontou. Carneiro é do território quilombola de Pau Furado, na Ilha do Marajó (PA).
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Titulação garante mais proteção
Ainda de acordo com a análise do ISA, a regularização fundiária é essencial para garantir a preservação dos territórios quilombolas e da biodiversidade na Amazônia. As áreas tituladas, ou seja, com a regularização concluída, apresentaram 12% de carbono florestal a mais do que as não tituladas.
No entanto, dos 506 territórios quilombolas com limites oficialmente reconhecidos em toda a Amazônia brasileira, apenas 116 estão titulados e 390 estão em alguma das fases anteriores à titulação. Os dados são do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Sistema Nacional de Cadastro Ambiental Rural (Sicar).
“Os territórios quilombolas não titulados ainda são a maioria no Brasil e isso representa uma ameaça à conservação da biodiversidade. Quando as áreas dos nossos biomas são protegidas pelo manejo tradicional que as comunidades quilombolas fazem, as florestas, os manguezais, as restingas, matas ciliares, a fauna, toda biodiversidade ganha proteção e cuidado”, comentou Raquel Pasinato, assessora técnica do ISA, durante a COP 16.
“Se as comunidades ainda não têm o domínio fundiário dos territórios, eles ficam ameaçados pelo agronegócio, exploração minerária, pecuária extensiva e tantos outros usos que ameaçam a biodiversidade, exaurindo os recursos naturais e trazendo impactos socioambientais para nossa sociobiodiversidade. Por isso, titular é proteger!”, enfatizou.
Quilombos ainda são invisíveis
Os territórios quilombolas titulados somam 8,9 mil km², o que representa apenas 30% dos 28 mil km² desse tipo de área protegida já oficialmente identificado na Amazônia brasileira ‒ 1 km² é igual a mais ou menos 100 campos de futebol. Para se ter uma ideia, os quilombos oficialmente identificados representam apenas 0,4% dessa região, que soma cerca de 5 milhões km².
É preciso ressalvar ainda que 79% desses territórios não tiveram limites reconhecidos oficialmente na Amazônia brasileira, ou seja, permanecem invisíveis nas bases de dados oficiais e, logo, impedidos de se beneficiar com políticas públicas e ainda mais vulneráveis a pressões e ameaças, como o desmatamento ilegal e o roubo de terras.
“Não existe população quilombola sem território, sem biodiversidade”, afirmou Fran Paula, quilombola do Pantanal de Mato Grosso, integrante do coletivo de Meio Ambiente e Agricultura da Conaq e pesquisadora em agrobiodiversidade. “É muito importante a gente traçar estratégias desde o nível local, de proteção das nossas florestas, águas, dos nossos sistemas alimentares tradicionais, que são únicos no planeta, até estratégias globais, como a participação nessa COP”, complementou.
Fran destacou que o reconhecimento dos povos quilombolas para a conservação da biodiversidade “não é só como sujeitos de direitos, mas da nossa trajetória de luta, de resistência, de organização social. Há muito processo de articulação e mobilização de todos nós que estamos aqui, mas também de todas as pessoas que vieram antes da gente e que lutaram, inclusive, para que a gente pudesse estar hoje ocupando esse espaço na COP16”, finalizou.
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(E-D) Kátia Penha, da coordenação da Conaq; Raquel Pasinato, do ISA; e Valéria Carneiro, da coordenação da Conaq | Ester Cezar / ISA
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Povos indígenas e comunidades tradicionais caminham lado a lado em encontro histórico em Paraty (RJ)
1º Encontro Internacional de Territórios e Saberes defendeu garantia de direitos fundamentais e apontou conhecimento ancestral como solução climática em redação conjunta de carta para COP 30
Crianças conduziram a marcha que reuniu povos indígenas e comunidades tradicionais em Paraty (RJ) em setembro|Taynara Borges/ISA
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Representantes de povos indígenas e comunidades tradicionais de todo o Brasil caminharam lado a lado no ato “a luta para o Bem Viver”, que percorreu as ruas de Paraty (RJ) durante o 1º Encontro Internacional de Territórios e Saberes (EITS), ocorrido no mês de setembro.
Evidenciando propositalmente um contraste com os fortes resquícios coloniais do centro histórico da cidade, a caminhada em defesa da garantia de direitos fundamentais foi uma das mais de 70 atividades realizadas entre os dias 09 e 13 de setembro no encontro avaliado pelos movimentos e por parceiros como “histórico”.
Ao longo de uma semana, mais de 1.500 pessoas, dentre representantes de povos originários e comunidades tradicionais vindos de 22 países dos cinco continentes, compartilharam conhecimento, fortaleceram a resistência e expuseram a riqueza cultural de seus modos de vida e territórios, especialmente no que se refere aos caminhos para a conservação da vida no planeta.
O encontro foi marcado por denúncias acerca “dos imensos danos que o modelo colonialista capitalista gerou e continua gerando” em cada território originário e tradicional pelo Brasil.
E teve como objetivo a redação de uma carta com a apresentação de soluções que já são praticadas nos territórios pelas mãos e mentes dos povos e comunidades tradicionais, visando sua incidência na COP 30, a ser realizada no Brasil, em Belém (PA), em 2025.
A Carta Final do 1º Encontro Internacional de Territórios e Saberes (EITS) é explícita: “No fundo, as soluções para adiar o fim do mundo já́ existem nos territórios. Para conhecê-las, é preciso sair dos gabinetes, pisar nas terras onde os saberes tradicionais resistem, preservados. [...] O território fala. Pois, escutemos! Aprender com o que os territórios tradicionais falam é urgente”.
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Vaniely dos Anjos França Dias, do Quilombo São Pedro (Eldorado-SP), lê trecho da carta final do EITS no encerramento do evento, durante anúncio da criação do grupo "juventude tradicional"|Taynara Borges/ISA
A missiva e todas as demais atividades propostas pelo EITS tiveram um protagonismo muito bem demarcado. Foram as organizações dos povos e comunidades tradicionais que convidaram as universidades, os institutos de pesquisa, as instituições da sociedade civil e representantes do governo, em particular do Executivo Federal, a ouvir e aprender com quem, há séculos, preserva e aponta os caminhos para um Brasil mais verde e diverso.
“É excelente. Nós precisávamos mesmo de algo tão grandioso assim. Porque precisamos garantir que haja uma construção transversal de políticas para povos e comunidades tradicionais. Nossas culturas, territórios e modos de vida estão sendo atacados por mineradoras, por grandes empreendimentos ou por unidades de conservação integral que acabam com as comunidades”, denuncia Dauro Marques do Prado, morador da Jureia e integrante da Coordenação Nacional de Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC) e do Fórum dos Povos e Comunidades Tradicionais do Vale do Ribeira.
Na avaliação da organização do encontro, o EITS cumpriu com a proposta de estabelecer um marco histórico na articulação entre os movimentos e de demarcar a importância de seus saberes tradicionais e ancestrais para o conhecimento científico, especialmente no contexto das mudanças climáticas que empreendem eventos extremos ao redor do mundo.
O 1º Encontro Internacional de Territórios e Saberes partiu de uma iniciativa do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT) e do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal Fluminense (UFF), a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e o Colégio Pedro II.
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Reunidos, participantes do encontro celebram a construção conjunta da carta para incidência dos povos e comunidades tradicionais na COP 30 | Taynara Borges/ISA
Força, articulação e estratégia
Tendo por pano de fundo a finalização da carta de incidência na COP 30, o encontro foi uma tentativa de amplificar o que os povos e comunidades tradicionais da região fizeram lá em 2007 quando da criação do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT), uma união entre indígenas, caiçaras e quilombolas na resistência por seus territórios e na luta pelos tantos direitos comuns historicamente negados a estes coletivos.
Paraty é o primeiro Patrimônio Mundial Misto (natural e cultural vivo, não em ruínas) reconhecido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na América Latina. Para a coordenadora cultural da Unesco no país, Isabel de Paula, a realização do encontro na cidade “é de uma representatividade internacional única”.
“É de imensa relevância este encontro neste momento, quando um em cada três sítios do patrimônio cultural está sendo afetado pelas mudanças climáticas. E não é possível enfrentar esta realidade sem a valorização dos saberes e dos modos de vida de povos e comunidades tradicionais. Precisamos reforçar que ao perder a terra as pessoas perdem sua cultura e seus modos de vida. Vamos nos lembrar do lema da ONU: não deixar ninguém para trás”, defende a coordenadora.
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Cristiano Braga apresenta aos visitantes o manejo agroflorestal que ele e seus mais velhos cultivam no Quilombo da Fazenda (Ubatuba-SP)|Taynara Borges/ISA
Uma das estratégias propostas pela organização foi a sensibilização por meio da experiência. Por isso, os dois primeiros dias foram dedicados a vivências nos territórios indígenas, caiçaras e quilombolas da região que deram oportunidade para que todos os “não comunitários” experienciassem a riqueza cultural, a diversidade produtiva e os acúmulos de saberes dos quais os povos e comunidades tradicionais são detentores.
Nos demais dias, as discussões da programação se deram em torno de cinco eixos temáticos estratégicos: “Articulação em Redes”, “Educação, cultura e modos de vida”, “Ecologia de Saberes para a promoção do Bem Viver”, “Oceanos e Rios - redes de vida e saberes” e “Saúde, resiliência e organização social”.
Ao propor 76 atividades simultâneas, que ocorreram em três espaços montados em diferentes pontos da cidade, o FCT intencionou demonstrar a força da capacidade de articulação quando da união dos comunitários. A infraestrutura contou com auditório, cozinha com refeitório, tendas para os encontros e espaços de descanso, além de palcos para apresentações culturais e feira com venda de produtos artesanais.
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Cozinha das Tradições organiza “Banquetaço” com pratos tradicionais preparados com alimentos produzidos pelas comunidades|Taynara Borges/ISA
Todos os participantes se alimentaram gratuitamente com refeições preparadas pela Cozinha das Tradições, uma organização de mulheres do FCT que se dedicam ao fortalecimento das culturas alimentares tradicionais e destacam a riqueza e a diversidade produtiva dos territórios mantendo vivos pratos típicos preparados com ingredientes locais e técnicas ancestrais.
Território: vida, cultura e abundância
“O território é onde a gente produz a vida. Para nós, a terra não é comércio. Essa é a proposta do sistema capital. Ele empobrece as pessoas. Nós moramos numa região onde preservamos a maior área contínua de Mata Atlântica que resta no Brasil. Mas, para o capital, é a região mais pobre do estado de São Paulo. Nós não somos pobres. Ali há uma riqueza abundante. Então tudo isso está ligado: a manutenção deste espaço, a manutenção da vida, a manutenção da cultura e manutenção das gerações futuras.”
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Dona Diva e Laudessandro, lideranças quilombolas do Vale do Ribeira, debatem em mesa sobre território e patrimônio|Taynara Borges/ISA
A fala é de Laudessandro Marinho da Silva, liderança do Quilombo Ivaporunduva (Eldorado-SP), durante a discussão “Cultura e identidade: preservação e salvaguarda do patrimônio cultural como estratégia de defesa dos territórios tradicionais”.
“Nós estamos aqui dando subsídios para que aqueles que vão lá para os governos saibam o que cada comunidade precisa. Nós sofremos muita opressão. O Brasil foi fundado em cima disso. Precisamos nos libertar! Mas desde o nível municipal, os governantes não aceitam nossa presença, não dialogam, não nos recebem em seus gabinetes. Eles querem nos vencer pelo cansaço. Mas não vamos desistir.”
Assim enfatizou Edvina Silva, a Dona Diva, do Quilombo Pedro Cubas de Cima (Eldorado-SP) que, ao lado de Laudessandro, comentou a experiência das comunidades quilombolas da região do Vale do Ribeira (SP) cujo Sistema Agrícola Tradicional (SAT) fora reconhecido enquanto Patrimônio Cultural Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan).
“Estas sementes modificadas que estão nas casas de agricultura exigem muitos insumos para serem cultivadas. Mas as nossas sementes crioulas, que preservamos há mais de 400 anos, não. Elas são resistentes ao nosso manejo. É por isso que fizemos em agosto nossa 15ª Feira de Troca de Sementes e Mudas Tradicionais das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira, para poder resgatar nossa cultura. Isso faz parte da garantia dos quilombolas no território. Essa é a importância do patrimônio”, reforçou Laudessandro.
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Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba lança Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária e inaugura loja no centro histórico de Paraty|Taynara Borges/ISA
Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária
Com o encerramento das atividades, ao final de semana os participantes puderam conhecer parte dos roteiros turísticos que serão oferecidos pela Rede Nhandereko de Turismo de Base Comunitária, que reúne visitas guiadas, alimentação e hospedagem em territórios indígenas, caiçaras e quilombolas no litoral sul do Rio de Janeiro e litoral norte de São Paulo.
Idealizada pelo Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba (FCT), a rede é inteiramente articulada e gerida pelas comunidades e foi lançada durante o EITS como o primeiro produto a ser comercializado no Armazém do Território, uma loja física localizada no centro histórico de Paraty, também inaugurada na ocasião, para comercialização de produtos das comunidades, desde alimentos até o artesanato.
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Organizadores e participantes celebram encontro que fortaleceu a resistência e apresentou a riqueza cultural dos territórios|Taynara Borges/ISA
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Exposição quilombola “Roça é Vida” chega ao Vale do Ribeira
Aquarelas, ferramentas e artesanatos que representam o modo de vida do Quilombo São Pedro chegam ao Sesc Registro (SP) após passagem pelo Museu Afro, em São Paulo
Amanda Nainá dos Santos / Título: Contemplando território / 2022 / Aquarela sobre papel
A chegada da exposição Roça é Vida ao Sesc Registro (SP), no dia 21 de setembro, dará ao público do Vale do Ribeira a oportunidade de entrar em contato com o modo de vida e conhecer a história de uma importante comunidade tradicional dessa região: o Quilombo São Pedro, localizado no município de Eldorado (SP).
Com aquarelas, fotografias, ferramentas e artesanato, a exposição foi construída com o objetivo de contribuir para com o fortalecimento da valorização da cultura e memória dos quilombos do Estado de São Paulo.
Além disso, ela é uma importante estratégia de salvaguarda do Sistema Agrícola Tradicional das Comunidades Quilombolas do Vale do Ribeira (SATQ), reconhecido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) como Patrimônio Cultural Brasileiro.
O acervo de pinturas é composto pelos originais e por reproduções das ilustrações dos livros “Roça é Vida” (2020) e “Na companhia da produção do Dona Fartura: uma história sobre cultura alimentar quilombola” (2022), ambos ilustrados pelos artistas visuais Amanda Nainá dos Santos e Vanderlei Ribeiro e escritos por Laudessandro Marinho da Silva, Luiz Marcos de França Dias, Márcia Cristina Américo e Viviane Marinho Luiz, pesquisadores e educadores quilombolas e aquilombados do território.
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Amanda Nainá dos Santos / Título: Crianças árvore / 2022 / Aquarela sobre papel
Ilustração para o livro “Na companhia de Dona Fartura, uma história sobre cultura alimentar quilombola”
As obras, assim como toda a exposição, retratam a riqueza cultural, a diversidade produtiva e possibilitam um olhar mais aprofundado acerca do modo de vida das comunidades negras rurais quilombolas, detentoras de saberes deste e de outros tempos, guardiãs das florestas e aquelas que, ao lado de demais povos e comunidades tradicionais, possuem a chave para um desenvolvimento socioambiental que alie o bem viver a uma economia ambiental e socialmente sustentável e justa.
A itinerância da exposição “Roça é Vida” é resultado de uma parceria entre a Associação dos Remanescentes de Quilombo de São Pedro, a Associação Museu Afro Brasil Emanoel Araujo e o Sesc São Paulo.
Vídeo documentário “Quilombo São Pedro: Modo de ser e viver”, elaborado especialmente para a mostra:
(Com informações do Sesc São Paulo)
Serviço
Exposição “Roça é Vida”
Abertura: 21 de setembro de 2024, às 13h
Visitação: 21 de setembro de 2024 a 02 de fevereiro de 2025
Horário: De terça a sexta, das 13h às 21h30; sábados, domingos e feriados, das 10h às 19h
Local: Sesc Registro
Endereço: Avenida Prefeito Jonas Banks Leite 57 Prédio KKKK – Centro, Registro – SP
Entrada gratuita
Exposição Roça é Vida no Museu Afro Brasil Emanoel Araújo|Foto: Henrique Luz
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