Brasil Socioambiental: desenvolvimento, sim. De qualquer jeito, não.
Um dos motes do ISA em sua fundação
A política é o meio de exercer a cidadania para garantir direitos. Nesse campo, o ISA visa contribuir para o Brasil ser um país mais justo e sustentável, a partir de marcos legais, institucionais e de políticas públicas que reflitam os desafios colocados à sociedade brasileira, incluindo povos indígenas e comunidades tradicionais, cujo papel para a manutenção de nosso patrimônio socioambiental é fundamental. Com o trabalho em Política e Direito, trazemos para o debate público e à formulação de normas e políticas as experiências desenvolvidas por e com nossos parceiros, bem como o conhecimento acumulado pelo próprio ISA nos temas socioambientais.
Atuar com o tema Política e Direito é um dos pilares do trabalho do ISA desde sua criação. O Núcleo de Direitos Indígenas (NDI), organização que precedeu e integrou a fundação do ISA, foi uma referência na sociedade civil brasileira nos anos 80 e 90, atuando junto aos poderes da República para a implementação dos direitos constitucionais indígenas, conquistados na Constituição de 1988. O trabalho do Programa Povos Indígenas do Centro Ecumêmico de Documento e Informação (Cedi), outra instituição que participou da criação do ISA, também sempre esteve voltado para a garantia dos direitos dos Povos Indígenas.
Desde sua fundação, em 1994, o ISA ampliou essa atuação para outros temas socioambientais, tendo participado ativamente de debates sobre a formulação de leis e políticas fundamentais ao desenvolvimento sustentável do País. Esse trabalho requer constante articulação interinstitucional no âmbito da sociedade civil, dos movimentos sociais e com outros setores, o que fazemos por meio da participação de nossos advogados, pesquisadores e ativistas em coletivos, fóruns e redes.
A missão da equipe do ISA que atua diretamente com o tema Política e Direito valoriza as iniciativas políticas e legislativas de caráter propositivo, qualificando o debate público e apresentando soluções aos desafios em pauta, mas sem abrir mão dos recursos de obstrução e das estratégias de denúncia e de resistência política contra qualquer ameaça de retrocesso.
A equipe do ISA reúne perfis multidisciplinares e opera em articulação direta com os demais times da organização, sempre antenada com as demandas e propostas da sociedade civil para a agenda socioambiental e atenta à atuação dos atores políticos e tomadores de decisão. Além disso, atuamos inspirados pelo movimento social que mobiliza milhares de corações e mentes pelo Brasil para transformar o País em um lugar mais justo e sustentável.
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Perna de pau
Donald Trump, que tirou os EUA da COP, quer investigar o desmatamento ilegal na Amazônia. O que há por trás desse interesse súbito na madeira brasileira?
Márcio Santilli
- Sócio fundador e presidente do ISA
A COP 30, marcada para novembro em Belém, será a primeira conferência após a retirada dos Estados Unidos das negociações climáticas internacionais. O país já havia abandonado o campeonato do clima em 2017, durante o primeiro governo de Donald Trump, mas agora o afastamento se torna ainda mais grave diante da piora das condições climáticas no mundo todo, inclusive no país norte-americano.
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Navio sendo carregado com madeira certificada no porto de Belém, no Pará|Divulgação/Grupo Matapi
Os Estados Unidos são historicamente o maior emissor de gases do efeito estufa e o hoje são o segundo maior emissor, atrás apenas da China. Mas, enquanto a China investe pesado na geração de energias limpas e prevê o início de sua redução para 2030, os EUA anunciam o fim de incentivos para geração de energia sustentável e o aumento da produção de carvão, petróleo e seus derivados.
Trump não apenas despreza a emergência climática, mas também o multilateralismo e a reciprocidade nas relações internacionais. No atual mandato, o presidente estadunidente deflagrou uma guerra tarifária contra seus maiores parceiros comerciais, guerra essa que conduz de modo totalitário, impondo condições e valores arbitrários, tumultuando a economia mundial e a confiança entre os seus aliados. A legislação dos Estados Unidos prevê o uso do tarifaço apenas em situações que representem ameaça à segurança nacional. Trump, porém, distorce essa prerrogativa, alegando falsamente que os parceiros exploram o país e ampliam seu déficit comercial. Trata-se, na prática, de uma cortina de fumaça para impor sanções políticas.
Os EUA mantêm superávit comercial com o Brasil há décadas. Trump foi além e decretou uma tarifa extorsiva de 50% à maior parte dos produtos vindos do Brasil. Ele viola a lei americana para violar a soberania brasileira, punindo ministros de Estado e do STF, e condicionando a revogação à impunidade de Jair Bolsonaro. O governo estadunidense agora exige que o STF desista de julgar golpistas e que o Congresso os anistie, para que continuem golpeando a nossa democracia. Trump quer, sobretudo, que Lula afaste o Brasil dos BRICS, desarticulando-o. E pressiona a Índia nessa mesma direção.
Para sustentar a pressão sobre o Brasil, o governo dos EUA anunciou, no dia 15 de julho, a abertura de uma investigação formal contra o país. Ela envolve diversos fronts de interesses norte-americanos, desde propriedade intelectual, atuação das redes sociais, proteção ao etanol e combate à corrupção. Além de Bolsonaro, Trump quer encher a cena com outros bodes expiatórios, deixando claro que não é uma questão de tarifa.
A investigação promovida por Trump incluirá o bode do desmatamento ilegal. Ou seja, ele retira os EUA das negociações sobre o clima e corta os recursos destinados à proteção do meio ambiente e da Amazônia, mas quer incluir o desmatamento entre as pendências, ignorando o esforço bem sucedido do governo brasileiro na sua redução. A alegação do governo americano é de que o desmatamento ilegal na Amazônia viabiliza o acesso da madeira brasileira no mercado a preços mais competitivos que os de lá. Mas não há comentário sobre a importação de madeira da Amazônia sem a comprovação de origem e sem o pagamento pelo manejo florestal.
A madeira brasileira é exportada para os EUA através do porto de Belém e o anúncio das tarifas foi amplamente repudiado pelos paraenses. No último dia 6, a Câmara Municipal de Belém aprovou, por unanimidade, o título de “persona non grata” para Trump, como que endossando, pelo avesso, a decisão dele de excluir os Estados Unidos da COP30.
Mas esse não é o apito final. Não devemos esperar que os EUA desapareçam da cena – assim como não aconteceu em 2017. No afã de destruir o multilateralismo, a COP30 pode ainda interessar a Trump como objeto de destruição. Caso as negociações tomem um rumo contrário aos seus interesses, nada o impede de retaliar com mais tarifas e sanções.
O governo brasileiro e demais responsáveis pela COP30 devem estar atentos à eventual tentativa de boicote por parte dos EUA. O grande ausente pode virar uma pauta necessária. Além do gigantesco desafio da emergência climática temos agora, também, uma emergência totalitária.
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As principais informações sobre o ISA, seus parceiros e a luta por direitos socioambientais ACESSE TODAS
Mulheres indígenas do Rio Negro cobram ações contra câncer de colo de útero na IV Marcha das Mulheres Indígenas
Comitiva participou de reuniões e apresentou relatório técnico com recomendações para o enfrentamento ao crescente número de casos da doença na região
Com a pauta urgente do enfrentamento ao câncer de colo de útero entre mulheres indígenas da região do Rio Negro, o Departamento de Mulheres Indígenas da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Dmirn) levou denúncias, dados e propostas a autoridades em Brasília, durante a IV Marcha de Mulheres Indígenas e a I Conferência Nacional das Mulheres Indígenas, realizadas de 2 a 8 de agosto.
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Delegação do Rio Negro esteve presenta na IV Marcha de Mulheres Indígenas, que aconteceu em Brasília|Luma Prado/ISA.
Representantes das 23 etnias da região reforçaram a necessidade de políticas públicas efetivas para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da doença, que atinge as mulheres indígenas em taxas até quatro vezes maiores que as registradas na população não indígena.
A comitiva — composta pela coordenadora do Dmirn, Cleocimara Reis Gomes, articuladoras regionais do departamento, a vereadora indígena de São Gabriel da Cachoeira Jakeline Vieira, a coordenadora regional da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) no Rio Negro, Maria do Rosário, a representante da Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma Lucilene Pereira, e a assessora de gênero e antropóloga do Instituto Socioambiental (ISA) Dulce Morais — participou de reuniões com representantes da Funai, Ministério das Mulheres, Ministério da Saúde e Secretaria de Saúde Indígena em Brasília, onde apresentaram o relatório técnico Saúde da Mulher Indígena e Câncer do Colo de Útero em São Gabriel da Cachoeira.
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Reunião das lideranças com Putira Sacuena, diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena, em Brasília|Rede Wayuri
O documento foi elaborado em parceria entre o Programa Rio Negro do ISA e o Departamento de Mulheres Indígenas, em diálogo com os Distritos Sanitários Especiais Indígenas Alto Rio Negro e Yanomami e Yekwana, a Secretaria Municipal de Saúde, a Comissão Permanente de Saúde, Educação e Assistência Social da Câmara Municipal e, por fim, a Associação Civil de Direito Privado, sem fins lucrativos, IBSAÚDE.
Ele destaca a visão das mulheres rionegrinas sobre o que significa ter saúde, entendida por elas não só como a ausência de doenças, mas como o conjunto de condições para viver com dignidade, em harmonia com a natureza e a comunidade, conforme destacado por elas no Plano de Gestão Territorial e Ambiental (PGTA) do Alto e Médio Rio Negro.
Apesar de solicitados dados ao Distrito Sanitário Especial Indígena Alto Rio Negro e à Secretaria Municipal de Saúde referentes aos últimos cinco anos sobre casos de câncer de colo de útero por comunidade indígena em São Gabriel da Cachoeira, não houve retorno até a apresentação do relatório às autoridades.
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Mulheres rionegrinas também marcharam contra violência de gênero em seus territórios|Dulce Morais/ISA
Desde 2016, o Departamento de Mulheres Indígenas atua de forma estruturada na pauta da saúde da mulher, com foco especial na prevenção e enfrentamento das violências. Em 2022, após a ocorrência de seis mortes pela doença, o diálogo com instituições públicas foi intensificado para compreender os casos e buscar estratégias de cuidado e prevenção no município.
De acordo com a pesquisa The intersection of race/ethnicity and socioeconomic status: inequalities in breast and cervical cancer mortality in 20,665,005 adult women from the 100 Million Brazilian Cohort, publicada em 2022, as desigualdades étnico-raciais são significativas quando se trata de mortalidade por câncer de mama e colo de útero no Brasil. Os dados apontam que a mortalidade por câncer de colo de útero foi especialmente alta entre mulheres indígenas (80% maior), asiáticas (63%), 27% maior entre pardas e 18% maior entre mulheres pretas.
Já o estudo Cervical cancer screening in Brazilian Amazon Indigenous women: Towards the intensification of public policies for prevention (Novais, 2023), que analisou dados de exames de Citologia Oncótica do colo do útero de mulheres indígenas de várias etnias da Amazônia brasileira, mostra que a prevalência de lesões de alto grau — que podem levar ao câncer do colo do útero — foi de 3 a 4 vezes maior em mulheres indígenas em comparação com não indígenas na faixa etária de 25 a 64 anos.
Associada à infecção pelo HPV, vírus sexualmente transmissível, e ao impacto do tratamento da doença na fertilidade feminina, o câncer de colo de útero exige prevenção, com exames e vacinação, diagnóstico precoce e acesso ao tratamento adequado para garantir os direitos reprodutivos das mulheres, incluindo a possibilidade de gestação após o tratamento.
Na região do Rio Negro, as mulheres indígenas enfrentam diversas barreiras culturais e logísticas que dificultam o acesso ao atendimento médico e à realização do exame preventivo do câncer de colo de útero. Muitas precisam se deslocar das comunidades até a sede do município de São Gabriel da Cachoeira, o que, em muitos casos, significa percorrer longas distâncias de barco. Além disso, a impossibilidade de levar os filhos e a falta de informação sobre os procedimentos e resultados afastam ainda mais as mulheres do diagnóstico e tratamento.
Fatores culturais, alimentares e linguísticos também impactam os cuidados de saúde dessas mulheres. A adaptação à alimentação urbana, muitas vezes distinta da consumida nas comunidades, pode interferir nos tratamentos, sobretudo quando há regras tradicionais de resguardo, como restrições ao consumo de pimenta, certos tipos de peixe ou carnes de caça.
O relatório destaca ainda que a língua é fundamental para uma comunicação eficaz e que conhecer os costumes das diferentes etnias é essencial para que tanto profissionais indígenas quanto não indígenas saibam como dialogar com as mulheres, especialmente aquelas de etnias de recente contato, que muitas vezes recebem atendimento com a ajuda de intérpretes que comunicam em Tukano, língua que não é a primeira desses povos.
Por fim, o relatório reforça a necessidade de articulação permanente entre as mulheres indígenas, os DSEIs e a Secretaria Municipal de Saúde para o desenvolvimento de estratégias coletivas e territorializadas de prevenção e cuidado contra o câncer de colo de útero.
Destaca ainda iniciativas já realizadas na região e que mostram que, quando o preventivo é realizado de forma estruturada, qualificada, com profissionais mulheres e com devolutiva do resultado junto com conversas, explicações e tratamentos, as mulheres indígenas demonstram maior adesão ao exame e aos cuidados necessários para a prevenção e tratamento da doença.
Como exemplo da eficácia e importância dessa articulação, o documento traz a atuação dos Expedicionários da Saúde (EDS), que em 2023 realizou a expedição “Mulheres da Floresta” e atendeu 168 mulheres em São Gabriel da Cachoeira.
Também, ressalta o Projeto de Manejo do Risco de Câncer Cervical (MARCO), que em 2024 e 2025 aplicou método de rastreio de HPV com amostras autocoletadas entre mulheres de 30 a 49 anos. Além disso, menciona o projeto “Redes de Cuidado: construção da linha de cuidado do câncer de colo de útero”, desenvolvido nos territórios indígenas Yanomami e Xingu com apoio da Unifesp, UFMG, Projeto Xingu e ISA.
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Cleocimara Reis Gomes e Almerinda Ramos foram homenageadas na sessão solene do Plenário da Câmara|Rede Wayuri
Em 2025, o projeto chegou à comunidade de Maturacá (localizada na TI Yanomami no AM) por meio da articulação da Associação de Mulheres Yanomami Kumirayoma. Em junho, a equipe realizou 200 exames de Papanicolau, fez a análise e o tratamento dos casos identificados e capacitou profissionais de saúde indígena para atuar nessa linha de cuidado.
A metodologia deste último projeto, que já conseguiu erradicar a doença entre as mulheres xinguanas e apresenta bons resultados no território Yanomami em Roraima, motivou o Departamento de Mulheres Indígenas do Rio Negro a solicitar à Secretaria de Saúde Indígena recursos para expandir o projeto a São Gabriel da Cachoeira, Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos, contemplando as 23 etnias da região.
Como prioridade, as representantes indígenas enfatizam durante as articulações em Brasília o fortalecimento dos fluxos de biópsia uterina no atendimento à saúde indígena, garantindo a liberação ágil dos resultados, sobretudo nos casos encaminhados via Casas de Apoio à Saúde Indígena (Casai).
Outras recomendações incluem priorizar o acesso das mulheres indígenas — especialmente em casos oncológicos — aos serviços de referência e contrarreferência do Sistema Único de Saúde (SUS), considerando barreiras territoriais, logísticas e culturais.
Também apontam para a garantia de que o atendimento e acompanhamento de casos de câncer de colo de útero sejam feitos por equipe multidisciplinar, com nutricionista, psicóloga e conhecedora tradicional.
Além disso, recomendam a oferta de ações itinerantes periódicas de ginecologia, colposcopia, biópsia, contracepção e planejamento reprodutivo, evitando deslocamentos desnecessários, a contratação de médicas mulheres para atendimento ginecológico em terras indígenas e a produção e disseminação de informações nas línguas indígenas sobre prevenção e cuidados relacionados à saúde sexual e reprodutiva.
Rionegrinas em marcha
Para além dos trabalhos de incidência política, as rionegrinas participaram da programação da IV Marcha de Mulheres Indígenas, tendo destaque na mesa do Júri Ancestral, com leitura das denúncias contra as violências sofridas pelas mulheres rionegrinas. Também marcaram presença na mesa internacional “Planos de Vida: territórios seguros para a vida das mulheres indígenas e experiências sobre instrumentos de salvaguarda na perspectiva das mulheres indígenas”, na qual Cleocimara Reis apresentou os trabalhos do departamento no enfrentamento às violências, que resultaram na publicação do livreto Cuidados e prevenção no enfrentamento à violência contra mulheres no Rio Negro.
Por esse trabalho, que envolve formações, produção de livretos e participação na Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), o Dmirn foi um dos grupos de mulheres indígenas homenageados na sessão solene que aconteceu no Plenário da Câmara em reconhecimento aos trabalhos no enfrentamento às violências contra mulheres indígenas.
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A que está disposto o Congresso Nacional?
O ISA se solidariza com a deputada Célia Xakriabá diante de ataques racistas e da violência política que enfrenta
Célia Xakriabá, deputada federal por Minas Gerais, em sua posse|Benjamin Mast/La Mochila Produções/ISA
Na noite em que o Congresso Nacional aprovou o desmonte da principal política ambiental do país, o licenciamento ambiental, testemunhamos também um dos episódios mais graves de violência política contra os povos indígenas, materializado nos ataques racistas à deputada federal Célia Xakriabá.
Célia não representa apenas a si mesma. É porta-voz de 305 povos indígenas, de mais de um milhão de brasileiras e brasileiros que seguem resistindo à violência histórica que ameaça seus territórios, culturas, corpos e modos de vida.
Durante a sessão, a condução do presidente da Câmara, deputado Hugo Motta, abriu espaço para práticas inaceitáveis: cortes de microfone, interrupções deliberadas e permissividade com discursos racistas, machistas e coloniais. Um ambiente que, ao silenciar uma mulher indígena, autoriza e legitima a escalada de discursos de ódio e violência simbólica e institucional.
É inadmissível que, no plenário da Câmara dos Deputados, espaço que deveria refletir a pluralidade do povo brasileiro, tentem deslegitimar e atacar uma parlamentar eleita com expressiva votação popular, usando como alvo justamente sua identidade, cultura e ancestralidade.
A tentativa de desqualificar Célia Xakriabá revela um Congresso cada vez mais capturado por forças antidemocráticas, racistas e negacionistas.
Não é coincidência que esses ataques se intensifiquem diante da firme denúncia feita por Célia sobre o ecocídio em curso no país. Sua presença e sua fala desestabilizam aqueles que preferem manter o Brasil submisso à lógica do saque e da destruição ambiental.
Célia Xakriabá é resistência, força e dignidade. Sua voz se levanta não apenas em defesa dos povos indígenas, mas em defesa do futuro de todo o país.
O Instituto Socioambiental (ISA) manifesta sua total solidariedade à deputada Célia Xakriabá. Sua presença no Parlamento é símbolo de resistência, ancestralidade e compromisso com a vida.
Os ataques que Célia sofre não são isolados, refletem um projeto político de apagamento dos povos indígenas, de destruição ambiental e de silenciamento das vozes que defendem a diversidade e a democracia.
Que a força da sua trajetória, enraizada na luta coletiva e na sabedoria ancestral, siga iluminando caminhos de justiça, dignidade e futuro para o Brasil. Porque, como ela mesma afirmou: “antes do Brasil da Coroa, existe o Brasil do cocar”.
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Câmara aprova ‘PL da Devastação’, o maior retrocesso ambiental do país em mais de 40 anos
Deputada indígena Célia Xakriabá foi alvo de preconceito em sessão realizada de madrugada, no último dia do semestre legislativo. Presidente Lula tem 15 dias úteis para sancionar ou vetar projeto
O relator do PL do Licenciamento Ambiental, deputado Zé Vítor (PL-MG) | Bruno Spada / Câmara dos Deputados
Texto atualizado em 18/7/2025, às 11:40.
Com apoio do centrão, de ruralistas e bolsonaristas, o plenário da Câmara aprovou, na madrugada desta quinta-feira (17/07), o que é considerado o maior retrocesso ambiental no país desde pelo menos os anos 1980.
O texto principal do projeto de lei (PL) 2.159/2021 foi aprovado por 267 votos a 116 (veja como votou cada parlamentar). O PL acaba com o licenciamento ambiental como é conhecido hoje, abrindo caminho para uma desregulação em larga escala da política ambiental no país.
O PT, PSOL, Rede, PRD, PDT, a maioria e o governo orientaram contra. O PSB não orientou sua bancada. Todos os demais partidos e a oposição defenderam a proposta. A votação foi conduzida pelo presidente da Câmara, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), em um plenário esvaziado, em formato de votação híbrido (presencial e remotamente).
O projeto foi aprovado pelo Senado em maio. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem agora até 15 dias úteis para vetar ou sancionar a nova lei. Não há informação de quando exatamente ele irá fazer isso.
A votação pode colocar na berlinda a pretensão do Brasil de ser protagonista nas negociações internacionais sobre mudanças climáticas a pouco mais de quatro meses da COP 30, conferência internacional sobre o assunto que irá receber representantes de todo mundo em Belém (PA).
“O presidente Lula, com certeza, vai vetar esse PL da devastação”, afirmou o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). Ele e o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista, Nilto Tatto (PT-SP), pediram mais mobilização contra o projeto num vídeo postado nas redes sociais após a votação.“Precisamos do apoio da sociedade para fazer com que o presidente Lula tenha as condições para vetar o projeto”, disse Tatto.
"O MMA sempre sinalizou de forma clara sua discordância em relação aos conteúdos do PL que fragilizam os instrumentos de licenciamento ambiental e representam risco para a segurança ambiental e jurídica do país", disse em nota o Ministério do Meio Ambiente (MMA). "Diante da aprovação do projeto, o MMA avaliará os caminhos institucionais mais adequados para enfrentar os prejuízos decorrentes da ausência de procedimentos de licenciamento ambiental compatíveis à preservação e uso sustentável das imensas riquezas naturais do nosso país. A equipe técnica do MMA já trabalha na análise dos encaminhamentos cabíveis. O ministério reitera a disposição para seguir em diálogo com o Congresso Nacional e os diferentes setores da sociedade", informa o texto.
Apesar de grande oposição da sociedade civil, de movimentos sociais, cientistas, procuradores e da área socioambiental do governo, ministros como os da Agricultura, Carlos Fávaro, de Minas e Energia, Alexandre Silveira, dos Transportes, Renan Filho, e da Casa Civil, Rui Costa, manifestaram apoio ao texto aprovado nos últimos meses. Portanto, ainda é difícil avaliar se Lula de fato vai vetar o projeto e qual a extensão do veto.
“É uma tragédia para nossa política ambiental, um dia que lembraremos para sempre: a marca do descontrole ambiental no país”, disse Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima (OC).
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Deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi desrespeitada e alvo de manifestações preconceituosas de parlamentares na sessão|Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Desrespeito e preconceito
A deputada indígena Célia Xakriabá (PSOL-MG) foi desrespeitada e alvo de manifestações preconceituosas de parlamentares ruralistas e bolsonaristas após criticar duramente o projeto. A parlamentar queixou-se várias vezes a Motta de que suas questões de ordem não estavam sendo respondidas e que teve sua vez de falar desconsiderada.
Os deputados Coronel Fernanda (PL-MT), Kim Kataguiri (União-SP) e Rodolfo Nogueira (PL-MS) fizeram falas mencionando de forma irônica um “pavão”. Célia estava usando um cocar, como faz em geral. Kataguiri também usou a palavra “tribo” para se referir a deputada e a comunidades indígenas. Já o deputado Sargento Gonçalves (PL-RN) referiu-se a ela como “índia”.
A deputada aproximou-se de Kataguiri para responder aos ataques e foi cercada por outros parlamentares. Diante da situação, pouco depois deixou o plenário.
“Durante a votação do PL da Devastação, fui atacada de forma racista por parlamentares que zombaram do meu cocar, tentando me deslegitimar enquanto parlamentar e mulher indígena”, afirmou hoje pela manhã em um post no Instagram.
“Infelizmente, essa não foi a primeira nem a segunda vez que sou alvo desse tipo de violência dentro do Congresso Nacional. O que me indigna é perceber como o racismo segue sendo naturalizado nesses espaços de poder. Durante os ataques, o presidente da Casa se manteve em silêncio. Não aceitarei isso calada”, continuou.
Ao final da sessão, o presidente da Câmara disse não concordar com “nenhum tipo de violência, seja ela física, seja ela de gênero, seja ela política”, mas não repreendeu os ataques contra Célia nem se solidarizou com a parlamentar.
"A aprovação de um projeto que amplifica as possibilidades de devastação ambiental, somada aos ataques e ao silenciamento de uma parlamentar indígena que atravessaram toda a sessão, demonstraram a que o Congresso está disposto: à destruição, e não a um projeto de nação ambientalmente equilibrada que respeite sua pluralidade de povos e sua diversidade. A judicialização é certa, mas já perdemos enquanto povos brasileiros, sociedade e democracia", lamentou Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA).
"Votar uma matéria tão relevante, de forma híbrida, na madrugada, em uma sessão com manifestações desrespeitosas e preconceituosas é uma das maneiras da Câmara demonstrar seu total descaso com as questões socioambientais mais uma vez. Toda nossa solidariedade à deputada Célia Xakriabá", salientou Adriana Ramos, secretária-executiva do ISA.
Insegurança jurídica
Apelidado de “mãe de todas as boiadas” e “PL da Devastação” em virtude da amplitude de suas possíveis consequências, o projeto dá ao governo a possibilidade de estabelecer ritos simplificados e acelerados para liberar obras e atividades econômicas de grande impacto ambiental, sem nenhum critério previamente definido, com base em pressões políticas, a chamada Licença Ambiental Especial (LAE).
Também banaliza a dispensa de licenças e a Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o chamado autolicenciamento, tornando exceção o licenciamento convencional, com análise de impactos prévios e controle dos órgãos ambientais. Pelo procedimento, o empresário pode tirar uma licença preenchendo um formulário na internet e se comprometendo de “boa-fé” que irá seguir algumas regras (saiba mais no quadro ao final do texto).
O Supremo Tribunal Federal (STF) já têm decisões contra algumas das determinações do PL, como a LAC para empreendimentos de médio porte e a dispensa de licenciamento para a agropecuária. Há risco, portanto, de uma eventual nova lei ser questionada na Corte.
Integrantes da bancada ruralista, como o próprio relator, deputado Zé Vítor (PL-MG), admitiram que vários dispositivos da nova lei deverão ser alvo de ações judiciais, mas se recusaram a exclui-los do texto. A atitude vai contra um dos principais argumentos do grupo: a de que a nova legislação traria mais segurança jurídica.
“A gente está muito apreensivo“, disse o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Rodrigo Agostinho, em entrevista à reportagem do ISA. “Identificamos mais de 40 pontos muito complicados no PL e que vão causar insegurança jurídica, inclusive no setor empresarial”, complementou.
Ele reforça o argumento de que os principais problemas do licenciamento no país são os estudos mal feitos pelas empresas e a desestruturação dos órgãos ambientais. Agostinho informa que no Ibama hoje há apenas 200 servidores para analisar mais de 4 mil processos.
“O que nós estamos propondo é uma atualização, uma racionalização dos processos de licenciamento ambiental”, defendeu Zé Vítor. "O que não há espaço é para burocracia e para questões ideológicas e subjetivas”, disse. Ele negou as principais críticas feitas ao projeto, como a de que ele vai provocar uma explosão do desmatamento e de que vai enfraquecer os controles sobre empreendimentos de impacto socioambiental significativo, como a construção de barragens de rejeitos minerais.
Análise produzida pelo ISA mostrou que 85% dos empreendimentos de mineração em Minas Gerais seriam autorizados por licenças simplificadas, segundo o texto aprovado agora. Outra análise da organização mostrou que cerca de três mil áreas protegidas seriam ameaçadas e uma extensão do tamanho do Paraná pode vir a ser desmatada se nova lei não for vetada.
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Hugo Motta (Republicanos-PB) preside sessão na Câmara que acabou com o licenciamento ambiental|Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Manobras e clima quente
Motta foi criticado por seguir em ritmo acelerado com a votação de um tema tão complexo e controverso até cerca de 3h30 da manhã, num plenário já esvaziado, depois de mais de 10 horas de debates e votações de outras matérias.
A análise do PL também foi facilitada por manobras regimentais do deputado. Ele autorizou que os parlamentares pudessem votar de casa em todas as sessões da semana, reduzindo a possibilidade de debate e o desgaste na discussão de pautas polêmicas, como é o caso do licenciamento.
A medida não é comum, sobretudo na última semana do semestre legislativo, quando se acumulam matérias mais controversas para votação e que em geral exigem presença física no plenário. Nesta sexta (18), começa um recesso legislativo “branco” (informal) até o início de agosto.
Outra medida temporária de Motta que reduziu a possibilidade de debate foi a redução do número de destaques (emendas que podem ser apresentadas em plenário) dos maiores partidos, o PT e o PL, de quatro para dois. De acordo com o presidente da Câmara, a ideia seria ajustar a prerrogativa à configuração dos blocos partidários formados para a última eleição da Mesa Diretora.
Já no início da noite, duas notícias esquentaram o clima no plenário. A primeira foi a da decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes de derrubar a decisão do Congresso que suspendeu o decreto do governo que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A segunda foi a de que o presidente Lula decidiu vetar o aumento no número de deputados federais de 513 para 535, deixando o ônus político de derrubar o veto com o Legislativo.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) disse que tentou negociar até o início da noite, junto com a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, o adiamento da votação para agosto, para que a negociação dos pontos mais controversos do PL do licenciamento pudesse prosseguir. “Não foi possível por várias razões, tanto pela questão de conteúdo, cuja negociação não foi concluída, como pelos fatos que se sucederam hoje”, afirmou.
A votação foi iniciada pouco antes da meia noite. Partidos de esquerda apresentaram uma lista de questões de ordem e requerimentos para tentar paralisar a votação, questionando tanto as condições da sessão (como a possibilidade de votação remota e o horário avançado), quanto a inconstitucionalidade de vários dispositivos. Motta rejeitou um a um.
Quais os principais pontos do texto aprovado do PL do Licenciamento e suas consequências?
Licença especial A proposta estabelece um rito simplificado para “atividades ou empreendimento estratégicos” definidos pelo Conselho de Governo, ainda que a iniciativa "seja utilizadora de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente". O texto diz que o rol dessas atividades será definido por decreto posterior. Com a medida, qualquer autoridade licenciadora poderia conceder a LAE mediante condicionantes determinadas por ela própria.
Mata Atlântica O PL permite que áreas de mata primária, secundária e em estágio médio de regeneração – justamente as porções mais maduras e estratégicas do bioma – possam ser suprimidas sem análise prévia dos órgãos ambientais estaduais ou federais. A mudança abre brechas para que qualquer município, mesmo sem estrutura técnica, plano diretor ou conselho de meio ambiente, possa autorizar o desmatamento dessas áreas. A decisão retira garantias históricas de proteção e ameaça diretamente os 24% restantes da cobertura original da Mata Atlântica, especialmente os 12% restantes de florestas maduras.
Autolicenciamento A Licença por Adesão e Compromisso (LAC), pela qual qualquer pessoa consegue automaticamente a licença ambiental preenchendo um formulário na internet, torna-se a regra, e o licenciamento convencional, com análise prévia do órgão ambiental, a exceção. O problema é que a autorização não vai valer apenas para empreendimentos de pequeno porte e potencial poluidor, mas também para os de médio porte e potencial poluidor.
Dispensa de licenças A proposta concede de antemão isenção de licenciamento para 13 atividades e empreendimentos econômicos, como agricultura, pecuária, “manutenção e ao melhoramento da infraestrutura em instalações preexistentes”, sistemas e estações de tratamento de água e de esgoto sanitário.
Estados e municípios A proposta concede poder quase ilimitado para esses entes da Federação criarem sua própria lista de isenções de licenciamento. Isso pode gerar confusão regulatória, insegurança jurídica e uma “guerra ambiental” entre quem libera mais e flexibiliza mais para atrair investimentos.
Áreas protegidas. Terras Indígenas e territórios quilombolas cuja regularização não foi concluída não seriam considerados para efeitos do licenciamento de empreendimentos e atividades econômicas que os impactem. As Unidades de Conservação só serão consideradas se o impacto for direto. No caso dos quilombos, mais de 80% das áreas com processos de titulação abertos não seriam levadas em consideração. Cerca de 32% dos territórios indígenas com processos de reconhecimento já iniciados também seriam desconsiderados.
Condicionantes. O PL pretende isentar empreendimentos privados de cumprir as chamadas “condicionantes ambientais”, jogando a conta dos seus impactos para a população e os cofres públicos. As condicionantes previstas no licenciamento são as obrigações de prevenção, redução e reparação de impactos socioambientais.
Renovação automática. O PL permite a qualquer pessoa interessada renovar automaticamente sua licença apenas preenchendo uma declaração na internet, sem nenhuma análise dos órgãos ambientais. Se as condicionantes não forem cumpridas, o empreendedor não precisa dar satisfação a ninguém.
Bancos. O PL impede que os bancos sejam punidos por crimes e danos ambientais cometidos por empreendimentos e empresas que eles financiam. Isso ameaça a norma que proibiu crédito bancário para desmatadores.
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Próxima parada, Belém
Entre avanços parciais e impasses estratégicos, Bonn testa os limites da diplomacia climática rumo à COP 30
Ciro de Souza Brito
- Analista de Políticas de Clima do ISA
Propaganda da COP 30 no saguão de embarque do Aeroporto Internacional de Belém|Fernando Frazão/Agência Brasil
A Conferência de Bonn, também conhecida como pré-COP, foi considerada como um teste para a Presidência da COP do Brasil, mesmo sendo liderada pelos coordenadores dos órgãos subsidiários de Aconselhamento Científico e Tecnológico e de Implementação (SBSTA e SBI, siglas em inglês, respectivamente) – órgãos permanentes da Convenção do Clima da ONU. Ou seja, apesar de não ser o anfitrião oficial da conferência, o Brasil está sob os holofotes.
A expectativa sobre a COP 30 vem aumentando por diversos fatores, positivos ou não. Quando recebeu outros eventos de grande porte, o Brasil conseguiu ser bem sucedido em facilitar a coalizão de relevantes avanços globais, como na Conferência Rio 92. Além disso, contribuem para essa atmosfera fatores relevantes, como a recuperação de uma liderança global no tema ambiental com o governo Lula, fortalecida com o trabalho das ministras Marina Silva e Sonia Guajajara e a experiência do embaixador André Corrêa do Lago, além da forte tradição da sociedade civil brasileira em pressionar o governo por participação social nos processos políticos e diplomáticos.
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André Corrêa do Lago, presidente da COP30, traz experiência diplomática para fortalecer atuação brasileira|Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
No ano em que o Acordo de Paris completa 10 anos, e após o frustrante resultado da COP do Azerbaijão, a ausência dos Estados Unidos na conferência – devido à saída da lista de países signatários do referido acordo – somou-se ao crescente desânimo das nações em desenvolvimento com o multilateralismo. Isso se deve, em grande parte, ao fato de que a meta de financiamento climático ficou US$ 1 trilhão abaixo do valor reivindicado, que era de US$ 1,3 trilhão.
Os países ricos indicam que não podem se comprometer com mais recursos, mesmo que os gastos bélicos estejam sendo alavancados por um cenário de acirramento de guerras como a de Israel contra Palestina e Irã. Por sua vez, sugerem que o setor privado se comprometa com maior provisão de recursos. Mas os países em desenvolvimento questionam: a que custo?
Também chegamos em Bonn após a apresentação da governança da Presidência brasileira da COP 30 e da divulgação de sua visão com as três primeiras cartas publicadas em março e maio. Como prioridade nas negociações, a delegação brasileira vinha colocando três pontos: transição justa, objetivos globais de adaptação e diálogo sobre o balanço global. Como lema, trazia uma proposta de mutirão contra a mudança do clima, um esforço global de cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Apesar da boa vontade, a surpresa no início da Conferência foi a manifestação do grupo LMDC ("Like-minded Developing Countries”, em inglês), composto por Bolívia, Índia, Arábia Saudita, China, entre outros, reivindicando que houvesse negociações sobre financiamento climático. O movimento ficou conhecido nos corredores do World Conference Center Bonn como “a ressaca de Baku” e indicou que o tema do financiamento climático não foi superado e que a Presidência brasileira deverá dar conta dele, sob o risco de implosão da COP.
Vale lembrar que a presidência brasileira já havia noticiado que não tinha interesse em incluir nenhum novo item na agenda de Bonn, mas o parceiro sul-americano, ficou responsável por vocalizar o pedido de inclusão do artigo 9.1 do Acordo de Paris. No final, o item foi alçado a uma nota de rodapé e houve o compromisso que mais consultas seriam feitas até novembro.
Em transição justa, o documento final incluiu menção a gênero e afrodescendentes. Recentemente, lideranças afrodescendentes de 16 países, incluindo as comunidades quilombolas, e organizadas na Coalizão Internacional de Organizações para a Defesa, Conservação e Proteção dos Territórios, do Meio Ambiente, Uso da Terra e Mudança Climática dos Povos Afrodescendentes da América Latina e do Caribe (CITAFRO) entregaram carta a André Corrêa do Lago exigindo maior reconhecimento internacional a partir da agenda da COP 30. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) faz parte dessa coalizão.
Se em transição justa, as negociações foram concluídas no tempo previsto, o tema da adaptação fez a Conferência de Bonn avançar para o décimo primeiro dia, tendo encerrado já na madrugada do dia 27 de junho. O principal tema que vinha sendo discutido era sobre os Objetivos Globais de Adaptação (GGA, sigla em inglês). As negociações emperraram quando esbarraram nas discussões sobre temas transversais, incluindo os grupos mais vulnerabilizados pela crise climática, dentre eles afrodescendentes, e sobre meios de implementação, incluindo a questão do financiamento para adaptação.
Depois de mais de 14 horas de negociações, a saída achada foi a retirada da menção aos afrodescendentes da transversalidade que deveria guiar os GGA. Em relação a povos indígenas, permaneceu a menção de que os indicadores devem conter informações sobre povos indígenas e que seus conhecimentos, bem como os conhecimentos tradicionais, são equiparados à "melhor ciência possível". Sobre meios de implementação, onde a questão do financiamento de adaptação gerou impasse entre os países ricos, que buscavam retirar essa menção, e os países em desenvolvimento, que buscavam deixá-la, a saída foi levar duas opções para a COP de Belém: em uma consta a mensuração do acesso e qualidade do financiamento, bem como a apresentação do progresso e direção no apoio à adaptação; e em outra não. Esse dissenso deve voltar a aparecer mais para frente.
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Protesto durante a Conferência Mundial em Bonn, na Alemanha, durante as negociações climáticas da SB62|Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
Outra questão que saiu do “belo” script articulado pelo Brasil, foi do balanço global, ferramenta que guia o aumento de ambição dos países nas suas metas nacionais de mitigação, adaptação, meios de implementação, perdas e danos e transição justa. Mais uma vez, os países do grupo LMDC trouxeram questões que, dessa vez sim, emperraram a fluidez das negociações e o afinamento de um texto consensual para futura aprovação na COP. Não houve consenso e foram produzidas duas versões de texto, cheia de colchetes, nas quais foram destacadas todas as divergências entre os países. A resolução foi que ambas versões serão encaminhadas para a COP.
Dos três temas prioritários, a avaliação da delegação brasileira buscou fomentar otimismo para a COP, apontando um placar vitorioso em relação à transição justa e ao balanço global. O termômetro que a embaixadora Liliam Chagas apresentou, quantitativo, foi de que dos 49 itens em discussão na agenda em apenas dois não houve acordo. Em tempo, a Presidência brasileira da COP 30 aproveitou as reuniões de Bonn para divulgar sua quarta carta, com foco na Agenda de Ação. A repercussão foi mais tímida do que a divulgação, mas deve ser firmada nos próximos encontros internacionais.
Se considerarmos a aprovação do número de rascunhos finais e o mérito de algumas discussões, como da extensão de mandato dos especialistas e as diretrizes para a produção dos indicadores do GGA e a menção a gênero e afrodescendentes no documento sobre transição justa, a Conferência de Bonn pode ser considerada como uma das mais eficientes dos últimos anos.
Mas se a lupa focar no desconforto em relação ao grande tema que estrutura a ação climática, – o financiamento – bem como outros que foram adiados para que se conseguisse chegar a um resultado final, entre multiplicação de colchetes e opções que indicam divergências, Bonn pode ter simplesmente adiado infortúnios. A próxima parada é em Belém.
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Senado aprova projeto que desestrutura demarcação de Terras Indígenas
PDL 717/2024 revoga dispositivo central do Decreto nº 1.775/1996 e anula homologações das TIs Toldo Imbu e Morro dos Cavalos, em SC
O Plenário do Senado Federal aprovou, nesta quarta-feira (28/05), o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 717/2024, que desmonta o atual modelo de demarcação de Terras Indígenas (TIs) no país. A proposta revoga o artigo 2º do Decreto nº 1.775/1996, norma central que regulamenta os procedimentos administrativos de demarcação de TIs. O projeto também suspende os decretos presidenciais de homologação de duas TIs em Santa Catarina: Toldo Imbu, do povo Kaingang e localizada em Abelardo Luz, e Morro dos Cavalos, do povo Guarani, em Palhoça. Ambas são reconhecidas pelo Estado brasileiro há mais de uma década – tendo sido homologadas pela presidência da República em dezembro de 2024, após anos de mobilização indígena.
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No dia 11 de janeiro de 2025, aconteceu a cerimônia de comemoração da homologação da Terra Indígena Morro dos Cavalos|Mre Gavião/MPI
O texto foi aprovado em votação simbólica no plenário poucas horas após ter sido aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, também nesta quarta. A proposta agora segue para análise na Câmara dos Deputados e acentua a preocupação de organizações indígenas e da sociedade civil. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) alertou que a medida representa grave violação dos direitos constitucionais dos povos indígenas e pode abrir um precedente perigoso, ameaçando o conjunto das demarcações em curso no país.
Na CCJ, a votação foi igualmente simbólica e apenas os senadores Rogério Carvalho (PT-SE) e Zenaide Maia (PSD-RN) votaram contra o projeto. No plenário, a proposta foi aprovada sem qualquer debate e contou com apoio de integrantes da base do governo. Recebeu manifestação contrária de apenas três parlamentares: o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA); o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP); e novamente Rogério Carvalho.
“Os parlamentares precisam lembrar que existe uma Constituição neste país. É dever deles respeitá-la”, afirma Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib. “E o governo, se diz que está com os povos indígenas, precisa se comprometer de verdade e enfrentar com firmeza essa agenda anti-indígena que avança no Senado e na Câmara”.
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Dinamam Tuxá, da Coordenação Executiva da Apib, fala em plenária no Acampamento Terra Livre de 2024|Lucas Landau/ISA
A suspensão do Decreto 1.775/1996 compromete diretamente os estudos técnicos e jurídicos fundamentais para a delimitação de Terras Indígenas, como o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID). Esse relatório é elaborado por grupos técnicos, compostos por especialistas e servidores da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), com base em estudos antropológicos, etno-históricos, ambientais e fundiários. A suspensão desse dispositivo esvazia a base legal que estrutura os procedimentos demarcatórios, paralisando os trabalhos em andamento e criando um vácuo normativo sem precedentes.
“Com a suspensão do decreto, os procedimentos demarcatórios ficam paralisados até que novo regramento venha a existir”, afirma Alice Dandara de Assis Correia, advogada do Instituto Socioambiental (ISA). “O Senado está empreendendo uma ofensiva para suprimir os direitos territoriais dos povos indígenas e ampliar a insegurança jurídica, abrindo espaço para a perenização dos conflitos ali existentes.”
Correia reforça que o PDL vai além do que a Constituição permite. Pela regra, esse tipo de projeto só pode anular atos do governo federal quando eles ultrapassam os limites definidos por lei — ou seja, quando o Executivo exagera no uso de seu poder para regulamentar assuntos. Mas, neste caso, os decretos que homologam Terras Indígenas não criam novas regras nem extrapolam esse poder. Eles apenas confirmam decisões administrativas já tomadas com base na legislação vigente. "Por isso, o PDL não só fere a legalidade, como também distorce a função para a qual esse tipo de projeto foi criado", explica.
A proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e levada ao plenário no mesmo dia, em um trâmite acelerado e incomum. Mesmo sem a presença do relator designado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE), o projeto foi mantido em pauta. O parecer de Vieira, que propunha suspender apenas o artigo do decreto, foi rejeitado. Em seu lugar, foi aprovado o voto em separado do senador Sérgio Moro (União-PR), que acolheu integralmente a proposta do senador Esperidião Amin (PP-SC), autor do PDL, incluindo a anulação das homologações das duas TIs.
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Projeto de Decreto Legislativo (PDL) foi mantido em pauta mesmo sem a presença do relator designado, senador Alessandro Vieira (MDB-SE)|Pedro França/Agência Senado
A Apib enfatiza que as terras afetadas foram reconhecidas após longos e rigorosos processos administrativos, baseados em marcos legais consolidados. As duas Terras Indígenas foram objeto de Portarias Declaratórias emitidas pelo Ministério da Justiça — a de Toldo Imbu em 2007 (Portaria nº 793) e a de Morro dos Cavalos em 2008 (Portaria nº 771). Esses atos administrativos são etapas decisivas do processo demarcatório e confirmam o reconhecimento oficial da ocupação tradicional dos povos indígenas sobre essas áreas. Ambos os processos ocorreram com base na legislação em vigor à época, sobretudo o Decreto nº 1.775/1996.
Desde então, as comunidades aguardavam a homologação por decreto presidencial, o que só foi efetivado em 2024. “A tentativa de anular essas homologações com base na Lei nº 14.701/2023 — sancionada, durante esse período de espera — ignora o fato de que os procedimentos legais já haviam sido concluídos dentro da legalidade anterior”, afirma Diogo Rosa Souza, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).
Na CCJ, a revogação das demarcações se deu sob o argumento de que estão em desacordo com a Lei do Marco Temporal (Lei 14.701), aprovada pelo Congresso Nacional em 2023. O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), criticou a proposta, ressaltando que os processos de demarcação das terras em questão são anteriores à legislação do marco temporal e que os decretos foram assinados no final do ano passado, após longos processos administrativos iniciados nos anos 1990.
A lei estabelece que apenas as terras ocupadas por indígenas na data da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, podem ser demarcadas. No entanto, sua constitucionalidade está sendo questionada novamente no Supremo Tribunal Federal (STF), que em setembro de 2023 declarou a tese inconstitucional. Uma mesa de conciliação está em curso no STF para debater o tema. Proposta por Gilmar Mendes, relator do caso, a conciliação segue sem a participação da Apib, que se retirou dos debates depois que seu pedido de suspensão da Lei 14.701 foi ignorado por Mendes.
Para Dinamam Tuxá, coordenador executivo da Apib, a aprovação do PDL representa uma afronta direta à Constituição Federal. “O processo de homologação dessas terras seguiu todos os trâmites legais, de acordo com o Decreto 1.775 e com a própria Constituição. Não há justificativa jurídica para essa suspensão”.
Tuxá afirma que o PDL fomenta a insegurança jurídica e a violência nos territórios. Ele alerta para o avanço de uma ofensiva legislativa articulada por setores conservadores e ruralistas. “O Congresso Nacional vem atuando com força para desmontar não só os direitos dos povos indígenas, mas também toda a política ambiental. É uma estratégia maldosa, promovida principalmente pelo agronegócio e por aqueles que querem o fim dos povos indígenas.”.
Em nota, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) manifestou preocupação com as últimas ações do Senado e reiterou que os decretos homologatórios das duas TIs são fruto de um trabalho técnico criterioso e amplamente fundamentado, conduzido pela Funai, órgão vinculado ao MPI. “Tal ato administrativo representa a materialização de um direito originário e imprescritível dos povos indígenas, reafirmando o compromisso constitucional do Estado brasileiro com a justiça histórica e a segurança jurídica do procedimento demarcatório de territórios indígenas”, afirma a nota.
Decreto 1.775/1996
Núcleo central dos procedimentos de demarcação de Terras Indígenas, o art. 2º do Decreto nº 1.775/1996 prevê a realização de estudos antropológicos de identificação, que terá como resultado o Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID).
O artigo também determina a participação de grupo técnico especializado, idealmente composto por servidores do quadro funcional da Funai, com o objetivo de realizar estudos de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação, que comporão o RCID. Também o dispositivo garante a participação do grupo indígena envolvido em todas as fases do procedimento administrativo.
O procedimento, como se encontra, tem prazos, datas e a garantia de sua realização por técnicos e servidores dos órgãos responsáveis, com qualificação profissional para a produção dos estudos necessários para a sua declaração. Também é cabível aos estados e municípios e demais interessados se manifestarem sobre as demarcações, dentro do prazo ali estipulado.
A suspensão desses procedimentos afeta os trabalhos em andamento pela Funai e cria um vazio legislativo sobre a forma, o método e os prazos para esses procedimentos administrativos se realizarem. Paralisaria assim, o trabalho do órgão.
Ao todo, no Brasil, das 809 Terras Indígenas, 518 estão com processo de demarcação finalizado e 291 estão com processo incompleto: 167 estão em estudos para identificação; 36 já tiveram seus estudos de identificação aprovados pela Funai; enquanto 68 tiveram suas portarias de declaração assinadas pelo Ministério da Justiça estão aguardando homologação presidencial; e 20 são Reservas Indígenas em processo de regularização.
Terra Indígena Morro dos Cavalos
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Guarani da Terra Indígena Morro dos Cavalos (SC) participam de ato em Brasília|Isadora Favero/ISA
A Terra Indígena Morro dos Cavalos está situada no município de Palhoça (SC), com uma população de 343 pessoas, segundo dados do Censo 2022. A TI foi homologada pelo presidente Lula em dezembro de 2024, após mais de 30 anos de espera.
Com 1.983 hectares, parte da área é sobreposta ao Parque Estadual (PES) Serra do Tabuleiro. Território tradicional dos povos Guarani Mbya e Guarani Ñandeva, registros históricos confirmam a presença dessas comunidades na região do Morro dos Cavalos desde o século XVII.
O Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID), aprovado pela Funai em 2002, aponta a construção da rodovia BR-101 como propulsora das invasões ao território guarani. O relatório destaca ainda a criação do PES Serra do Tabuleiro, em 1975, como outro vetor importante de conflitos fundiários na região que estão presentes até os dias atuais.
Terra Indígena Toldo Imbu
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Kaingang da Terra Indígena Toldo Imbu na III Marcha das Mulheres Indígenas|Webert da Cruz Elias/ISA
Localizada no município de Abelardo Luz (SC), a Terra Indígena Toldo Imbu é de ocupação tradicional do povo Kaingang. Segundo o Censo 2022, a população é de 393 pessoas.
A área declarada com 1.970 hectares é apenas uma parcela do território inicialmente destinado aos Kaingang. Em 1902, um decreto estadual do Paraná reservou uma área de 50 mil hectares como pagamento pelo trabalho realizado na instalação de linhas elétricas. No entanto, quinze anos depois, a promulgação da Lei estadual nº 1,147, transferiu parte da TI para jurisdição do governo de Santa Catarina, que destinou o território para não indígenas.
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Marina Silva merece respeito
O Instituto Socioambiental (ISA) repudia as tentativas de silenciamento e as reiteradas agressões misóginas de senadores
Da esquerda para a direita: Sonia Guajajara, ministra dos Povos Indígenas, Marina Silva, ministra do meio Ambiente e Mudanças Climáticas, e Joenia Wapichana, presidenta da FUNAI durante o ATL 2025|Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
“Se ponha no teu lugar”, disse o senador Marcos Rogério (PL-RO).
“A mulher merece respeito, a ministra, não”, disse o senador Plínio Valério (PSDB-AM).
Inadmissíveis, o ódio e o desrespeito contra a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, mulher negra da Amazônia, mancharam a sessão da Comissão de Infraestrutura do Senado nesta terça (27/05).
Ataques também partiram do senador Omar Aziz (PSD-AM), que interrompeu a ministra diversas vezes em sua resposta sobre o licenciamento da BR-319, que liga Porto Velho (RO) e Manaus (AM), e a acusou de “atrapalhar o desenvolvimento do país”.
Convidada da comissão, Marina teve o microfone desligado. Solicitou um minuto para resposta, o que só lhe foi garantido pelo senador Marcos Rogério, que presidia a sessão, após intervenção da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). Mas foi novamente interrompida.
As falas e as tentativas de silenciamento não são isoladas. São agressões truculentas e misóginas de parlamentares que atravessam uma trilha de destruição da agenda socioambiental no Brasil, no ano em que o país sediará a COP 30, em Belém.
“Imaginem vocês o que é ficar com a Marina seis horas e dez minutos sem ter vontade de enforcá-la”, disse o senador Plínio Valério durante evento dia 14 de março na Fecomércio do Amazonas, e reiterou sem arrependimentos no dia 19, no plenário do Senado.
Marina Silva merece respeito. Reconhecida mundialmente, sua trajetória íntegra em defesa dos direitos de povos e comunidades tradicionais, e em favor do desenvolvimento sustentável do país, é um farol que aponta para a necessidade de aliar conhecimento técnico e científico à proteção do meio ambiente e das pessoas, e assim garantir prosperidade para esta e para as futuras gerações.
O Congresso deve combater, e não reproduzir o racismo estrutural da sociedade brasileira, cujas maiores vítimas são as mulheres negras.
O Instituto Socioambiental (ISA) presta solidariedade à ministra após as agressões e tentativas de silenciamento, e repudia de forma veemente as falas dos parlamentares.
A condução truculenta do debate sobre questões fundamentais para o desenvolvimento do país, como o desmonte do licenciamento ambiental em curso no Congresso, fere o futuro de todos nós.
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Aumento de casos de Covid em São Gabriel da Cachoeira acende alerta para vacinação de crianças a partir de 6 meses
Prefeitura decretou a volta do uso obrigatório de máscaras em ambientes fechados e suspendeu aulas da rede pública de ensino
Por recomendação da Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) de São Gabriel da Cachoeira (AM), as aulas da rede pública de ensino municipal, estadual e federal de São Gabriel da Cachoeira foram suspensas na última semana como medida de prevenção diante do aumento dos casos de Covid-19 no município. Em decreto publicado no dia 25 de abril, a prefeitura já havia determinado a volta do uso obrigatório de máscaras em ambientes fechados de uso coletivo, públicos e privados, como repartições públicas, estabelecimentos comerciais, escolas, igrejas e transportes coletivos. Também preocupa a baixa cobertura vacinal entre crianças a partir de seis meses de idade, grupo considerado especialmente vulnerável à doença.
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Decreto determina a volta do uso obrigatório de máscaras em ambientes fechados de uso coletivo públicos e privados|Vanessa Fernandes/ISA
O lançamento do Festribal 2025, que aconteceria no dia 26 de abril no Ginásio Arnaldo Coimbra, já havia sido adiado em atendimento ao decreto municipal. Grupos e projetos de convivência da Secretaria de Assistência Social também tiveram suas atividades paralisadas pelo período de 15 dias e o horário de atendimento ao público nos CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) foi reduzido.
O decreto nº 07/2025 atende a uma recomendação do Polo Rio Negro da Defensoria Pública do Estado do Amazonas, que alertou para o crescimento expressivo dos casos de Covid-19 nas últimas semanas. Em março, dos 197 casos suspeitos, 87 foram confirmados. Até segunda-feira (28/04), a Semsa contabilizou 477 casos positivos entre os 1.258 pacientes testados nas unidades de saúde durante o mês de abril.
Há relatos na cidade sobre pelo menos três óbitos, que a Semsa relaciona a comorbidades pré existentes e afirma que estão em investigação. “A gente tem mortes, sim, sendo investigadas, mas precisamos aguardar o protocolo de apuração dessas mortes suspeitas”, explicou Aline Moreira, coordenadora de Atenção Básica da Semsa.
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Aviso na estrada do escritório da CR Rio Negro da Funai alerta para o uso obrigatório de máscaras|Vanessa Fernandes/ISA
Segundo Aline, as medidas tomadas e recomendadas pelo município são preventivas e visam conter o avanço não apenas da Covid-19, mas também de outras síndromes respiratórias, em especial a Influenza B, que tendem a se agravar com as chuvas. “A gente não está no inverno, mas tem chovido muito em São Gabriel da Cachoeira, então a gente tem que ter essa preocupação e que todos tenham consciência de que não é só o Covid que está rodando. A gente tem vários vírus respiratórios que a gente precisa se cuidar, sim”, reforça.
Nos casos negativos para covid, os pacientes são submetidos a testagem para a Influenza B, malária e dengue, a fim de determinar o tipo de infecção que circula na região.
A coordenadora destacou a preocupação com a baixa cobertura vacinal contra Covid e Influenza entre os grupos prioritários, especialmente em crianças a partir dos seis meses. Por isso, a campanha de vacinação será reforçada para este público, que inclui gestantes, idosos e professores, a partir desta segunda-feira (05) em todas as Unidades Básicas de Saúde do município. Segundo ela, os estoques de kits de testagem, máscaras, álcool em gel e medicamentos também foram ampliados em toda a rede.
Descida em massa preocupa
O decreto municipal também condiciona o acesso às terras indígenas à apresentação de comprovante de vacinação atualizada contra a Covid-19 e teste negativo realizado nas últimas 48 horas. A fiscalização será de responsabilidade do Distrito Sanitário Especial de Saúde Indígena (Dsei).
O fluxo entre as comunidades e a sede do município — comum para atendimentos de saúde, acesso a benefícios sociais e compra de mantimentos — deve aumentar nos próximos dias com a chegada do PREVBarco, unidade flutuante da Previdência Social, a São Gabriel da Cachoeira. A expectativa é de uma “descida em massa” das comunidades, segundo Evaldo Márcio Alencar de Araújo, coordenador substituto da Coordenadoria Regional (CR) da Funai no Rio Negro.
Diante desse cenário, a CR Rio Negro tem articulado com o Dsei e outras instituições estratégias para minimizar os riscos de contágio. “Vamos discutir as estratégias e a viabilidade de montar equipes para fazer o controle e uma triagem lá em cima, e preparar também para recebê-los aqui [na sede do município]”, afirma Alencar. A possibilidade de instalação de barreiras sanitárias em pontos estratégicos do Rio Negro também será discutida.
Por meio das redes sociais, o Dsei Alto Rio Negro informou que não há surto de Covid dentro do território Alto Rio Negro, mas sim um aumento de casos de síndromes gripais, e orienta para que os usuários indígenas atualizem a vacinação, busquem atendimento junto às Equipes Multiprofissionais de Saúde Indígena para testagem, além de fortalecer os cuidados com a medicina tradicional.
Ainda de acordo com o Dsei, todas as equipes são testadas antes de entrar nos territórios e estão munidas de medicamentos e testes rápidos para fazer os atendimentos nas comunidades, além da disposição de transporte adequado para eventuais necessidades de remoção via aérea, fluvial ou terrestre.
Índice vacinal
Conforme dados da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM), a cobertura do esquema vacinal primário (primeira e segunda doses da vacina) em São Gabriel da Cachoeira é de 92,9%, estando acima do Estado do Amazonas (73,9%) e de Manaus (81%).
A faixa etária com menor cobertura é entre adolescentes de 12 a 17 anos, que é de 35%. “Precisamos que os jovens também se vacinem”, alerta Aline Moreira.
O que chama a atenção no levantamento é que nas cidades de Santa Isabel do Rio Negro e Barcelos - também na região do Rio Negro - o índice de vacinação (primeira e segunda doses) está abaixo dos 50%. Em Santa Isabel, esse índice é de 38,8% e, em Barcelos, está em 49,2%.
O secretário de Saúde de São Gabriel, Christian Barros, informou que, havendo necessidade, a Secretaria Municipal de Saúde pode promover ações conjuntas com os outros municípios. “O fluxo de pessoas transitando entre esses municípios é grande. E as embarcações que transportam passageiros via fluvial para São Gabriel da Cachoeira, também transportam passageiros para esses municípios”, pondera Barros.
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Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, ISA e Alana avaliam aplicação da Lei de Ensino de História e Cultura Indígena
Iniciativa lançada durante o ATL 2025 quer conhecer experiências de professores indígenas e fortalecer a efetivação da Lei 11.645/2008 nas escolas
Integrantes da Fneei pedem o reconhecimento das histórias, saberes e territórios indígenas nos currículos escolares|Oziel Ticuna/FNEEI
“Professora, professor indígena, pessoa educadora, você trabalha com formações sobre a Lei 11.645? Se sim, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto Alana querem te conhecer!”.
No dia 14/04, o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena, o ISA e o Instituto Alana, lançaram um levantamento sobre a aplicação da Lei 11.645, de 2008, a medida que torna obrigatório o ensino de histórias e da sociodiversidade indígena, africana e afro-brasileira no currículo nacional.
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Da esquerda para a direita: Martinha Guajajara, professora e pesquisadora tentehar; Luma Prado, do ISA; e Paula Mendonça, assessora pedagógica no Instituto Alana durante o ATL 2025|Oziel Ticuna/FNEEI
Apesar de aprovada há quase 18 anos, a Lei 11.645 segue ainda sem uma efetiva aplicação nas escolas, principalmente no que se refere à abordagem da questão indígena. Diante deste cenário, as três organizações desenvolveram a iniciativa que busca diagnosticar o importante papel dos educadores indígenas na plena consolidação da normativa, com o objetivo de entender as potências e fragilidades dessa atuação, identificando quem são, onde estão e como trabalham os professores indígenas que realizam formações com professores não-indígenas. Clique aqui para acessar o formulário.
Para Luma Prado, pesquisadora e articuladora no ISA, “a Lei 11.645, de 2008, é uma medida de reparação histórica e justiça curricular. É um direito de todas as crianças e jovens brasileiros conhecer e aprender com as múltiplas e milenares histórias e saberes indígenas, ainda mais em tempos de crise climática. E os professores indígenas têm um papel-chave nesse processo, pois podem articular as inovações pedagógicas da educação escolar indígena com os desafios de apresentar esses conteúdos nas salas de aula de todo o país”.
O convite, feito em primeira mão aos professores indígenas durante o 21º Acampamento Terra Livre, sucede a formulação conjunta da nota técnica “Lei 11.645/08: Ensino de História e Cultura Indígena”, lançada em dezembro de 2024, durante Encontro Nacional de Educação Escolar Indígena, em Brasília.
O documento, pensado pelas três instituições, apresenta uma análise sobre os avanços e os entraves enfrentados desde a promulgação da lei, incluindo um breve histórico que antecede a criação da normativa, além de avaliar o parecer do Conselho Nacional de Educação a respeito da sua aplicação.
A publicação aponta ainda que, embora haja dados relativos às Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, não há no momento distinções nítidas sobre a implementação da matriz indígena. “Fica evidente que há um longo caminho para sua plena consolidação na política educacional brasileira”, afirma a nota.
Para avançar na implementação desta Lei que é central no combate ao racismo contra povos indígenas, as principais recomendações trazidas na nota são: a formulação de Diretrizes Curriculares específicas para a matriz indígena; a presença de representantes indígenas nos conselhos de educação em todas as esferas; a produção e distribuição de materiais didáticos com autoria indígena; a formação continuada de educadores sobre a Lei; e a construção de um plano nacional específico para sua implementação. Acesse a nota técnica na íntegra aqui.
Sobre o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI)
O Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI) é um espaço de diálogo e articulação entre lideranças indígenas, educadores e o Estado, em defesa de uma educação escolar indígena específica, diferenciada e intercultural. Criado em 2015, o Fórum atua na promoção de políticas públicas que valorizem os saberes tradicionais, as línguas e os territórios indígenas, conforme previsto na Constituição e no Plano Nacional de Educação, reafirmando seu papel de resistência frente aos retrocessos nos direitos dos povos indígenas.
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ATL 2025 chega ao fim com forte mobilização indígena contra retrocessos no STF e no Congresso
Na carta final, Apib celebrou 20 anos de luta, alertou para a crise climática e expôs ataques sem precedentes aos direitos indígenas
Deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) puxa marcha no penúltimo dia de ATL, que terminou com repressão policial|@scarlettrocha
Na carta final do Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, divulgada nesta sexta-feira (11/04), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o maior ataque institucional aos direitos indígenas desde a promulgação da Constituição de 1988.
O documento, que marcou o encerramento da principal mobilização indígena do planeta, também alertou para a urgência da crise climática, condenou os projetos de energia e combustíveis fósseis que violam os territórios tradicionais, e exigiu o arquivamento imediato das propostas anti-indígenas em tramitação no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF).
O ATL 2025 foi marcado pela presença de mais de sete mil pessoas de diferentes povos para celebrar os 20 anos da Apib, reivindicar a garantia de direitos constitucionais e mostrar a potência da força ancestral.
Além das marchas “Apib Somos Todos Nós: Nosso Futuro não está à venda!” e “A resposta somos nós”, a programação contou com mesas e plenárias que discutiram o futuro desses povos em espaços como a COP30 e a Câmara de Conciliação do STF.
A ausência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que costuma visitar o evento, a falta de anúncio de novas demarcações e a violência policial contra a deputada federal Célia Xakriabá (PSOL-MG) e outros indígenas durante a marcha desta quinta-feira (10/04) também marcaram o acampamento. A expectativa, de acordo com o coordenador nacional da Apib, Kleber Karipuna, é a de que novos anúncios de demarcação de Terras Indígenas sejam feitos ainda em abril.
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Kleber Karipuna, coordenador executivo da Apib, lê no palco do ATL a carta final da mobilização indígena|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Na carta final, a Câmara de Conciliação do STF, que discute a Lei do Marco Temporal sem a legítima representação do movimento indígena, foi denunciada como o maior ataque institucional desde a promulgação da Constituição. “O Ministro Gilmar Mendes propôs um novo anteprojeto de lei que fragiliza o direito à consulta livre, prévia e informada, criminaliza retomadas, indeniza invasores e altera profundamente o procedimento de demarcação. Pior: sinalizou a abertura de nova negociação sobre a mineração em terras indígenas”, diz o texto.
No Legislativo, a bancada ruralista pressiona pela aprovação de Propostas de Emendas à Constituição (PECs), como a PEC 48, do Marco Temporal, e a PEC 132, da indenização da terra nua, além da CPI da Demarcação das Terras Indígenas. “Exigimos o arquivamento imediato de todas as propostas legislativas de caráter anti-indígena em tramitação no Congresso Nacional”, diz o documento.
A carta ainda reforça que os conhecimentos tradicionais indígenas são essenciais para combater as crises climática e alimentar, defendendo a demarcação de terras como política ambiental urgente e o financiamento direto para a proteção territorial.
“Nossa ciência e sistema ancestral, expressa na agroecologia, nas economias indígenas, na gestão coletiva dos territórios, na nossa relação espiritual com a Mãe Natureza, preserva a biodiversidade, todas as formas de vida, incluindo os mananciais e sustenta sistemas alimentares saudáveis e equilibrados”.
Acordo sem voz indígena
Na quarta-feira, a plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil” reuniu lideranças indígenas, parceiros e representantes de órgãos públicos.
A Câmara, instituída pelo ministro Gilmar Mendes para “pacificar” as partes em conflito pela Lei 14.701 – a Lei do Marco Temporal, encerraria em 2 de abril, mas a Câmara dos Deputados e o Senado Federal solicitaram sua prorrogação. O pedido foi corroborado pela União e deve ser avaliado por Mendes.
A Apib se retirou das negociações logo na segunda sessão, alegando falta de nitidez sobre o processo. Ainda assim, o ministro decidiu continuar as negociações, sem a participação da parte mais interessada no processo.
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Plenária “O Acordo sem Voz: A Câmara de Conciliação no STF e a Reconfiguração da Política Indigenista no Brasil”|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Na plenária, o coordenador adjunto de política e direito do Instituto Socioambiental (ISA), Maurício Guetta, criticou a continuidade da Câmara de Conciliação no STF sem a representação da Apib. "Eu nunca vi conciliação sem as partes. A Apib é a autora da ação e a legítima representante, segundo o STF, dos povos indígenas do Brasil. O Supremo está permitindo que se conciliem os direitos dos povos indígenas sem sua representação legítima”, afirmou.
O debate contou também com a participação da defensora Pública da União, Diana Freitas de Andrade; da liderança do povo Xukuru Guila Xukuru; do jurista e professor Carlos Marés; do advogado indígena Ricardo Terena; da advogada representante da Apib, Heloísa Machado e da ex-subprocuradora-geral da República Deborah Duprat.
Mauricio Terena, coordenador jurídico da Apib, falou sobre a importância do fortalecimento do movimento indígena para contrapor os retrocessos constitucionais em curso. “A nossa estratégia de luta precisa passar por esse momento de organização e mobilização social. O processo jurídico é importante, mas a gente só conseguiu o que conseguiu fazendo luta”, ressaltou.
Os participantes manifestaram preocupação com a proposição, pelo STF, de um anteprojeto de lei que propõe inúmeros retrocessos, como explica Maurício Guetta. “O processo de demarcação vai ser travado. Vai ter indenização para Terra Indígena. Vão tentar liberar mineração, garimpo, hidrelétrica e tudo o que tiver de empreendimento em Terra Indígena. Quando o indígena não quiser um empreendimento de branco no seu território, vão liberar mesmo assim, porque é o que está dito lá no projeto de lei do ministro Gilmar Mendes.", lamentou.
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Mais de sete mil indígenas se reuniram ao longe desta semana para exigir direitos constitucionais|Po Yre/Instituto Kabu/ISA
Além disso, é atípico que o órgão responsável pelo controle constitucional proponha leis, “muito menos leis sobre minorias vulneráveis, como são os povos indígenas do ponto de vista jurídico”, explica Guetta. “E se essa lei viesse a ser aprovada, qual é a legitimidade do Supremo, depois, para exercer o seu papel que está na Constituição [que é avaliar sua constitucionalidade]?”.
A manifestação da defensora pública da União, Diana Freitas de Andrade, foi no mesmo sentido. "A grande preocupação da Defensoria Pública é muito elementar. É que não exista, no ordenamento jurídico brasileiro, uma lei imune ao controle constitucional dado pelo STF", afirmou.
Ex-subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat disse que o projeto abre as Terras Indígenas para as atividades econômicas para acabar com o processo de demarcação, como está estabelecido no artigo 231 da Constituição. “Tudo vai ser compra e venda. Tudo vai ser no fundo propriedade privada", definiu.
"A principal neutralização do projeto é a criminalização absoluta das retomadas”, continua Duprat. “As retomadas foram a maior inteligência que o movimento indígena desde sempre teve para forçar processos de demarcação. A gente sabe que, sem as retomadas, muitas demarcações não aconteceriam. Pelo projeto de lei, as retomadas são tratadas como crime", explicou Deborah Duprat.
“Não há direito se ele não é reconhecido e colocado em prática na hora”, afirmou o jurista Carlos Marés, um dos maiores especialistas em direitos indígenas no país. “O direito atrasado, que leva muito tempo para ser reconhecido, já deixa de ser direito, porque teve um tempo longo de ausência. Essa câmara é nada mais nada menos que uma tentativa do seu atraso . Ao meu entender a luta é para que se encerre [a câmara]”, sinalizou.
Guila Xukuru classificou a instalação da câmara de conciliação como “aberração jurídica”, que vai de encontro à determinação do STF. “A primeira coisa que a gente não pode abrir mão é que o direito dos povos indígenas é originário. A indenização da terra nua é para inviabilizar totalmente a demarcação desses territórios. A União não está pronta para cumprir com essa determinação que eles mesmos estão colocando”, enfatizou.
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